Donald Trump: presidente dos Estados Unidos promete fortes mudanças no comércio global e na imigração (Win McNamee/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 23 de janeiro de 2025 às 06h00.
Última atualização em 23 de janeiro de 2025 às 11h05.
Negociações duras e promessas de peso marcam a carreira de Donald Trump desde os anos 1970. Prometer projetos e mudanças revolucionárias é parte central de sua trajetória de sucesso, seja para erguer hotéis e cassinos enormes, seja para conquistar eleitores fiéis. No entanto, prometer é uma coisa, entregar é outra.
A questão principal destes primeiros meses de mandato será entender em quais áreas ele terá poder para fazer mudanças concretas — e o que é apenas fumaça. A resposta demorará ainda alguns meses para ser encontrada.
Enquanto isso, analistas buscam sinais em suas falas e em seus gestos desde que Trump venceu a eleição, em novembro passado, e tomou posse, em 20 de janeiro. De lá para cá, suas promessas mais fortes envolvem duas áreas principais: aumento de tarifas comerciais e deportação de imigrantes.
O racional é simples. Nos dois temas, o presidente tem poder para tomar medidas imediatas por conta própria, sem depender do Congresso e com menor risco de haver questionamentos na Justiça. “As políticas tarifárias e de imigração são as mais relevantes para a economia global. Se ele avançar no que promete, haverá mais inflação americana, menos crescimento na China, e isso terá reflexos nos mercados emergentes, como o Brasil”, diz Christopher Garman, diretor para as Américas na consultoria Eurasia.
Trump faz da imposição de tarifas a outros países um dos cernes de sua política. É uma arma que ele pode usar livremente, embora não sem consequências. “O presidente pode ditar alíquotas, quais países e produtos serão afetados e como e quando impô-las, sem precisar de aprovação do Congresso, apoio público ou revisão judicial”, afirma Adam Looney, pesquisador da Brookings, em um artigo recente.
Para Trump, as barreiras podem favorecer empresas americanas, ao tornar produtos do exterior mais caros. E são uma moeda de troca: se o outro país adotar tal medida, as taxas podem ser retiradas ou nem mesmo implantadas. A realidade, como sempre, é mais complexa. Empresas americanas se acostumaram a fabricar seus produtos no exterior, justamente em países como México e China — os alvos favoritos de Trump — para baixar custos. O gasto com as tarifas extras será repassado ao valor dos produtos, que ficarão mais caros para os consumidores americanos, apontam analistas.
Além disso, a menor competição com produtos estrangeiros pode fazer com que os fabricantes locais cobrem mais caro e aumentar a pressão sobre os preços. A esperada inflação em alta faria uma roda girar: para conter a subida de preços, o Fed teria de elevar, ou reduzir, o ritmo de cortes da taxa de juros americana.
“No primeiro trimestre, é muito provável que os juros continuem nos patamares atuais e passem a cair mais para o meio do ano. Mas a magnitude desses cortes ainda é uma questão obscura”, diz Paula Zogbi, gerente de research da Nomad. Juros mais altos nos Estados Unidos atraem mais dinheiro para o país, o que valoriza o dólar e enfraquece moedas estrangeiras, como o real. O dólar superou 6 reais semanas após a vitória de Trump.
Estudos mostram ainda que o aumento das tarifas deve gerar mais impostos, mas podem cortar empregos e encolher o PIB. Um levantamento da Tax Foundation revela que tarifas de 25% sobre todas as importações do Canadá e do México, além de 10% de tarifas adicionais sobre a China, devem gerar 1,2 trilhão de dólares em taxas de 2025 a 2034. No entanto, elas reduziriam o PIB em 0,4% e cortariam 344.000 empregos americanos. Isso sem contar os efeitos de retaliações que os países poderão tomar. Canadá, México e China compraram mais de 800 bilhões de dólares em produtos americanos em 2022, e poderão subir tarifas sobre eles ou apenas decidir comprar de outros países.
Um exemplo: a Seção 301, norma tributária que dita regras sobre tarifas, foi turbinada a partir do primeiro mandato de Trump e mantida por Joe Biden, e afetou um fluxo de comércio de 79 bilhões de dólares em mercadorias desde 2018. A China respondeu, e sobretaxou um fluxo comercial de produtos americanos de 106 bilhões de dólares no período. Já o Canadá tem falado em reduzir o fornecimento de energia e petróleo aos americanos caso as ameaças de Trump sejam efetivadas.
Uma das justificativas de Trump para aplicar tarifas aos vizinhos é forçá-los a conter a imigração irregular pelas fronteiras. Essa é a principal bandeira eleitoral do republicano há quase dez anos. Na eleição de 2024, ele endureceu o discurso e prometeu deportar milhões de estrangeiros. O Departamento de Segurança Interna estima que haja entre 11 milhões e 13 milhões de imigrantes sem documentos no país. Trump e seus aliados falam em acelerar as expulsões e mandar milhões de pessoas embora. Grandes números nessa área, no entanto, não são novidade.
Trump enviou 1,5 milhão de estrangeiros de volta a seus países em seu primeiro mandato, menos do que o ex-presidente democrata Barack Obama. No primeiro governo do democrata (2009-2012), foram expulsas 2,9 milhões de pessoas, sem alarde. A diferença agora é que Trump deverá promover ações espalhafatosas nas primeiras semanas no cargo, como blitzes em empresas para prender funcionários sem documentos regulares. O governo deverá priorizar estrangeiros com antecedentes criminais e que estejam já na reta final do processo de deportação, sem possibilidade de recursos.
“Mesmo que o asilo seja negado, a deportação precisa ser aprovada por um juiz. Os processos de imigração nos Estados Unidos demoram anos, porque faltam funcionários. Isso é difícil de resolver, porque pouca gente quer trabalhar nessas funções”, diz o advogado de imigração brasileiro Gustavo Nicolau, que trabalha na Flórida. Outra possibilidade de Trump é ampliar o uso de expulsões aceleradas de imigrantes ilegais, em que agentes comuns têm poder para determinar a retirada do país sem o devido processo legal, desde que a apreensão seja feita na região das fronteiras ou em até duas semanas após a entrada no país.
O presidente tem ainda o poder de derrubar medidas de -Biden, como as exceções dadas a imigrantes do Afeganistão, Haiti e Venezuela, e de reorientar o trabalho de agências federais para reduzir a concessão de permissões de emergência.
Por outro lado, Trump dependerá de ajuda das polícias locais para ajudar a encontrar e prender os imigrantes. De modo geral, lugares sob comando republicano tendem a apoiar essas medidas, enquanto cidades e estados governados por democratas, como Nova York e Califórnia, são mais brandas na fiscalização de estrangeiros sem documentação.
Além disso, deportar custa caro. Um estudo do American Immigration Council, uma ONG de defesa dos imigrantes, mostra que deportar 13 milhões de pessoas custaria 968 bilhões de dólares ao longo de uma década. Assim, embora Trump possa mudar as regras, ele vai precisar que o Congresso libere verbas extras para que as ações sejam aceleradas.
E a relação com o Congresso será primordial para o sucesso das promessas de Trump. Ele tem maioria, mas são margens estreitas: 52 a 47 no Senado e 219 a 215 na Câmara. Assim, caso alguns poucos parlamentares não votem com o governo, as propostas podem ser barradas.
Para complicar, o Partido Republicano vive um racha interno nos últimos anos, especialmente na Câmara. No começo de 2023, o partido precisou de 15 rodadas de votação no Plenário para escolher o presidente da Câmara, mesmo tendo a maioria da Casa. Nove meses depois, o escolhido, Kevin McCarthy, foi derrubado do cargo após um movimento de uma ala mais radical do partido. Em janeiro deste ano, houve um novo susto: Mike Johnson não teve apoio suficiente na primeira rodada de votação para se reeleger presidente da Casa, mesmo sendo o candidato de Trump. Ele precisou convencer alguns colegas a mudar o voto, depois de proferido, e evitou uma derrota no último minuto.
Para Maurício Moura, professor na Universidade George Washington, o primeiro embate do novo presidente com o Congresso se centrará em outra promessa de campanha: os cortes de impostos. Nesse tema, será preciso decidir quem terá abatimentos e quem não — e lidar com as insatisfações que virão. Ao formar o governo, Trump escolheu praticamente apenas aliados próximos, o que gerou incômodo. “Já vemos uma parte do Partido Republicano descontente com algumas indicações. Ele vai ter problemas por não ter acomodado nenhuma corrente política. Ele escolheu gente muito próxima dele, mas que não dialoga com a representação republicana no Congresso”, afirma Moura.
Outra promessa de Trump que deverá enfrentar resistência no Legislativo é o plano de enxugar o governo, ao eliminar agências, gastos públicos e regulações. Foi criado um Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), chefiado pelos empresários Elon Musk e Vivek Ramaswamy.
Oficialmente, o órgão não faz parte do governo, mas dará sugestões de como cortar gastos. Porém, a maior parte dos dispêndios do governo federal envolve despesas obrigatórias, como o programa Social Security, que auxilia americanos na velhice, as despesas militares e os juros de dívida (veja quadro mais abaixo).
Mexer em gastos implicará a compra de brigas com o Congresso, que dá a palavra final sobre o Orçamento federal a cada ano. “Trump vai ter grau de manobra neste primeiro semestre e vai tentar empurrar a questão rapidamente, mas cada gasto tem seu dono, o que gera dúvidas sobre a capaci-dade de fazer cortes”, diz Garman, da Eurasia.
Além de cargos e gastos, Trump promete desburocratizar a vida das empresas. Embora o tema também dependa de aval do Congresso, a possibilidade animou os investidores e tem valorizado companhias americanas. “Haverá políticas mais amigáveis para o setor privado, e isso está se refletindo na valorização da bolsa americana. Os mercados estão alinhados com essa visão”, diz Garman.
O mercado espera ainda avanços em dois setores: petróleo e criptomoedas. Trump prometeu investir para ampliar a produção de combustíveis fósseis nos Estados Unidos, como estratégia para baixar a inflação, e deu sinais de que pretende ter regulações mais favoráveis ao mercado de criptoativos. Na campanha, ele buscou se aproximar desse mercado e disse que o país deveria ser a “capital mundial das criptomoedas”. Depois de sua eleição, a cotação do bitcoin, a principal delas, subiu da faixa de 70.000 dólares para perto de 100.000 dólares.
Trump nomeou para a SEC, a comissão de valores mobiliários dos EUA, Paul Atkins, que trabalhou no mercado de ativos digitais. A SEC poderá rever regulações e facilitar o acesso às criptomoedas. Outro aceno que o governo Trump poderá fazer ao setor é determinar que o país passe a ter reservas de criptomoedas, como já tem de ouro, por exemplo, o que daria ainda mais credibilidade ao mercado digital.
A presença de Elon Musk no governo anima os investidores de cripto. O bilionário promove moedas digitais, como a Dogecoin. Curiosamente, o departamento que ele chefiará tem a sigla “Doge” em inglês.
A proximidade de Trump com bilionários da tecnologia não se restringe a Musk. Além do fundador da Tesla, que chegou a ir a comícios republicanos durante a campanha e ficou dias em Mar-a-Lago ajudando a decidir a nova equipe de governo, segundo a imprensa americana, Mark Zuckerberg, da Meta, e Jeff Bezos, da Amazon, têm dado sinais fortes de alinhamento.
Em janeiro, Zuckerberg determinou o fim da checagem de informações em redes sociais como Facebook e Instagram, o que retira barreiras para a disseminação de notícias falsas e de discursos de ódio. Trump, que teve seu perfil banido do Facebook depois de seus apoiadores invadirem o Congresso, em 2021, era contra essas medidas. Os dois dizem que o fim da checagem favorece a liberdade de expressão. A mudança não vale só para os Estados Unidos, mas para o mundo todo, onde mais de 4 bilhões de pessoas usam redes sociais da Meta.
Os efeitos do governo Trump fora das fronteiras dos EUA vão começar já, literalmente, nas fronteiras. O republicano dominou o noticiário ao falar sobre tentar tomar outros territórios, algo que os Estados Unidos não fazem há mais de 100 anos.
Em janeiro, ele postou mapas em que coloca o território do Canadá como sendo parte dos EUA e disse que os canadenses teriam vantagens em uma fusão dos dois países. O governo do Canadá disse não, obrigado. Resposta similar veio da Groenlândia, um território da Dinamarca.
Um terceiro desejo — antigo — de Trump é o Canal do Panamá, que ficou sob o controle de -Washington desde sua criação até 1999, quando foi assumido pelo Panamá. Ali, Trump diz que a influência chinesa estaria colocando os americanos em risco.
Nos três casos, analistas dizem que a chance de uma anexação é remota. Sem interesse dos outros territórios em se juntar, as opções que restam seriam fazer pressão econômica ou ir à guerra. O Canadá e a Dinamarca integram a Otan, aliança militar da qual os EUA também fazem parte. As regras da entidade afirmam que, caso um dos países seja invadido, os outros precisam enviar tropas para ajudar. Assim, Trump acabaria se envolvendo em um conflito com os principais países da Europa. Embora os EUA tenham força militar maior, os europeus também possuem tecnologias de defesa de ponta.
Analistas veem nessas falas uma tática comum de Trump. “Ele começa muitas vezes com metas extremas, divulgadas de surpresa, e depois, nas negociações, quem está negociando com ele se sente aliviado ao lhe dar muito do que ele realmente queria. É uma tática antiga”, diz Ken Kollman, professor de ciência política da Universidade de Michigan. Ao mesmo tempo, dominar a atenção pública com propostas radicais ajuda a desviar o foco. “Ele coloca muita intensidade em temas de baixa relevância e, em paralelo, vai passando as coisas que realmente quer passar”, diz Moura, da Universidade George Washington.
Outro efeito global do governo Trump será a tentativa de tirar a força do combate às mudanças climáticas. Além de prometer sair novamente do Acordo de Paris, ele deverá dar menos espaço a energias limpas no país. Os carros elétricos serão as primeiras vítimas, cujo uso, Trump avalia, “não será para todo mundo”.
“O Acordo de Paris ficará enfraquecido com a saída dos EUA. Isso estimulará outros países a não assumirem compromissos ou não se esforçarem para atingir suas metas”, diz Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais na ESPM.
Ao longo de seu mandato, Trump também influenciará os rumos da política global ao dar exemplo. Depois de sua vitória em 2016, houve avanço do discurso conservador e contra imigrantes em muitos outros países. Ao assumir o segundo mandato, ele tomou uma decisão inusual de convidar líderes estrangeiros, algo que vai contra a tradição americana, que têm visão política alinhada à dele, como Javier Milei, presidente da Argentina, Giorgia Meloni, premiê da Itália, e Nayib Bukele, de El Salvador. Já líderes de correntes diferentes, como de esquerda, ficaram fora da lista.
A forma como Trump vai interagir com forças políticas de outros países será um ponto a se prestar atenção nos próximos anos. Ele poderá, ao final, usar muito da força dos Estados Unidos para ajudar seus movimentos políticos, ideias e comportamentos a avançarem pelo mundo. Entre a realidade e a ficção, Trump será uma força preponderante na economia e na geopolítica global. Monitorar e entender os limites do que ele pode fazer é essencial para o Brasil e para qualquer cidadão do mundo.