Polícia gaúcha: uma “vaquinha” de empresários para aquisição de armas animou as tropas e ajudoua derrubar a criminalidade | Jefferson Bernardes/AFP Photo /
Leo Branco
Publicado em 27 de setembro de 2018 às 05h50.
Última atualização em 30 de setembro de 2018 às 08h12.
O então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso venceu a corrida à Presidência em 1994 com promessas num punhado de temas que dava para contar nos dedos: saúde, educação, alimentação, segurança e emprego. Na corrida de 2018, analisar o cipoal de intenções dos presidenciáveis demanda certo tempo até do leitor mais afiado. E o pior: boa parte das medidas resvala no terreno das ideias mirabolantes com pouca chance de sair do papel numa máquina pública que tradicionalmente incentiva pouco a inovação nas repartições. Ainda mais num cenário como o atual, em que a combinação de pressão fiscal crescente com o escrutínio feroz de órgãos de controle em busca de indícios de corrupção tem feito o Estado brasileiro andar a passos vagarosos.
A seguir, EXAME traz oito medidas para ajudar a consertar o Brasil na visão de 35 especialistas ouvidos pela reportagem, entre acadêmicos, gente da iniciativa privada e de governos. Em cada item há exemplos de políticas públicas bem-sucedidas na prática. Sem grandes esforços nem a necessidade de reinventar a roda, essas ideias poderiam ser copiadas ou adaptadas Brasil afora pelos eleitos em outubro caso estivessem sendo discutidas nas eleições — o que não está -ocorrendo. Mas a experiência do que já deu certo pode ser inspiradora não só para o debate público como também para os futuros governantes.
Alcançar o equilíbrio das contas públicas é, talvez, o maior e mais urgente desafio de quem ocupar o Palácio do Planalto em janeiro de 2019. O próximo governo terá de cortar gastos e aumentar a arrecadação de impostos para tapar o rombo. A experiência da prefeitura de Manaus pode ser um exemplo útil. A metrópole de 2,1 milhões de habitantes é a capital com a melhor gestão fiscal do país, segundo a Firjan, a federação das indústrias do Rio de Janeiro, uma fonte de dados sobre a administração pública no Brasil.
Desde 2014, a capital amazonense tem sido um laboratório de inovação na coleta de impostos. Por ali, softwares da prefeitura cruzam informações públicas de contribuintes. Exemplos: o volume transacionado em cartões de crédito no comércio indica o imposto sobre serviços (ISS) devido pelos estabelecimentos e mapeia quem recolhe menos do que deveria. Imagens de satélite com o tamanho dos imóveis ajudam no cálculo do imposto predial e territorial -(IPTU). Servidores saem às ruas, tablet em mãos, para atualizar mudanças em imóveis que levem a um imposto mais alto.
Os dados permitiram identificar que 15% de uma dívida de 295 milhões de reais de 630.000 contribuintes estavam com apenas 120 cadastrados. “O poder público priorizou a cobrança dos maiores devedores”, diz Michelle de Souza, diretora do Instituto Áquila, consultoria que assessorou a prefeitura no esforço fiscal. Além de arrecadar mais, o trabalho cortou despesas com a criação de um departamento para comprar insumos para as secretarias. Por mais simples que pareça, a medida economizou 200 milhões de reais em 2016 e 2017. No período, o orçamento da prefeitura caiu 4% por causa da redução na transferência de recursos estaduais e federais à cidade com o efeito da crise econômica. Mesmo assim, a prefeitura operou no azul.
Há no Brasil 760.000 cargos comissionados. Só na cúpula do Executivo federal são 22.500. É muito ante o padrão de países desenvolvidos, que raramente supera alguns milhares. Por aqui, sobra politicagem e falta critério técnico na hora de contratar pessoal para a gestão do Estado. Mas a situação está mudando aos poucos graças à pressão da opinião pública e de organizações sociais dedicadas a dar transparência aos serviços do governo.
É o caso das prefeituras de Niterói, no Rio de Janeiro, e de Santos, no litoral paulista, que recentemente contrataram a ONG Vetor Brasil, maior referência no país em recrutamento e seleção para a gestão pública. Em Niterói, dezenas de jovens recém-egressos das universidades estão sendo selecionados com critérios da Vetor Brasil, que incluem boas notas na graduação, para um programa de trainee de até 24 meses na prefeitura, com salário de 4.000 reais. Ao fim do período, que começará em 2019, os jovens deverão escrever uma monografia. Os que se saírem melhor terão chance de contratação. “Queremos ser um governo-escola”, diz Giovanna Victer, secretária de gestão da prefeitura de Niterói.
Em Santos, a ONG está apoiando a prefeitura na busca de bons profissionais para comandar 32 postos de saúde, além de cargos de chefia na pasta, num processo seletivo inspirado em modelo similar aplicado pelo governo do Chile, referência na área. “O objetivo é quebrar a ideia de que só apadrinhados políticos conseguem cargos de responsabilidade na máquina pública”, diz o prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Como parte do pacote de benefícios oferecido aos novos profissionais está um bônus de acordo com o desempenho em indicadores como satisfação no atendimento à população e redução de mazelas, como a mortalidade infantil. Apesar das amarras do Estado, dá para contratar com eficiência. Basta querer.
Tudo indica que uma reforma da previdência que acabe com privilégios do funcionalismo público demandará muito tempo e esforço do próximo governo para vencer as resistências no Congresso. Diante do impasse, alguns estados tomaram caminhos próprios. Um deles é a ampliação da alíquota de contribuição previdenciária suplementar de servidores, solução adotada por 11 estados, como Santa Catarina. Lá, a medida levantou cerca de 380 milhões de reais desde 2015 — o equivalente a 10% do rombo -anual do estado com aposentadorias. No Ceará, onde a previdência está no azul, o governo do petista Camilo Santana está planejando a expansão do serviço público sem causar déficit.
Com o apoio da consultoria em gestão pública Elo Group, em 2017 a Secretaria de Planejamento cearense cruzou dados do tempo de serviço até a aposentadoria dos funcionários públicos na ativa com variáveis como produtividade da mão de obra e crescimento da população previsto até 2028. Disso tudo, concluiu-se que seria possível atender ao crescimento da demanda por serviços públicos no estado com uma expansão de 10% no atual quadro de 79.000 servidores públicos até 2028, sem grandes riscos de rombos no orçamento caso as projeções de crescimento da economia se concretizem. Após o diagnóstico, áreas críticas tiveram reforços: em 2018, a Polícia Civil ganhou 3.000 funcionários para conter a escalada da violência local.
Boa parte dos interessados em abrir negócios em belo horizonte e em são paulo já consegue resolver a burocracia de alvarás e autorizações dos governos locais em até cinco dias. As duas cidades estão à frente do restante do país na promoção de um ambiente de negócios mais fácil para quem quer empreender. Embora o discurso de simplificar a vida de quem deseja gerar riqueza no Brasil esteja na boca da maioria dos presidenciáveis, os detalhes sobre como fazer isso até agora estão fora do debate nestas eleições. Uma boa maneira de multiplicar o exemplo das duas cidades seria expandir a RedeSim, um software criado pelo governo federal em 2007 para acabar com o vaivém de papelada em busca de carimbo em órgãos públicos.
Pela RedeSim, num mesmo sistema é possível abrir e fechar empresas, além de resolver perrengues comuns a muitos negócios, como obtenção de alvará do Corpo de Bombeiros, licenciamento ambiental e certificado da vigilância sanitária. Apesar de eficaz, a RedeSim está em apenas 66% dos municípios brasileiros. “Muito gestor público ainda desconhece a ferramenta, que é pouco falada até mesmo nas eleições”, diz Rodrigo Brandão, gerente de políticas públicas da Endeavor, ONG de apoio ao empreendedor. Que a excelência do serviço de Belo Horizonte e São Paulo, cidades beneficiárias da RedeSim, chegue logo ao país inteiro — inclusive na cabeça dos presidenciáveis.
O avanço dos custos médicos no brasil supera muito o índice geral da inflação. No ano passado, a inflação médica alcançou 17%; e a dos preços em geral, 3%. É uma escalada bem superior à que ocorre em países como os Estados Unidos, o Canadá e a França. Novos tratamentos e tecnologias têm elevado os custos de cuidados com a saúde mundo afora. Por aqui, o problema é mais agudo devido a verdadeiras jabuticabas no mercado de saúde suplementar. A começar pela contratação de um plano coletivo, usado por empresas, e hoje responsável por mais de 80% dos seguros vendidos no Brasil. Boa parte dos contratos passa pelas chamadas administradoras de planos de saúde (embora essa intermediação seja facultativa do ponto de vista legal). Em teoria, essas consultorias teriam a função de escolher o plano mais em conta em cada situação — é assim nos Estados Unidos, por exemplo.
Mas boa parte das administradoras, na prática, virou mera intermediadora entre clientes e fornecedores. Nos Estados Unidos, onde a legislação de planos de saúde é mais flexível do que no Brasil, a maioria das empresas contrata o seguro direto de uma operadora de saúde. “A intermediação das administradoras custa até 25% das mensalidades dos planos coletivos. Sem isso, os preços cairiam”, diz Helton Freitas, presidente da Seguros Unimed. Resolver o problema depende de uma desregulamentação do mercado de saúde suplementar. É uma agenda que, em meio às promessas dos candidatos de tornar a saúde mais acessível aos brasileiros, ainda segue distante do debate.
O brasil investe pouco no combate ao crime. O tema recebe 2,5% do orçamento de União, estados e municípios. É quase metade do -usual nos países da OCDE, o clube das nações ricas. Além de escasso, o recurso é mal usado: só 10% vão para armamento e inteligência. O restante é “comido” por salários e aposentadorias. O problema começa no fato de que a União não tem mecanismos para financiar e cobrar metas das forças de segurança locais. Um primeiro passo de avanço foi a sanção do Sistema Único de Segurança Pública em junho. A nova lei prevê um fundo federal para modernizar forças policiais nos moldes do que sustenta o Sistema Único de Saúde.
Mas falta dizer de onde virão os recursos do fundo. O projeto de uma nova loteria para o sistema segue no Congresso. Aqui e ali, prefeituras com dinheiro em caixa e a sociedade civil conseguem evoluções. Em Niterói, no Rio de Janeiro, a sobra de royalties de petróleo permitirá à prefeitura investir 300 milhões de reais até 2020 em ações que vão da abertura de escolas para jovens carentes à mercê do tráfico à compra de câmeras para avistar criminosos na ponte Rio-Niterói. O resultado: a violência caiu 30% no centro da cidade, então uma das regiões mais perigosas do estado.
Em Porto Alegre, um grupo de empresários formou em 2017 o Instituto Floresta, ONG para equipar a polícia local, sucateada num estado quebrado. Desde março, o grupo doou 14 milhões de reais para a compra de 46 veículos blindados, 110 fuzis, 1.400 pistolas e 500 coletes à prova de bala. A criminalidade continua inaceitável: Porto Alegre é a sétima capital mais violenta do Brasil. Apesar disso, em 2018, os assassinatos já caíram 20% em relação ao mesmo período de 2017. Sinal de que recurso bem investido em segurança traz resultado rápido.
Em 2005, os estudantes de 1a a 5a série de sobral, no ceará, receberam a média 4 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, avaliação do Ministério da Educação que dá notas de 0 a 10 às escolas brasileiras. No exame de 2017, a nota média na cidade cearense foi de 9,1 — a melhor do país e bem acima da média nacional de 5,5. Boa parte do que deu certo na educação de Sobral está em três pilares: ênfase na alfabetização de alunos até os 7 anos, bonificações a professores cujos alunos vão bem nas provas e uma verdadeira obsessão de mestres e diretores com a redução do abandono escolar. É comum ver na cidade patrulhas de educadores e do conselho tutelar em busca de crianças fora da sala de aula.
A receita, aplicada às demais cidades cearenses nos últimos dez anos, provocou resultados também notáveis. Desde 2005, a nota média do Ceará no Ideb triplicou: hoje está em 6,1. Agora, o mesmo grupo de professores responsáveis pela revolução educacional cearense trabalha no Educar para Valer, ONG dedicada a replicar o modelo em outros estados. “O objetivo é ajudar professores e docentes de redes públicas a seguir a mesma lógica adotada em Sobral para resolver problemas do ensino”, diz o educador José Clodoveu de Arruda, que foi prefeito de Sobral até o ano passado, quando fundou o Educar para Valer com recursos da Fundação Lemann, dedicada à melhoria do ensino no país.
Por ora, o projeto está em cinco cidades. A meta é chegar a 20 até 2019. Espaço para atuar não falta: os índices educacionais brasileiros seguem muito aquém do padrão de países ricos e, no caso do ensino médio, não há sinais de melhora. Com exceção do candidato Ciro Gomes, cuja base eleitoral é o Ceará, até agora o exemplo bem-sucedido do estado foi deixado de lado no debate eleitoral. É uma pena: nesse caso, copiar quem faz direito devia ser prioridade.
Metade dos brasileiros vive sem COLETA de esgoto. O pior de tudo é que falta empenho para resolver o problema. Em 2017, o Brasil investiu 13 bilhões de reais em saneamento básico, de acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria. É apenas 60% do volume de recursos necessários para atingir a meta do Plano Nacional de Saneamento Básico — uma política do governo federal lançada há cinco anos na tentativa de acelerar os investimentos no setor — de levar a coleta e o tratamento de esgoto a 100% das residências até 2033. No ritmo atual, a universalização do serviço só será possível em 2040.
Uma saída para acelerar o passo seria aumentar a participação de serviços da iniciativa privada, hoje responsável por 21% dos investimentos. Mas há resistência à entrada de dinheiro particular. Lançado em 2016, o programa do BNDES de privatização de companhias estaduais de água e esgoto não saiu do papel. Em algumas delas, como a Cedae, que fornece água e esgoto no Rio de Janeiro, a desestatização foi vetada por deputados estaduais em setembro. Uma forma de contornar a pressão contrária ao capital empresarial tem sido criar parcerias público-privadas focadas nos gargalos. “Nelas, os órgãos públicos mantêm o controle da operação, feita pelo parceiro privado sob metas de qualidade”, diz Bruno Pereira, sócio da Radar PPP, consultoria do setor.
O modelo deu resultados rápidos em cidades como Teresina. Em julho de 2017, a capital piauiense concedeu o serviço de expansão da rede de esgoto à Aegea, empresa de saneamento com capital da construtora brasileira Equipav, do Banco Mundial e do fundo soberano GIC, de Singapura. Em 14 meses, a coleta de esgoto passou de 19% para 25% dos domicílios. Em 30 anos, a meta é investir 1,7 bilhão de reais em 400 quilômetros de canos e estações de tratamento para resolver de vez o problema. Casos como o de Teresina podem ficar mais comuns se a chamada MP do Saneamento, publicada pelo governo de Michel Temer em julho com regras claras para as parcerias, for aprovada no Congresso. “Até agora, o texto tem passado batido no discurso dos presidenciáveis”, diz Fernando Marcado, da consultoria GO Associados, que acompanha o tema. Sinal de que os gargalos no saneamento ainda não têm data para acabar.