Revista Exame

Ouro negro sem tanto brilho

O aumento da produção americana de petróleo num momento de desaceleração do consumo faz o preço do produto desabar e lança dúvidas sobre a economia global — e o pré-sal brasileiro

Produção de petróleo nos Estados Unidos: a revolução do xisto (Reuters)

Produção de petróleo nos Estados Unidos: a revolução do xisto (Reuters)

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Da Redação

Publicado em 2 de fevereiro de 2015 às 09h58.

São Paulo - Uma petroleira em apuros financeiros foi protagonista da já considerada a maior revolução energética das últimas décadas. Para conseguir tirar gás natural de dentro de rochas de xisto nos Estados Unidos, a americana Mit­chell Energy, perigosamente endividada no fim dos anos 90, decidiu testar uma mistura de água, areia e outras substâncias químicas injetadas para debaixo da terra a uma pressão fortíssima.

O fraturamento hidráulico, como ficou conhecida a técnica, funcionou, e a produção de gás natural dos Estados Unidos hoje é 32% maior. O salto na produção de petróleo foi ainda maior — 60% desde 2010. Sem essa introdução fica difícil de entender o que tem acontecido no setor de energia global nos últimos meses.

Desde meados de junho, o preço do petróleo caiu mais de 40% no mercado internacional, para cerca de 61 dólares o barril. A produção de petróleo aumentou num período de desaceleração do ritmo de crescimento do consumo e, como consequên­cia, o preço despencou.

“O rápido aumento na produção a partir do xisto nos Estados Unidos é o principal fator que explica a gigantesca mudança no mercado neste ano”, diz James Hamilton, professor da Universidade da Califórnia, em San Diego, e especialista em energia.

Além dos Estados Unidos, outros países ajudaram a elevar a oferta. A Líbia, que andava instável desde a queda do ditador Muamar Kadafi, em 2011, e também o Iraque aumentaram a atividade de seus campos petrolíferos. Com isso, o nível de produção da Opep, clube dos principais exportadores de petróleo do qual os dois países fazem parte, superou o limite autoimposto de 30 milhões de barris por dia.

Em casos semelhantes no passado, os representantes da Opep reuniam-se e decidiam diminuir a produção. Desta vez, porém, isso não aconteceu — pelo menos por enquanto.

Na última reunião dos barões do setor de energia, a decisão foi manter as coisas como estão. A Arábia Saudita, maior produtora do bloco, negou-se a reduzir a produção. O que explica a mudança de comportamento? Muitos analistas afirmam que se trata de uma tentativa da Arábia Saudita de combater a produção americana.

Os sauditas têm a maior capacidade instalada de extração de petróleo bruto do planeta, estimada em 12 milhões de barris por dia, mas os Estados Unidos, com as rochas de xisto, estão se aproximando rapidamente da marca.

Com o preço do petróleo elevado, todos os projetos americanos continuariam confortavelmente viáveis e permitiriam uma expansão estimada em cerca de 1 milhão de barris de petróleo por dia no curto prazo. A esperança saudita é que, agora, as empresas dedicadas à exploração do petróleo de xisto, muitas delas com alto nível de endividamento, diminuam o ritmo.

Pelos cálculos da Arábia Saudita, se isso acontecer, o preço voltará a subir mais à frente. Nesse caso, não por uma decisão da Opep de reduzir suas vendas e sua participação no mercado mundial.

Não estava no script

O curioso de toda essa transformação em um dos mais importantes mercados globais é que ela não estava no radar. A queda repentina do preço nos últimos meses acabou pegando todo mundo de surpresa e hoje ninguém consegue estimar com confiança quando — e se — acontecerá uma recuperação.

“Para ser honesto, não esperava um declínio tão grande em tão pouco tempo. Certamente, as cotações ficarão muito abaixo do que prevíamos para 2015”, diz John Baffes, economista sênior do Grupo de Perspectivas de Desenvolvimento do Banco Mundial.

Em outubro, a equipe de Baffes publicou um extenso relatório em que estimava um preço médio não distante de 100 dólares por barril em 2015, mas a previsão não demorou muito a cair por terra.

Consultorias avaliam que, num primeiro momento, as cotações devam estacionar na faixa de 70 dólares. Confirmado esse patamar, a consultoria norueguesa Rystad Energy afirma que os principais campos de xisto nos Estados Unidos estão garantidos — como Bakken, em Dakota do Norte. Se o preço voltar a cair um pouco mais, porém, vários projetos estarão em perigo.

Para a agência americana que reúne informações sobre o setor, a expansão da produção de petróleo nos Estados Unidos deve parar totalmente se o barril ficar em 60 dólares. No Brasil, a queda do preço tem um efeito duplo. De um lado, beneficia a área de abastecimento da Petrobras — que, nos últimos anos, comprou petróleo e derivados a um preço alto no exterior e vendeu gasolina por um valor mais baixo para os consumidores, conta que nunca fechou.

“Agora, a tendência é que ocorra o contrário”, afirma Bruno Piagentini, analista da corretora Coinvalores. Por outro lado, o movimento de queda no mercado externo coloca em dúvida a viabilidade da exploração do petróleo encontrado na camada do pré-sal, que precisa receber investimentos de mais de 100 bilhões de dólares até 2018.

A Petrobras sustenta que o projeto é viá­vel até com o petróleo cotado entre 40 e 50 dólares por barril no mercado internacional, mas nem todos têm tanta certeza. “As grandes vítimas do momento são os projetos de exploração em águas profundas”, diz James Hamilton, da Universidade da Califórnia.

Lá fora, os problemas começam a se tornar aparentes. A americana ConocoPhillips afirmou que vai cortar 20% dos investimentos em 2015. A inglesa BP e a norueguesa Statoil já anunciaram que vão demitir funcionários.

Os efeitos da queda do preço do petróleo na economia como um todo é um dos temas que têm dividido os economistas. Os pessimistas formam dois grupos. Um deles argumenta que a mudança foi causada pela queda da demanda global, um sinal de fraqueza da economia mundial.

O outro grupo entre os pessimistas até aceita que a causa principal da redução do preço seja o aumento de oferta de petróleo, mas teme que o preço mais baixo vá pressionar ainda mais a tendência de ­deflação na zona do euro. Já os oti­mistas defendem que a queda dos preços beneficie os consumidores dos paí­ses importadores de petróleo, que gastarão menos com combustível e, assim, terão mais dinheiro para comprar outros produtos.

Pelo menos sobre um ponto não há muita discordância: grandes produtores que sejam dependentes da exportação de petróleo devem perder. Os sauditas podem até ter mirado o xisto americano, mas devem acabar acertando a Rússia, do presidente Vladimir Putin, e a Venezuela, de Nicolás Maduro.

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