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Da Redação
Publicado em 25 de maio de 2011 às 19h29.
Inovação é, hoje, um dos mantras do mundo dos negócios. Um sem-número de livros de administração apontam-na como uma das características essenciais para o sucesso no século 21. O raciocínio é que, para se distinguir num mercado cada vez mais competitivo, as empresas têm de obter avanços na produtividade, em geral decorrentes de uma nova forma de fazer as coisas -- seja um modo mais eficiente de aproveitar os recursos, seja a entrada em um mercado diferente ou a aposta num produto extraordinário.
Trata-se de um dos principais paradoxos da gestão: para tornar-se estável e perene, uma organização deve constantemente promover a mudança. Pode ser uma grande guinada, como a que transformou a IBM de fabricante de computadores de grande porte em provedora de soluções de tecnologia da informação. Mas, na maioria das vezes são feitas pequenas mudanças, cujo somatório permite manter-se à frente dos concorrentes.
O que dizer, então, de 170 000 inovações implementadas em seis anos? Essa marca impressionante ajudou a Tupy Fundições a aumentar suas vendas cerca de 17% ao ano e foi um dos motivos que levaram a empresa catarinense a classificar-se em primeiro lugar no Ranking de Empreendedorismo Corporativo, criado pelo Instituto Brasileiro de Intra-Empreendedorismo (Ibie), publicado com exclusividade por EXAME.
A pesquisa se baseia no trabalho do consultor americano Gifford Pinchot. Ele cunhou em 1978 o termo "intra-empreendedorismo" (ou empreendedorismo interno), que se refere à capacidade dos funcionários de agir como donos do negócio. Nos últimos 25 anos, Pinchot tem prestado serviço a companhias que são modelos de inovação, como 3M, Apple e AT&T. Entre seus clientes estão metade das 100 maiores empresas dos Estados Unidos. "Sempre houve intra-empreendedores nas companhias", diz Pinchot. "Mas estar alerta para eles ajuda a influenciar a cultura que favorece sua atuação."
Foi essa cultura que a pesquisa do Ibie mediu, através de questionários respondidos pelos empregados, seminários feitos em cada uma das empresas finalistas e entrevistas com seus diretores. "Procuramos aferir a qualidade das empresas em três grandes temas, com um total de 23 itens", diz Alexandre Souza, diretor-geral do Ibie. "Primeiro, analisamos o comportamento da empresa, que vai da disseminação da estratégia a todos os funcionários até o tratamento dispensado às pequenas iniciativas."
O segundo tema são os processos de trabalho, que incluem a prática de formação de equipes, a atribuição de responsabilidades e o nível de conforto com as mudanças de processo. "Por fim, olhamos as recompensas à inovação", diz Souza, "incluindo a tolerância a erros e os critérios de avaliação das iniciativas."
Essa é, então, a receita do momento para o sucesso empresarial? Mais ou menos. A inovação, por si só, não garante o sucesso. A Nasa, agência espacial americana, enfrenta enormes dificuldades em seus projetos de viagens espaciais -- embora mais de 1 300 tecnologias desenvolvidas pela agência tenham encontrado seu caminho até o mercado.
O exemplo mais claro de descompasso entre criatividade e resultado financeiro é a Apple, uma das organizações mais inovadoras do planeta, que controla apenas 2% dos 180 bilhões de dólares do mercado de PCs. Esse é também o caso da Tupy. Apesar de sua receita ter dobrado nos últimos três anos, de 516 milhões para 1,1 bilhão de reais, seu lucro no ano passado foi de apenas 9 milhões. Em 2002, houve prejuízo de 53 milhões de reais.
"A Tupy é um atleta de ponta que enfrentava um processo de pneumonia dupla", diz seu presidente, Luiz Tarquínio de Souza Ferro, que assumiu o cargo no ano passado.
A pneumonia é uma dívida assumida na década de 80, quando o grupo apostou num processo de diversificação que não deu certo. A empresa cambaleou até ser comprada pelos principais credores, um pool de fundos de pensão, Bradesco e BNDESPar, em 1995. Antes da entrega do controle acionário, a direção da Tupy teve de demitir 4 500 pessoas, metade do quadro de funcionários.
"Mesmo navegando em mares turbulentos, a Tupy deu respostas", diz Tarquínio. "Ela é paradigma mundial em margem de lucro, com média de 15% a 16% nos últimos cinco anos." Boa parte des se resultado se deve à cultura de inovação da empresa. "Já desenvolvemos projetos em conjunto com a Ford do Reino Unido, a Audi da Alemanha, a GM dos Estados Unidos", diz Tarquínio.
Na Tupy, o principal fator de empreendedorismo é a cultura de orgulho pela qualidade, uma herança dos primeiros tempos da empresa. Mas é possível identificar, entre as dez empresas campeãs, origens bem diferentes para a cultura da inovação. Em algumas delas, foi um trauma que abriu o caminho para as mudanças. É o caso da construtora Odebrecht, terceira colocada no ranking. Seu fundador, Norberto Odebrecht, teve febre tifóide na década de 40 e ficou quase três meses de cama.
"Ele percebeu que a empresa não podia depender só dele", diz seu neto, Marcelo Odebrecht, atual presidente da companhia. "Foi então que iniciou um modelo que se baseia na confiança e na delegação." Graças a esse modelo, a empresa tem hoje mais de 100 "empresários parceiros". Quase todos ingressaram na construtora como trainees, e são responsáveis pela expansão da empresa pelo mundo. Do faturamento de 1,6 bilhão de dólares da Odebrecht, 81% vêm do exterior.
E para quem não é empresário parceiro? "Nas relações com os liderados, alinham-se as metas, a formação de sucessores e a filosofia da empresa", diz Marcelo. "A partir daí, eles têm autonomia total." Mais de 20% do resultado da empresa é distribuído de acordo com as metas de cada um.
Foi também um choque que levou a Bahia Sul Celulose a uma cultura de empreendedorismo. Em 1992, ano em que a empresa começou a funcionar, o mercado de papel estava em baixa e o investimento em máquinas deixara uma dívida de 1 bilhão de dólares. O superintendente da companhia, Murilo Passos, decidiu iniciar um programa de qualidade de gestão. "Nossa percepção foi de que sem o envolvimento dos funcionários não ia dar", diz Passos. O pessoal correspondeu.
O Programa Click, implantado em 2001, é uma amostra. Em três anos, foram aprovadas 239 idéias, com investimento de 80 000 reais e retorno de 1,7 milhão. A Bahia Sul tornou-se a empresa com maior margem de lucro do setor. O sucesso do modelo de gestão fez com que Passos assumisse também a direção da empresa-mãe, a Suzano Papel e Celulose, quando a família Feffer decidiu profissionalizar a gestão, no ano passado.
No caso da Multibrás da Amazônia, o choque foi a abertura de mercado promovida pelo governo Collor. Em 1993, a fábrica do grupo Brasmotor, que produz peças plásticas para a indústria, trabalhava com processos manuais. Só 15% de sua mão-de-obra tinha o ensino médio completo. Não dava para competir com chineses e coreanos. Seu presidente, Ulisses Tapajós Neto, alinhavou então um plano de dez anos para tornar a empresa um exemplo mundial de eficiência.
Uma das vertentes do plano incluía a capacitação do pessoal para operar com tecnologia mais avançada. Tapajós, o único amazonense entre os 450 presidentes de empresas do pólo industrial de Manaus, decidiu que não demitiria ninguém para contratar pessoal com mais estudo. O que ele fez foi montar salas de aula na fábrica, com apoio do governo do Estado. Desde então, a Multibrás ganhou a motivação dos funcionários.
Hoje, todos os 750 funcionários têm o ensino médio completo e 160 deles cursam ou já cursaram a universidade. "De uma empresa à beira de fechar, nos tornamos referência no mercado", diz Tapajós. O faturamento saltou de 2 milhões de dólares, em 1992, para 38 milhões em 2003. De quarta colocada no mercado local há dez anos, a Multibrás passou a líder, com mais de 50% do total de vendas.
A Unimed Vales do Taquari e Rio Pardo, vice-campeã no ranking, não chegou a sofrer um choque. Mas Jorge Robinson, presidente da cooperativa gaúcha em 1994, sentiu uma ameaça ao negócio. Com a inflação, metade da receita da empresa vinha do mercado financeiro -- já que as contas de hospitais e médicos costumam fechar, em média, 40 dias depois do pagamento das mensalidades dos conveniados. "Com o Plano Real, senti que teríamos de ser mais competentes", diz Robinson.
Na época, todo o conhecimento da gestão estava na cabeça de um único funcionário, o gerente Rodrigo Braga Lopes, contratado na formação da cooperativa, em 1974. "Até 2000, preparamos uma dúzia de pessoas para que cada uma dominasse o seu processo", afirma Robinson. A partir daí, a empresa evoluiu para uma cultura de empreendedorismo. Os 18 milhões de reais de faturamento se transformaram em 75 milhões no ano passado. "É uma das únicas Unimed que continuam crescendo hoje em dia", diz o atual presidente, Sérgio Bertoglio.
Algumas vezes, o ambiente de empreendedorismo nasce de uma visão de negócios do principal executivo. Quando Elcio Anibal de Lucca assumiu o comando da Serasa, em 1991, já tinha na cabeça o que considerava ser o modelo de gestão ideal para a empresa de análise e pesquisa de cadastros.
Criou o Organograma de Foco Matricial Bipolar, um nome esquisito que traduz sua vontade de que a empresa funcione com plena comunicação entre as diversas áreas (daí o foco matricial), sempre trabalhando em duas frentes, o presente e o futuro. Cada área da Serasa tem dois diretores, um que cuida dos processos atuais e outro preocupado com novos projetos. Essa estrutura estranha tem dado bons resultados.
Em 1991, a Serasa tinha 300 clientes. Hoje, tem 300 000. Mas, ao contrário de outras organizações que estimulam a inovação, a Serasa não dá prêmios. "Não avaliamos cada projeto porque isso é impossível", diz De Lucca. Já na Algar, um grupo que atua nos setores de alimentação, serviços, lazer e telecomunicações, a remuneração variável chega a 30% dos rendimentos dos funcionários -- que não são chamados de funcionários, mas de associados.
"Consideramos que a pessoa que é dona do negócio é mais capaz de fazer me lhorias", diz Luiz Alexandre Garcia, vice-presidente do conselho de administração. É uma empresa com apenas três níveis hierárquicos, e o orçamento é construído com base nas sugestões dos empregados. A empresa também funciona com taxa elevada de transparência interna. Os funcionários têm o direito de saber o salário de qualquer um, e a empresa, a obrigação de informar.
Na Credicard, a cultura de empreendedorismo já deu origem a duas outras empresas, a Redecard, que era uma divisão responsável pela venda de máquinas e rede de telefonia para comunicação dos cartões de crédito, e a Orbital, processadora de cartões. A Credicard, hoje, é responsável apenas pela parte nobre do negócio, o relacionamento com os clientes. "Aqui são os funcionários que escolhem os projetos a ser implantados", diz Roberto Lima, presidente da Credicard. "Mas tem de dar retorno, e tem de ter a ver com o negócio central da empresa."
Há, finalmente, situações em que o ambiente de inovação nasce da personalidade do empresário. É o caso da Amil, de Edson Godoy, cuja história pessoal serve de inspiração para os empregados. "Eu era um fracassado, repeti de ano quatro vezes, minha mãe era doméstica, e meu pai, motorista de caminhão. Aí descobri que queria ser médico", diz. Godoy exige que seus 10 000 funcionários façam planos de vida para cinco, dez e 15 anos.
"Você só contamina as pessoas pelo exemplo", afirma. "Quantos contamina? Não importa. Eu vou sempre subir no banquinho e falar." Outro caso de dono que incentiva o empreendedorismo é o da SAT, distribuidora de petróleo do Rio Grande do Norte. Marcelo Alecrim atribui à autonomia e ao jogo de cintura de seus funcionários o crescimento da empresa, cujo faturamento saltou de 71 milhões de reais, em 1997, para 830 milhões, no ano passado. "Fomos montando a empresa de acordo com a necessidade do cliente", diz. "E quem conhece a necessidade do cliente é o funcionário."