Centro de Dublin: cidade é polo de inovação (Bill Heinsohn/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 24 de maio de 2018 às 05h57.
Última atualização em 24 de maio de 2018 às 05h57.
Quase na fronteira com a Irlanda do Norte, a cidade de Monaghan, a 130 quilômetros da capital, Dublin, preserva as características típicas de uma vila do interior da Irlanda. No centro, há uma igreja gótica com uma alta torre de pedra que pode ser vista da estrada. As ruas são estreitas, e as casas, de até dois andares, têm fachada de pedra ou de tinta branca. A cidade é a maior da região, mas a população é de cerca de apenas 8.000 habitantes. Sua economia depende da criação de gado e ovelhas e de produtos agrícolas, como cogumelos — a maior parte da produção é exportada. Não fosse por outro fator, a cidadezinha não teria nada muito especial. Nos arredores, foi inaugurada em abril a maior instalação industrial da Irlanda: um galpão de 46.500 metros quadrados onde são fabricadas as máquinas empilhadeiras da empresa Combilift.
Fundada em 1998 por dois empreendedores locais, Martin McVicar e Robert Moffett, a empresa fez sucesso depois de desenvolver uma empilhadeira que se move em quatro sentidos (uma engrenagem muda o eixo das suas rodas, algo que nenhuma outra fabricante oferece). Hoje a companhia vende desde pequenas empilhadeiras, manuseadas por pessoas de pé, até grandes máquinas para levantar contêineres. O negócio passou aperto na crise de 2008, mas as vendas agora crescem em ritmo acelerado. Em 2017, a Combilift faturou 230 milhões de euros (970 milhões de reais) e o objetivo é dobrar o valor em cinco anos com a nova fábrica, onde trabalham 550 funcionários.
A empresa de Monaghan é a 13a maior fabricante de empilhadeiras do mundo (98% das vendas vão para o exterior) e concorre com gigantes como as japonesas Toyota e Mitsubishi e a sul-coreana Hyundai. Os bons resultados têm a ver com uma escolha: foco em inovação. A Combilift investe 7% do faturamento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e tecnologias (a Apple, por exemplo, investe 4%). “Temos mais de 200 concorrentes. É um mercado saturado. A alternativa para competir é oferecendo produtos únicos”, disse Martin McVicar a EXAME, numa conversa na cafeteria da nova fábrica.
A situação atual contrasta com o passado recente da Irlanda. Nos anos 80, o país era chamado de “o mais pobre do mundo rico”. A Irlanda fez parte do Reino Unido até 1922, mas, apesar da proximidade com o berço da Revolução Industrial, nunca teve uma indústria de fato. Até 1960, sua economia era agrária e dependia das exportações de carne e leite para o vizinho. O perfil começou a mudar só nos anos 60, quando o governo estabeleceu um plano para melhorar a educação depois de enfrentar uma grave crise econômica. O primeiro passo foi tornar gratuitas as escolas e universidades, que antes eram pagas. A estratégia ganhou força, com investimentos constantes para melhorar a qualidade do ensino. Até então, apenas 2% dos estudantes cursavam o ensino superior. Hoje são 50%.
Logo a economia começou a deslanchar. Em 1987, o centro financeiro de Dublin ganhou status de zona econômica especial, onde as empresas pagam um baixo imposto de 10% sobre os lucros. A política atraiu investimentos. Entre 1995 e 2000, a economia irlandesa cresceu, em média, 9,5% ao ano, e o país ganhou o apelido de “Tigre Celta”, em referência aos Tigres Asiáticos (Singapura, Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan). “Por causa dos investimentos em educação, nos anos 90, a Irlanda tinha um exército de pessoas bem capacitadas e o custo da mão de obra era baixo, se comparado ao restante da Europa. Isso levou a um forte crescimento econômico”, diz Philip O’Sullivan, economista-chefe do banco de investimento Investec, um dos maiores do país. Hoje, a Irlanda tem o segundo maior PIB per capita da União Europeia em paridade de poder de compra (69 900 dólares, sete vezes o do Brasil), ficando atrás somente de Luxemburgo. Desde 2011, a economia irlandesa é a que mais cresce na zona do euro. Em 2017, o avanço foi de 7,8%.
Com bons níveis de educação e de investimentos de multinacionais, a Irlanda tornou-se um dos mais importantes centros de tecnologia do mundo. Na capital, Dublin, de 1,1 milhão de habitantes, fica um dos maiores escritórios do Google fora dos Estados Unidos, onde trabalham 7 000 funcionários. Ao todo, as empresas estrangeiras empregam 210 000 pessoas — quase 10% da força de trabalho da Irlanda, de 2,3 milhões (o total de habitantes é de 4,7 milhões).
A presença das multinacionais é um incentivo para empreendedores locais — eles se tornam fornecedores dessas companhias. É aí que entra uma segunda agência, chamada Enterprise Ireland. Fundada em 1998, ela ajuda os empreendedores irlandeses a estruturar seus primeiros produtos, a encontrar clientes e a se capacitar em workshops. A agência investe até 250 000 euros por empresa. Para receber o apoio, os empresários precisam cumprir certos requisitos: o foco tem de ser obrigatoriamente a exportação e é preciso ter outros investidores. Além disso, os empreendedores devem mostrar um plano claro de como gerar pelo menos dez empregos e alcançar uma receita de 1 milhão de euros em quatro anos. Só no ano passado, a agência investiu 31 milhões de euros (133 milhões de reais) nas startups. Gente como Paul McElhone acaba se beneficiando. Ele é um dos sócios da startup Moocall, que desenvolveu um sensor para gado único no mundo. O sistema mede os movimentos do rabo dos animais e alerta o produtor quando uma vaca está prestes a parir. “Com o apoio da agência, conseguimos vender 35 000 sensores em 50 países”, diz. O Brasil é o próximo da lista. Hoje, 5 000 startups participam dos programas da Enterprise Ireland. Juntas, elas mantêm 200 000 empregos.
Outro trabalho importante da agência é financiar a pesquisa aplicada. As startups classificadas recebem uma espécie de “vale-ciência” — um auxílio de 5 000 euros para contratar um dos 14 centros de tecnologia irlandeses que fazem pesquisas para a indústria. Cada um desses centros tem uma especialidade, de tecnologias de processamento de laticínios à microeletrônica. Um deles é o Ceadar, que faz pesquisas em big -data, liderado por Edward McDonnell. O centro fica num prédio de escritórios vizinho à University College Dublin, uma das principais instituições do país, e faz a ponte entre a academia e as empresas. O Ceadar desenvolve ferramentas de análise de dados que são então aproveitadas pelas startups para incrementar seus produtos. “O bom disso é que até as menores empresas têm acesso às melhores mentes na universidade”, diz McDonnell. Fora da Europa, a Irlanda pode ser mais conhecida por suas tradições, pela música do U2, pela literatura de James Joyce e pela cerveja do que por suas empresas com tecnologia de ponta. Mas está firme no caminho para ampliar essa percepção.