Revista Exame

Os enigmas da eleição brasileira

Os políticos tentam seduzir o público, mas há muitos brasileiros sem candidato. À frente, uma eleição para lá de confusa

Debate eleitoral começou na TV Bandeirantes: os candidatos tentam mudar a postura para conquistar o eleitorado (Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)

Debate eleitoral começou na TV Bandeirantes: os candidatos tentam mudar a postura para conquistar o eleitorado (Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)

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Flávia Furlan

Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05h10.

Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 05h10.

Quatro perfis distintos de brasileiros estão entre os maiores influenciadores das eleições deste ano no país. A TZU, consultoria política que tem entre os sócios o americano Arick Wierson, estrategista das campanhas do ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, chegou a esses perfis por meio de entrevistas pessoais, por telefone e online realizadas com mais de 2.100 eleitores brasileiros desde março. Os perfis ganharam nomes conforme as características mais marcantes de cada um deles. Há os “leitores assíduos de jornais”, grupo formado por homens de classe média alta, de 42 anos para cima, que vivem nas capitais e, bem informados, disseminam sua opinião ao redor. Outro perfil é o dos “comentaristas online”, jovens de 18 a 29 anos, com renda mais alta, moradores de grandes centros urbanos, e que postam com frequência aquilo que pensam nas redes sociais.

Esses, no entanto, não são os perfis que abrigam os mais influenciadores. Existem 3 milhões de homens subempregados, na casa de 30 a 49 anos, das classes B e C, que vivem em cidades próximas a centros urbanos e que são mais conservadores em suas posições. Há, ainda, 2 milhões de homens e mulheres, acima de 30 anos, que vivem em metrópoles e têm alto nível de escolaridade, conseguindo dessa forma influir mais fortemente sobre outras pessoas. Chama a atenção o nome que ganharam esses grupos: no primeiro caso, são os “bolsonaristas”; e, no segundo, são os  denominados “acadêmicos de esquerda”.

Considerando esses perfis, obtidos com exclusividade por EXAME, dá para entender por que as pesquisas de intenção de voto estão colocando uma chance maior de ocorrer no segundo turno da disputa para a Presidência da República um embate entre o candidato do Partido Social Liberal, Jair Bolsonaro, e o do Partido dos Trabalhadores, provavelmente o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad, caso a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva seja mesmo barrada  pelo Tribunal Superior Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa, devido à condenação em segunda instância do ex–presidente por corrupção.

O processo, que está na fase de defesa, pode ser julgado a partir de 31 de agosto. Como são bastante ativos e muito numerosos, esses brasileiros com perfil mais influenciador estão simplesmente desenhando o quadro eleitoral das pesquisas. Pelo menos até agora. “É prematuro chegar a uma conclusão definitiva sobre as eleições neste momento: não há uma decisão ainda sobre a participação ou não de Lula na disputa presidencial, e nem começou a propaganda eleitoral em rádio e televisão”, diz Wierson, da TZU. 

Fila de desempregados: a lenta retomada da economia torna o eleitor mais propenso a votar em candidatos populistas | William Moreira/Futura Press

Os influenciadores estão agindo fortemente nessas eleições enquanto há um enorme contingente de brasileiros sem candidato. A quantidade de pessoas nessa situação alcançou níveis altos, em comparação a eleições anteriores. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria, com base em levantamento do Ibope, quando não indicado nenhum candidato ao eleitor, a chamada pesquisa espontânea, uma parcela de 31% das pessoas dizem que votarão em branco ou nulo. Em período equivalente de 2014, a mesma resposta foi dada por 16% dos eleitores.

Mesmo na pesquisa estimulada, quando os nomes de candidatos são expostos ao eleitor (menos o do presidente Lula), a proporção subiu de 13%, há quatro anos, para 33% agora. O número de indecisos, embora não tenha crescido diante de eleições anteriores, se mantém num patamar elevado, chegando a 28% no caso da pesquisa espontânea. Não é difícil imaginar os motivos para o eleitor estar em dúvida ou desistir de participar da escolha do próximo presidente. “Existe uma percepção ruim dos governos, resultado da soma de corrupção e serviços públicos precários, num país com alta cobrança de impostos e com uma economia fraca”, diz o cientista político Scott Mainwaring, da Escola de Administração Pública da Universidade Harvard (veja entrevista abaixo).

Os candidatos têm feito de tudo para conquistar o eleitorado — entre eles também os órfãos de Lula, caso o ex-presidente seja impedido de disputar o pleito, um grupo que chega a somar 39% dos eleitores, segundo o Datafolha. Cientistas políticos consultados por EXAME dizem que cada candidato está moldando seu comportamento, numa reconstrução da imagem, diante dos desafios da corrida eleitoral (veja reportagem). Não que isso seja novidade no Brasil. Na disputa para a Presidência em 2002, o candidato Lula teve de provar que não governaria apenas para os trabalhadores sindicalizados. Mudou o jeito de se vestir e de falar e publicou a famosa “Carta ao povo brasileiro”, em que se comprometia com os princípios econômicos vigentes, uma maneira de acalmar os mercados avessos a sua chegada. Nessa fase, o ex-presidente se autointitulou “Lulinha Paz e Amor”.

Um exemplo recente foi o do presidente francês Emmanuel Macron, que conseguiu vender uma imagem de renovação aos eleitores, mesmo  tendo ocupado o cargo de ministro da economia de François Hollande antes de ser candidato. “As boas campanhas sempre tentam moldar os candidatos ao tema que mais preocupa o eleitor. No caso de Macron, era o apelo da renovação”, diz o cientista político Christopher Garman, chefe para mercados emergentes da consultoria Eurasia. “Mas, é evidente, essa estratégia tem limite. Num governo mal avaliado, seu candidato pode ser penalizado, e depende mesmo é do fracasso dos demais para ter êxito.”

Feirão de venda de imóveis nos anos de euforia econômica: o PT adota a narrativa de trazer de volta os anos de bonança ao país | César Ogata/Futura Press

Na disputa de 2018, Jair Bolsonaro tenta adotar um tom mais razoável nos debates, enquanto precisa manter os 22% de eleitorado que conquistou , segundo o Datafolha, e que podem levá-lo ao segundo turno — os seus fãs gostam mesmo é do discurso radical. Marina Silva, da Rede, está num esforço para parecer mais compreensível, dando menos respostas longas e repletas de ideias, abandonando o que ficou apelidado de “marinês”. Vista como uma liderança mais fraca, tem mostrado mais firmeza contra os adversários nos debates. É assim que ela pode conquistar os indecisos, a maioria formada por mulheres de baixa renda. 

Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista, que já disse que “sua agressividade seria usada para proteger o país”, tem tentado ser mais calmo nos embates e diz ter amadurecido, uma mudança para concorrer com os petistas pelo eleitorado nordestino. Já Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira, rotulado como “picolé de chuchu”, quer ser mais charmoso. Um de seus desafios é superar a percepção de que fala apenas para São Paulo. Alckmin tem a chance de conquistar votos tucanos perdidos para a extrema–direita — sua vice, a senadora gaúcha Ana Amélia, do Partido Progressista, deve visitar as zonas agrícolas do país em setembro, avançando sobre o eleitorado de Bolsonaro, conforme EXAME apurou.

Fernando Haddad, por sua vez, tem o desafio de parecer mais com Lula, para herdar os votos do ex-presidente, e além disso conquistar os indecisos. “Essa estratégia pode fazer com que Haddad saia de 4% das intenções de voto para perto de 15%, disputando o segundo turno com Bolsonaro. Esse é o cenário mais viável hoje”, diz Garman.

O candidato Lula?: a Justiça precisa decidir se o ex-presidente participará do pleito. Se não, Haddad terá trabalho para conquistar votos | Ricardo Stuckert

A dúvida crucial, porém, é o peso que a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, de 31 de agosto em diante, poderá ter. Na eleição mais confusa da história do país, os cientistas políticos não sabem se a propaganda terá a mesma influência que teve no passado. Um estudo do pesquisador Jairo Pimentel, do Centro de Política e Economia do Setor Público, da Fundação Getulio Vargas, com mais de 100 eleições nas capitais brasileiras de 2000 a 2016, mostra que 58% dos políticos com 30% a mais de tempo de televisão que o maior adversário conseguiram ser eleitos ou reeleitos.

É o tipo de estatística que tenderia a favorecer o candidato Alckmin, dono de 44% do tempo da propaganda eleitoral, o que inclui 433 inserções na TV em 35 dias de campanha — para comparar, Bolsonaro terá 12 dessas inserções. São anúncios de 30 segundos que, por estar espalhados na programação, acabam pegando a audiência de surpresa. “A chance de qualquer pessoa de seu sofá assistir a uma propaganda do Alckmin é enorme”, diz Pimentel.

Outro enigma desta eleição é qual será a influência dos escândalos de corrupção. Há pesquisas internacionais que mostram que, quando a roubalheira é generalizada, as pessoas tendem a se comportar de duas maneiras: simplesmente não vão às urnas ou escolhem um candidato sem levar em conta o tema corrupção. A pesquisa da CNI com o Ibope mostra que o segundo caso é latente no Brasil. Mais da metade dos respondentes concordaram com a afirmação que dizia que todos os candidatos são corruptos, então, não fazia diferença em quem votar. “Essa percepção decorre do fato de que os eleitores não acreditam que os políticos sejam capazes de resolver a corrupção ou que fariam algo para mudar uma prática que os beneficia, por mais que seja vista como um problema”, diz Nara Pavão, pesquisadora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

Em um estudo feito nos Estados Unidos, Nara realizou um experimento para manipular a percepção sobre a corrupção nos Estados Unidos. O grupo que passou a acreditar que o país tinha um alto índice de corrupção tornou-se mais tolerante em comparação com o outro grupo, que ouviu que o país possuía baixos níveis de corrupção. Ou seja, quanto maior a  percepção de corrupção em um país, menor peso ela tem como fator para a escolha do voto. Por isso, governantes corruptos sobrevivem nas democracias e não são punidos nas urnas.

O que tem pesado mesmo na eleição brasileira é a lenta recuperação da atividade econômica, com um contingente de mais de 13 milhões de pessoas sem trabalho e outros 14 milhões que desistiram de procurar uma vaga ou trabalham menos que poderiam. É nessas situações que ganham espaço os candidatos populistas, com soluções mágicas para os problemas do país. Esse é um fenômeno global. Três pesquisadores das universidades de Berlim, Bonn e Munique, na Alemanha, analisaram 800 eleições dos últimos 140 anos em 20 economias avançadas, e chegaram a conclusões interessantes. Após uma grande crise financeira, os partidos populistas de direita apresentaram um crescimento de 30% na quantidade de votos. Já o partido no poder, responsabilizado pela crise, perde apelo entre os eleitores.

No Congresso, tende haver uma quantidade maior de partidos, e também mais espaço para legendas nanicas, tornando as negociações mais difíceis. No geral, os cidadãos querem proteger o que possuem, os conflitos se intensificam e isso torna o processo político mais frágil. Os populistas tendem a se aproveitar. “No Brasil, e na América Latina em geral, a tradição é de ascensão de populistas de esquerda, reclamando das elites econômicas, mas é uma novidade que também estão surgindo populistas de direita, que reclamam de minorias e de estrangeiros”, diz Manuel Funke, um dos autores do estudo.

A veia populista brasileira foi capitalizada por Lula, à esquerda, e Bolsonaro, à direita. Ambos aproveitam a polarização que existe desde o impea-chment da ex-presidente Dilma Rousseff, apoiado por parte da população mais conservadora, mas rechaçado pelos simpatizantes do PT. Cada lado interpreta os fatos de uma forma. A polarização também é evidente em outros países: entre os americanos, um estudo do Pew Research Center revelou que, em 1994, 23% dos republicanos eram mais liberais que um democrata médio, enquanto 17% dos democratas eram mais conservadores que um republicano médio. Em 2014, os números estavam em 5% para ambos os lados.

Em campos ideológicos extremos, Lula e Bolsonaro têm em comum a narrativa que faz sentido para os eleitores. No caso do ex-presidente, é permitir que os brasileiros voltem ao padrão de consumo nos anos de euforia. Já no caso de Bolsonaro, é a proteção para uma situação de insegurança e criminalidade em alta, o problema que mais preocupa os brasileiros, segundo pesquisa da consultoria Ideia Big Data. “É um eleitor indignado que está indo às urnas. Com isso, as soluções mais fáceis e radicais ganham ressonância”, diz Maurício Moura, da Ideia Big Data.

Com o aumento do populismo e da polarização no Brasil — e mundo afora —, uma parte dos cientistas políticos acredita que as democracias correm um sério risco. O principal dano pode ser o de eleger um candidato com características autoritárias que, uma vez no poder, golpeie a própria democracia. O exemplo mais citado é o da Venezuela, com Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro. Já outra parte dos cientistas políticos diz que ocorre exatamente o contrário. “Com o advento das redes sociais, dando voz às minorias, a democracia se tornou mais representativa, e está fortalecida”, diz o cientista político Fernando Schüler, da escola de negócios Insper. Estamos vivendo uma amea-ça à democracia ou uma nova fase do jogo democrático? Que as urnas brasileiras nos levem à segunda opção. 


À VÉSPERA DA ELEIÇÃO, UM PAÍS POLARIZADO

Para o americano Scott Mainwaring, cientista político que estuda a democracia no Brasil desde os anos 1980, o populismo ronda o país

Mainwaring, de Harvard: “Para os brasileiros, a visão dominante é a de que todos os políticos atuais são corruptos — ou serão um dia” | Divulgação

Em 1987, um ano antes de o Congresso brasileiro promulgar uma Constituição com ares democráticos, o cientista político americano Scott Mainwaring já acompanhava a política por aqui. Na ocasião, Mainwaring, bolsista na fundação americana Fullbright, estudou a atuação do partido do Movimento da Democracia Brasileira, o MDB, na transição de um regime militar para a democracia. Atualmente, após três décadas de estudos sobre a política na América Latina, o cientista político dá aulas sobre o tema na Harvard Kennedy School, escola de política da universidade, em Boston. Mainwaring vê com preo-cupação a atual disputa eleitoral. Para ele, a atual sensação de corrupção generalizada nos brasileiros pode abrir espaço para um populismo que já cerceou o debate político em países vizinhos. Na entrevista a seguir, ele diz por que a ameaça é real.

Como a corrupção escancarada impacta uma eleição?

Talvez o maior impacto seja o de gerar um cinismo generalizado por parte dos eleitores sobre a classe política. Como exemplo, para os brasileiros, a visão dominante é a de que todos os políticos atuais são corruptos — ou serão um dia. Por isso, mesmo que um representante da atual classe política tenha uma ficha limpa, ele não terá tanto apelo junto aos eleitores.

Qual perfil político acaba beneficiado nessa situação?

Essa situação abre as portas para candidatos antiestablishment, que não raramente são também populistas. Eles conseguem capitalizar a bandeira contra a corrupção de uma maneira que os políticos tradicionais não conseguem. Hugo Chávez fez isso na Venezuela em 1998. Posteriormente, Chávez e Maduro transformaram a democracia na Venezuela num sistema de compadrio ainda mais corrupto, colocando o país na ruína completa atual.

Na América Latina, o populismo está concentrado numa ideologia de esquerda?

Não necessariamente. Em termos gerais, a conjuntura de corrupção generalizada, acompanhada de economia em apuros, beneficia candidatos de oposição, sem orientação ideológica. Veja a história de Brasil e Peru nos anos 80. Os choques econômicos nesses países no período deram origem a candidatos populistas à direita com Fernando Collor, em 1989, no Brasil, e Alberto Fujimori, em 1990, no Peru.

Essa conjuntura está ligada à polarização política no Brasil?

O Brasil não era um país polarizado até 2014. Então, as revelações da Operação Lava-Jato, junto com a incompetência do governo de Dilma Rousseff, geraram nos setores conservadores da sociedade o senso de que o Partido dos Trabalhadores era um inimigo. Mas o impeachment de Dilma, em vez de apaziguar as coisas, gerou mais polarização, à medida que casos de corrupção na gestão Temer foram criando nos setores de esquerda a sensação de que a direita estava agindo oportunisticamente. Ambos os lados agora escolhem seus próprios “fatos” e interpretam a rea-lidade por suas lentes.

Há risco de um afastamento de políticos e eleitores no Brasil?

Sim, mas por uma resposta simples: os políticos atuais governaram mal, causando corrupção, crime e serviços públicos ruins num país com alta carga tributária e pouco crescimento.

A campanha na tevê ainda tem influência nas eleições?

Em campanhas para altos cargos executivos, como presidente, a televisão ainda segue sendo o principal meio de fazer política. No Brasil, onde os candidatos não podem comprar anúncios, a vantagem de quem tem tempo de TV é considerável. Ou seja, os partidos tradicionais. Será fascinante ver se o candidato Jair Bolsonaro conseguirá superar a desvantagem com tão pouco tempo.

Qual o impacto das redes sociais na política?

Em geral, elas acentuam a polarização na política. Além disso, trazem um mal que é a notícia falsa. Nos Estados Unidos, em 2016, sabemos que agentes russos pró-Donald Trump disseminaram notícias falsas. Mas não sabemos exatamente a importância da manipulação eleitoral na vitória de Trump. Ele bateu Hillary Clinton por 77.000 votos em três estados-chave do país. O impacto da manipulação pode ter sido bem maior do que isso.

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