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Qualquer semelhança com a Lacoste não é mera coincidência

A Senna Brand quer perpetuar o legado de seu fundador e investe no mercado de luxo

Ayrton Senna:  imagem usada até hoje na campanha da TAG Heuer | Arquivos TAG Heuer Museum /

Ayrton Senna: imagem usada até hoje na campanha da TAG Heuer | Arquivos TAG Heuer Museum /

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Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2018 às 17h10.

Última atualização em 27 de setembro de 2018 às 16h47.

No início dos anos 90, quando o mundo dos negócios construía networking sem ajuda digital, receber um papel timbrado com um logotipo com duplo S em vermelho era um sinal de status: era com essa marca que Ayrton Senna começava a buscar parceiros para seus empreendimentos fora das pistas. Como piloto, ele já era o melhor do mundo, com a conquista do tricampeonato da Fórmula 1 em 1991. A empresa nascia como um desejo de Senna de transferir sua imagem de excelência como esportista para o mundo dos negócios.

O símbolo foi inspirado em uma curva do circuito de Interlagos, criada justamente por Senna quando a F-1 voltou a São Paulo. Para receber o GP Brasil em 1990, a pista de quase 8 quilômetros precisou ser reduzida para uma menor, de até 5 quilômetros, por segurança. Convocado para palpitar na adaptação, o piloto brasileiro teve a ideia de juntar a chamada Curva 1 com a Curva do Sol. Surgia, assim, o famoso S do Senna, até hoje um dos trechos favoritos dos pilotos em Interlagos, excelente para ultrapassagens — e também o logotipo da Senna Brand, empresa que gerencia atualmente o uso da marca do tricampeão.

Inspirada na letra inicial do sobrenome mais admirado do automobilismo mundial, a designer Renata Curcio criou o S estilizado, recentemente repaginado pela agência Futurebrand, que está até hoje em produtos que buscam passar os principais atributos de Senna, como paixão e determinação. Nessas quase três décadas, em parcerias com Ducati, TAG Heuer e Ray Ban, entre outras grifes, a marca Senna já gerou mais de 1,2 bilhão de dólares em valor de vendas — a empresa não divulga receitas nem percentuais de royalties.

Depois de um período em ritmo moderado, no entanto, a empresa tem acelerado em suas estratégias de negócios. No ano passado, a família do piloto contratou um profissional do mercado, Alejandro Pinedo, com passagem por Alpargatas, Nike e Red Bull, para dirigir a Senna Brand. “As decisões de negócios são tomadas com base em estudos, pesquisas e contratações de agência, da mesma forma como é feito com as melhores marcas internacionais”, diz Pinedo.

De fato, embora no Brasil Senna tenha status de herói nacional, o foco das parcerias é sempre global, o que explica a união com a TAG Heuer. O acordo entre Senna e a marca suíça foi firmado em abril de 1994 — dias antes, portanto, da morte trágica do piloto. De lá para cá, foram lançadas 12 coleções assinadas. Dois novos modelos da Senna Collection serão apresentados ainda em 2018, e a imagem do ídolo continua sendo usada nas campanhas.

No Salão Internacional do Automóvel de Genebra, em março, foi apresentado o carro esportivo McLaren Senna, parceria com a equipe com a qual o brasileiro conquistou seus três títulos mundiais (1988, 1990 e 1991). O McLaren Senna apresenta números impressionantes, dignos de um F-1 : aceleração de 0 a 100 km/h em 2s8, velocidade máxima de 340 km/h, 800 cavalos de potência, enfim, tudo o que você encontra num carro de corrida. O preço do McLaren Senna é de 750 000 libras no Reino Unido. Apenas 500 unidades serão fabricadas na Inglaterra e todas foram vendidas antes mesmo do anúncio oficial do lançamento. “Todos compraram sem ver o carro antes, pois sabiam que seria a primeira vez que o nome Senna estaria em um carro e que seus atributos o fariam o McLaren mais rápido da história”, afirma Bianca Senna, sobrinha do piloto, que, ao lado do tio Leonardo, responde pelo marketing da empresa.

“Temos um foco em lifestyle e estamos olhando para outras oportunidades, desde aviação, náutica e outros setores ligados a alta performance”, diz Bianca. Ela também enxerga possibilidades para a marca Senna na área de serviços e experiências. Outra aposta são prédios e parques temáticos, um caminho seguido pela Ferrari e pela Porsche. “Com certeza isso está em nosso radar. Essas grifes nasceram de um objeto de desejo, um carro de luxo. Nossa marca é mais fluida, nasce de uma pessoa e de seus valores e ideais.”

René Lacoste: poucos associam o tenista campeão dos anos 1920 à grife francesa | Topical Press Agency/Getty Images

Um trunfo da marca é a popularidade do nome do piloto, com 97% de reconhecimento no Brasil e mais de 80% em mercados na Europa e na Ásia, segundo um estudo encomendado da consultoria Boston Consulting Group, que ajudou a desenhar o plano de negócios da Senna Brand. Mas os gestores do legado do tricampeão sabem que essa associação não durará para sempre. É provável que as próximas gerações não saibam quem foi Ayrton Senna, até porque a Fórmula 1 vem perdendo público.   

McLaren Senna: os 500 carros produzidos foram vendidos antes do anúncio oficial | Divulgação

Por essa razão, a ideia é aproveitar os próximos anos para fortalecer ao máximo o nome Senna. Nesse sentido, a inspiração para a marca é a Lacoste. A maioria dos fiéis clientes da grife francesa não sabe que o crocodilo bordado no peito das camisas polo se deve ao apelido do campeão de tênis René Lacoste, que venceu sete Grand Slams nos anos 1920. A Lacoste chegou a flertar com o universo fashion, mas, de dois anos para cá, voltou a fortalecer sua associação com o meio esportivo e hoje patrocina o tenista sérvio Novak -Djokovic. Independentemente de seu posicionamento, e do sucesso de seu fundador, a Lacoste é um ícone de desejo.

Um dos primeiros negócios de Senna foi, ao lado do irmão Leonardo, trazer a Audi para o Brasil. Em uma época em que o mercado nacional começava a se abrir, o piloto posicionou a empresa alemã, no Brasil, no patamar de BMW e Mercedes. No primeiro ano de operação, a Audi previa vender 600 carros — e fechou com 1 470. Ações de marketing ousadas marcaram a época da Senna Import, como a apresentação do A80 Cabriolet em Congonhas em março de 1994, com Jô Soares desembarcando com o carro de um avião cargueiro para encontrar o piloto no palco, tudo isso ao som do “Tema da Vitória” — música que, provavelmente, nossos filhos não associarão mais às proezas do campeão. 
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