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Para estados e municípios está dificil fechar a conta

Os estados e municípios têm de economizar 11 bilhões de reais neste ano para contribuir com o ajuste das contas públicas. Mas essa meta está cada vez mais longe


	 Metrô do Rio de Janeiro: novos investimentos, só em parceria com o setor privado
 (Rodrigo Soldon/Flickr/Creative Commons)

Metrô do Rio de Janeiro: novos investimentos, só em parceria com o setor privado (Rodrigo Soldon/Flickr/Creative Commons)

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Da Redação

Publicado em 12 de agosto de 2015 às 14h33.

São Paulo - Até o fim de junho, a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre deve fechar 118 dos 738 leitos disponíveis para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) em sete hospitais mantidos pela instituição na capital gaúcha. Com o fechamento das vagas, deixarão de ser realizadas, só neste ano, 3 300 cirurgias, 4 300 internações e 51 000 consultas ambulatoriais.

A decisão de diminuir o atendimento foi tomada depois que o governador José Ivo Sartori cortou do orçamento de 2015 cerca de 300 milhões de reais que deveriam ser repassados aos hospitais filantrópicos no Rio Grande do Sul.

“O que recebemos do estado ajuda a pagar as despesas que não são cobertas pelo dinheiro repassado pelo governo federal, suficiente apenas para bancar 60% dos custos com o SUS”, diz Francisco Ferrer, presidente da Federação das Santas Casas do Rio Grande do Sul.

A justificativa para o corte: falta de dinheiro. “Nosso estado não tem condições de bancar essa quantia, que deveria ser integralmente coberta pelo SUS”, diz Giovani Feltes, secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul.

Os cortes na saúde são apenas uma parte do 1 bilhão de reais em despesas que Sartori decidiu suspender no orçamento estadual — o contingenciamento atinge um quinto dos gastos previstos pelas secretarias do governo gaúcho para 2015. Não é um caso isolado. A meta do governo federal é que estados e municípios, em conjunto, economizem 11 bilhões de reais em 2015, o equivalente a 0,2 ponto percentual do superávit de 1,2% do produto interno bruto prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

No ano passado, os municípios fizeram sua parte, gerando um superávit de 5,4 bilhões de reais. Mas esse ganho foi anulado pelo déficit dos estados: eles fecharam as contas com 13 bilhões negativos. E, neste ano, os governos regionais vão ajudar ou atrapalhar a meta da União?

Até agora, nada indica que os estados conseguirão reverter seus números tão logo. Um levantamento feito pela RC Consultores com os orçamentos aprovados no fim do ano passado por 19 dos 26 estados e pelo Distrito Federal indica que essas unidades projetavam, juntas, um resultado negativo de 2,9 bilhões de reais para o fim de 2015.

Ficaram fora do levantamento Acre, Amapá, Alagoas, Tocantins, Rondônia, Paraíba e Rio Grande do Norte, além do Distrito Federal. Para tentar reduzir o estrago, governadores e secretários de Fazenda de nove estados — os que têm a maior participação na economia — ouvidos por EXAME anunciaram cortes nas despesas previstas.

Desse grupo, apenas São Paulo trabalha com a previsão de fechar 2015 com um saldo positivo de 1,2 bilhão de reais — um quarto do superávit obtido no ano passado. “Minas Gerais teve em 2014 um déficit de quase 7 bilhões de reais”, diz o governador mineiro Fernando Pimentel. “Podemos chegar perto de equilibrar as contas neste ano, e talvez conseguir um superávit em 2016.”

Com a economia esfriando, as projeções de arrecadação de impostos estão sendo revistas para baixo. “Mesmo com os cortes nas despesas, dificilmente os estados vão entregar o resultado que o governo federal espera”, diz o economista Paulo Rabello de Castro, sócio da RC Consultores. Além de Minas, projetam fechar o balanço no vermelho Goiás, Santa Catarina, Paraná, Bahia e Rio Grande do Sul.

Segundo Renato Villela, secretário da Fazenda paulista, as receitas deste ano devem ficar em 182 bilhões de reais — 4,5% acima do ano passado, mas quase 7 bilhões abaixo das projeções do fim de 2014. Com isso, o governo paulista decidiu diminuir o orçamento em 6,6 bilhões de reais — 37% dos investimentos previstos foram suspensos.

Cortes impopulares

O exemplo paulista mostra um lado perverso do ajuste dos estados: o corte nos investimentos. A União vem restringindo a concessão de empréstimos para os governos estaduais. Isso porque, uma vez aplicado nas obras, o dinheiro entra na conta das despesas estaduais, o que ajuda a formar os déficits.

Em Goiás, a construção de uma linha de 13,6 quilômetros de um veículo leve sobre trilhos já poderia ter sido iniciada se o governo federal houvesse liberado parte dos recursos previstos. Em São Paulo, a capital também poderia ter começado as desapropriações de terrenos para a construção da Linha Laranja do metrô, futura ligação do centro da cidade à zona norte — um empréstimo ao governo paulista de 700 milhões de reais da Caixa Econômica Federal, esperado para o fim do ano passado, até agora não saiu.

Em Pernambuco, os investimentos estaduais caíram 70% neste ano. Segundo o governador Paulo Câmara, Brasília negou o aval para a tomada de um empréstimo internacional. “Pernambuco tem espaço para endividamento”, diz Câmara. “Mas não tenho acesso a um crédito tão necessário em períodos de crise como este.”

Para tentar contornar a escassez de recursos, alguns governos apostam nas parcerias público-privadas, um arranjo no qual parte dos aportes em obras é feita por empresas. O governo do Rio de Janeiro pretende utilizá-las para tocar novos projetos.

Obras para a Olimpíada, como a linha de metrô carioca que irá de Ipanema à Barra da Tijuca e a dragagem da Lagoa de Jacarepaguá, já contam com créditos de bancos públicos e internacionais. Mas os recursos terminam aí. “Os novos investimentos terão a ajuda da iniciativa privada porque não pretendemos pegar novos empréstimos”, afirma Luiz Fernando Pezão, governador fluminense.

A falta de dinheiro também pode levar a cortes nos serviços públicos e a medidas impopulares. Exemplos disso já pipocam pelo país. Em maio, os funcionários das empresas terceirizadas que fazem a limpeza e a manutenção da Universidade Estadual do Rio de Janeiro paralisaram as atividades em protesto pelo atraso de salários — as empresas para as quais eles trabalham alegam que o governo do estado não está pagando pelo serviço, o que as deixou sem dinheiro para cumprir com as obrigações.

A crise entre o governo paranaense e os professores da rede estadual de ensino também é emblemática. Há dois anos, o estado decidiu pagar com dinheiro do Tesouro a aposentadoria de 60 000 servidores inativos que estavam vinculados a um fundo de pensão deficitário.

No início deste ano, com os cofres públicos secando, o governo enviou um projeto de lei à Assembleia Legislativa para devolver cerca de metade desses aposentados ao antigo fundo — aprovada pelos deputados estaduais, a medida está sendo questionada na Justiça.

A margem de manobra dos governos estaduais para ajustar as contas é estreita. Diferentemente da União, os estados não têm o poder de criar impostos. Também existem limites para que aumentem tributos de sua competência, como o imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços e o imposto sobre a propriedade de veículos automotores.

Qualquer reajuste feito agora só começaria a valer no ano que vem — uma desvantagem em relação ao governo federal, que pode passar a cobrar imediatamente aumentos nos impostos sobre operações financeiras, importação e exportação, e em 90 dias no imposto sobre produtos industrializados. “Com essas regras, um ajuste é mais fácil para o governo federal do que para os estaduais”, diz o advogado Maucir Fregonesi Junior, sócio da área tributária do escritório de advocacia Siqueira Castro.

Num cenário como esse, alguns governadores querem avançar sobre os depósitos judiciais que os contribuintes fazem quando questionam o valor dos impostos que têm a pagar — em outras palavras, os estados tentam ter acesso a esse dinheiro antes que uma decisão judicial ou administrativa determine quem tem razão.

Atualmente, está em vigor uma lei de 2006 que prevê que até 40% do valor desses depósitos pode ser usado pelos estados. Um projeto de lei do senador José Serra propõe aumentar a parcela para 70% — aprovada no Senado, a proposta aguarda votação na Câmara.

A permissão para aumentar o saque viria com uma contrapartida: o dinheiro deve ser usado, pela ordem, primeiro para o pagamento de precatórios, depois para dívidas com vencimento superior a 12 meses, investimentos e, por último, na previdência dos servidores.

Atualmente, não há regra para a destinação dos recursos. Caso a lei seja aprovada, estados e municípios teriam acesso a 20 bilhões de reais em 2015. Seria um belo empurrão para resolver os problemas financeiros. Mas a medida é vista como imprudente por especialistas em políticas públicas.

“Esse tipo de operação não deixa de ser um endividamento, já que os estados podem ser obrigados a devolver o dinheiro no futuro, caso percam as ações judiciais”, diz o economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.

O ministro Joaquim Levy disse ver com preocupação um aumento da retirada dos depósitos judiciais — uma das razões é que boa parte dos recursos está depositada em instituições públicas, como o Banco do Brasil.

Apesar de toda dificuldade que cria, o aperto nas contas tem um lado positivo. Desde o início do ano, governadores de estados como São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina anunciaram medidas para enxugar a máquina pública, cortando o número de secretarias e de funcionários comissionados. Ao fim de tudo, pode ser que os governos aprendam a ser mais eficientes — uma lição que seria bom guardar para além dos tempos bicudos.

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