A confiança de que não tomaremos um caminho de ruptura, de muita heterodoxia e de algo semelhante ao observado na Argentina traz conforto (Anton Vierietin/Getty Images)
Colunista
Publicado em 20 de abril de 2023 às 06h00.
Anna Julia é bem cafona, mas O Vencedor é legal. Tem uma carga filosófica grande, principalmente para uma música pop. Gosto em especial daquela parte: “Eu que já não quero mais / Ser um vencedor / Levo a vida devagar / Pra não faltar amor / Olha você e diz que não / Vive a esconder o coração”.
Lembra o oxímoro do Osho, sabe? Only losers can win this game, ou “só os perdedores podem vencer esse jogo”. A ideia de perder algumas batalhas para ganhar a guerra não é propriamente nova, além de se estender para os mais variados campos.
Mark Spitznagel, sócio de Nassim Taleb na Empirica e, depois, na Universa, trouxe o instrumental para o ambiente dos investimentos. No livro The Dao of Capital, ele corrobora as técnicas de defender primeiro para ganhar depois, ou permitir-se pequenos prejuízos em prol de um lucro final maior. A frase inicial do livro resume a história: “Você precisa amar perder dinheiro”. Obviamente, é uma provocação. Mas há sentido na proposta. No contexto, se refere basicamente a três coisas:
1 - o investidor precisa saber esperar na defensiva até que uma boa oportunidade de ataque, com segurança, lhe seja oferecida;
2 - o investidor não pode resistir a realizar rapidamente seus prejuízos, sem que isso o machuque financeira ou psicologicamente; e
3 - o investidor, sempre que preciso e especialmente em situações de risco de cauda, deve comprar seguros contra catástrofe. Esses seguros são um custo num primeiro momento, para, eventualmente, se transformarem em elevado lucro futuro, caso se materialize a tal catástrofe.
O cenário atual parece requerer exatamente isso. Estamos em um fim de ciclo lá fora, com os indicadores mais recentes apontando para uma recessão. Finalmente, encontramos os primeiros elementos materiais de enfraquecimento do mercado de trabalho dos Estados Unidos. As vendas ao varejo caíram o dobro do esperado. Reforçando o quadro, ainda devem reverberar por muito tempo os efeitos da crise com bancos regionais americanos.
Os paralelos do problema atual de liquidez do sistema com a Grande Crise Financeira de 2008 são obviamente imprecisos — para dizer o mínimo. Mas, aqui, vale lembrar que a Bear Stearns quebrou em março de 2008, e o verdadeiro tsunami financeiro veio a acontecer somente em setembro daquele ano, com a falência da Lehman. Há um choque financeiro inicial, e os investidores se mantêm céticos sobre seu potencial cataclísmico.
A esta altura, parece improvável que a economia dos Estados Unidos seja capaz de evitar uma recessão. Isso deveria forçar uma alocação ainda defensiva de seus investimentos em nível global. Se a história pode servir de guia, os retornos da bolsa americana em épocas de retração da economia não são bons. Em oito das últimas dez recessões, o S&P 500, o principal índice de ações do país, teve quedas superiores a 20%.
O corolário prático pede a necessidade de adotar uma postura cética e conservadora agora. Retroceder para depois avançar. O padrão do passado prescreve o jargão “sell the last hike”. Nos momentos em que o Banco Central americano promove sua última elevação na taxa básica de juro, conforme o consenso de mercado antevê para a situação corrente, Wall Street costuma ter uma performance ruim nos meses imediatamente subsequentes. Haverá um momento para atacar, mas ele ainda não chegou.
A boa notícia é que a inflação, de fato, começa a ceder lá fora. E, assim, parecemos caminhar para um fim de ciclo. Quando ficar clara, mais à frente, a mudança de postura do Fed, na direção de um afrouxamento monetário para evitar a recessão, aí terá chegado a hora de agressivar os portfólios.
No Brasil, o canal de crédito continua entupido, a desaceleração da economia se mostra mais intensa do que o antecipado, e sobram incertezas sobre a política econômica, sobretudo na esfera fiscal. Para decisões de alocação de recursos, a questão do fluxo ainda pesa. As últimas semanas, no entanto, trouxeram notícias mais auspiciosas. O IPCA de março subiu 0,71%, abaixo das projeções, levando o acumulado em 12 meses a 4,65%, com a menor difusão desde novembro. Em adição, avançamos no desenho do novo arcabouço fiscal brasileiro. Pensando como um alocador de recursos ou como um trader, e não como um macroeconomista, o melhor resumo está na carta mensal da Verde Asset a seus cotistas: “O arcabouço veio pior do que o necessário, mas melhor do que o temido”.
Estávamos completamente sem âncora fiscal, com muita incerteza e sem visibilidade sobre o futuro, ouvindo uma retórica populista primária e recém-chegados de uma PEC da Transição perdulária. Agora temos uma direção e podemos fazer conta. A convergência da relação dívida sobre PIB acontece em uma velocidade inferior à desejada, mas, em termos práticos, acontece!
O risco de cauda saiu da distribuição de probabilidades. A confiança de que não tomaremos um caminho de ruptura, de muita heterodoxia e de algo semelhante ao observado na Argentina traz conforto. Sem expectativas ingênuas ou falsas esperanças. Ainda temos um déficit no Orçamento público em torno de 150 bilhões de reais por ano, o juro vai continuar alto, e a situação do crédito é bastante delicada.
Seja como for, depois de três longos anos, finalmente 2020 parece caminhar para o fim e, como sabemos, é sempre preferível um fim terrível a um terror sem fim. Estamos encerrando um ciclo, e um novo pode começar a partir da redução da taxa Selic e pivô do Banco Central dos Estados Unidos no final do ano. Uma combinação de queda das taxas de juro, aprovação do novo arcabouço fiscal e, na sequência, encaminhamento da reforma tributária (uma das prioridades do governo) pode ser catalisador importante para uma jornada positiva, de rali dos ativos de risco.
Para isso funcionar, contudo, o país precisa fazer sua lição de casa. Caso contrário, podemos terminar como Los Hermanos.