Parque em Xangai, na China: em 200 anos, a extrema pobreza caiu de quase 90% da população mundial para menos de 10% | Qilai Shen/Getty Images /
Da Redação
Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05h22.
Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 09h10.
Desde a época do iluminismo, no final do século 18, a expectativa de vida em todo o mundo aumentou de 30 para 71 anos e, nos países mais afortunados, para 81. Quando o Iluminismo começou, um terço das crianças nascidas nas partes mais ricas do mundo morria antes do quinto aniversário; hoje, esse destino está reservado para 6% das crianças das regiões mais pobres. Suas mães também foram libertadas da tragédia: nos países mais ricos, 1% delas não sobrevivia ao parto, uma taxa que é o triplo da dos países mais pobres de hoje, que continua a cair. Nesses países pobres, as doenças infecciosas letais estão em declínio constante; algumas atacam apenas poucas dezenas de pessoas por ano e logo estarão extintas, como a varíola.
A pobreza talvez não exista para sempre. O mundo é cerca de 100 vezes mais rico hoje do que era há dois séculos, e a prosperidade está se distribuindo de modo mais uniforme por todos os países e povos do mundo. A proporção da humanidade que vive em extrema pobreza caiu de quase 90% para menos de 10% e, durante a vida da maioria dos leitores, pode aproximar-se de zero. A fome catastrófica, que nunca esteve muito longe em grande parte da história humana, desapareceu da maior parte do mundo, e a subnutrição e a atrofia do crescimento estão em constante declínio.
Há um século, os países mais ricos destinavam 1% de sua riqueza à assistência a crianças, pobres e idosos; atualmente gastam quase 25%. Hoje, a maioria de seus pobres está alimentada, vestida e abrigada, e tem luxos como smartphones e ar-condicionado, coisas que não costumavam estar ao alcance de todos. O mundo está dando uma chance à paz. A guerra entre países está em processo de obsolescência e as guerras internas estão ausentes de cinco sextos da Terra. A proporção de pessoas mortas anualmente em guerras é menos de um quarto do que era na década de 80, um sétimo do que era no início da década de 70, um dezoito avos do que era no início da década de 50 e 0,5% do que foi durante a Segunda Guerra Mundial. Os genocídios, antes comuns, tornaram-se raros. Na maioria dos países, os homicídios matam mais do que as guerras, e as taxas de homicídios também estão caindo.
As pessoas não só estão mais saudáveis, mais ricas e mais seguras, como também mais livres. Dois séculos atrás, apenas um punhado de países, onde vivia 1% da humanidade, era democrático; hoje, o são dois terços dos países do mundo, que abrangem dois terços da humanidade. Não muito tempo atrás, metade dos países do mundo tinha leis que discriminavam minorias raciais; hoje, mais países têm políticas que favorecem minorias do que políticas que as discriminam. Na virada do século 20, as mulheres só tinham o direito de voto em um único país; hoje podem votar em todos os países onde os homens votam, exceto em um deles. As leis que criminalizam a homossexualidade continuam a ser derrubadas, e as posturas em relação a minorias, mulheres e gays estão se tornando cada vez mais tolerantes, principalmente entre os jovens, um presságio do futuro mundial.
À medida que as pessoas ficam mais saudáveis, mais ricas, mais seguras e mais livres, também se tornam mais alfabetizadas, mais bem informadas e mais inteligentes. No início do século 19, 12% da população era capaz de ler e escrever; hoje são 83%. A escolarização, junto com a saúde e a riqueza, está literalmente nos fazendo mais inteligentes, com 30 pontos a mais de Q.I. Como estão mais bem instruídas, as sociedades se voltaram para os desafios globais mais urgentes. Emitiram menos poluentes, derrubaram menos florestas, derramaram menos petróleo, preservaram mais a natureza, extinguiram menos espécies, pouparam a camada de ozônio e atingiram o pico do consumo de petróleo, das terras agrícolas, de madeira, papel, carros, carvão e talvez até de carbono. Apesar de todas as suas diferenças, as nações chegaram a um acordo histórico sobre mudança climática, como fizeram em anos anteriores sobre testes e proliferação de armamentos nucleares. As armas nucleares, desde a Segunda Guerra Mundial, não foram utilizadas nos 72 anos em que existem.
Apesar de todas as manchetes sangrentas, de todas as crises, colapsos, escândalos, pestes, epidemias e ameaças existenciais, são realizações para ser saboreadas. O Iluminismo está funcionando: durante dois séculos e meio, a humanidade usou o conhecimento para aprimorar o progresso humano. Os cientistas descobriram o funcionamento da matéria, da vida e da mente. Os legisladores tornaram as pessoas melhores, desencorajando atos que são individualmente benéficos, mas nocivos em termos coletivos. Os diplomatas fizeram o mesmo com as nações. Os ativistas pressionaram os poderosos para derrubar medidas repressivas, e seus concidadãos, para mudar as normas repressivas. Todos esses esforços foram canalizados para instituições que nos permitiram contornar os defeitos da natureza humana e empoderar nossos bons anjos.
Por outro lado…
Setecentos milhões de pessoas em todo o mundo vivem em extrema pobreza. Nas regiões em que estão concentradas, a expectativa de vida é inferior a 60 anos, e quase um quarto delas está subnutrida. Quase 1 milhão de crianças morrem de pneumonia a cada ano, meio milhão de diarreia ou malária e centenas de milhares de sarampo e aids. Uma dezena de guerras assola o mundo, inclusive uma em que mais de 250 000 pessoas morreram e, em 2015, pelo menos 10 000 pessoas foram vítimas de genocídios. Mais de 2 bilhões de pessoas, quase um terço da humanidade, são oprimidas por Estados autocráticos. Quase um quinto das pessoas do mundo não tem educação básica; quase um sexto é analfabeta. Todos os anos, 5 milhões de pessoas morrem em acidentes e mais de 400 000 pessoas são assassinadas.
É evidente que os problemas que abrangem todo o planeta são enormes. Antes que o século 21 termine, terá de acomodar mais 2 bilhões de pessoas. Na década passada, 100 milhões de hectares de floresta tropical foram derrubados. Os peixes marinhos escassearam em quase 40% e milhares de espécies estão ameaçadas de extinção. O monóxido de carbono, o dióxido de enxofre, os óxidos de nitrogênio e a matéria em partículas continuam a ser lançados na atmosfera, junto com 38 bilhões de toneladas de CO2 por ano, que, se não forem controladas, ameaçam elevar as temperaturas globais de 2 a 4 graus centígrados. E o mundo tem mais de –10 000 armas nucleares distribuídas entre nove países.
Os fatos descritos nos últimos dois parágrafos são obviamente os mesmos dos primeiros; apenas relatei os números da extremidade ruim das escalas, em vez da boa. Minha intenção ao apresentar o estado do mundo dessas duas maneiras não é mostrar que o copo está meio vazio ou meio cheio. É para reiterar que o progresso não é utopia, e que há espaço para nos esforçarmos para mantê-lo. Se pudermos sustentar as tendências dos primeiros parágrafos usando o conhecimento para aprimorar nosso progresso, os números dos últimos dois parágrafos deverão diminuir. Se vão chegar a zero é um problema com o qual podemos nos preocupar quando estivermos mais perto. Mesmo que alguns consigam, certamente descobriremos mais danos para corrigir e novas formas de enriquecer a experiência humana. O Iluminismo é um processo contínuo de descoberta e melhoria.
Em que medida é razoável a esperança de progresso contínuo? A Revolução Científica e o Iluminismo deram início ao processo de utilização do conhecimento para melhorar a condição humana. Na época, os céticos podiam dizer: ‘Isso nunca vai funcionar’. Mas mais de dois séculos depois, podemos dizer que funcionou. Sem dúvida, as mudanças que ocorrem na escala de tempo do jornalismo sempre mostrarão altos e baixos. As soluções criam novos problemas, que demoram para ser resolvidos. Mas, quando nos afastamos desses incidentes e contratempos, vemos que os indicadores do progresso humano são cumulativos: nenhum é cíclico, com os ganhos cancelados pelas perdas.
Os avanços tecnológicos que impulsionaram esse progresso só devem ganhar velocidade. A genômica, a biologia sintética, a neurociência, a inteligência artificial, a ciência dos materiais, a ciência dos dados e a análise de políticas baseadas em evidências estão florescendo. Sabemos que as doenças infecciosas podem ser extintas, e muitas estão programadas para se tornar coisa do passado. As doenças crônicas e degenerativas são mais recalcitrantes, mas o progresso gradativo em muitas delas (como o câncer) tem se acelerado, e descobertas em outras (como o mal de Alzheimer) são prováveis.
O mesmo acontece com o progresso moral. A história nos diz que os costumes bárbaros não só podem ser reduzidos, mas abolidos, permanecendo no máximo em alguns rincões de ignorância. Nem mesmo o pessimista mais alarmado espera o retorno de coisas como sacrifício humano, canibalismo, eunucos, haréns, escravidão, duelos, guerras familiares, enfaixamento de pés, queima de hereges, afogamento de feiticeiras, torturas e execuções públicas, infanticídio, espetáculos de monstruosidades ou ridicularização dos insanos. Embora não possamos prever quais barbarismos de hoje terão o mesmo destino, estão a caminho disso a pena capital, a criminalização da homossexualidade e a educação restrita a homens. Com algumas décadas, quem garante que não possam ser seguidas pela mutilação genital feminina, o crime de honra, o trabalho infantil, o casamento infantil, o totalitarismo, as armas nucleares e a guerra entre países?
Outras pragas são mais difíceis de extirpar porque dependem do comportamento de bilhões de indivíduos com todas as suas máculas humanas, e não de políticas adotadas por países inteiros em uma tacada. Mas, mesmo que não sejam varridas da face da Terra, podem ser reduzidas ainda mais, como a violência contra mulheres e crianças, os crimes de ódio, a guerra civil e o homicídio.
Posso apresentar essa visão otimista sem enrubescer, porque não é um devaneio ingênuo ou uma aspiração exagerada. É a visão do futuro mais fundamentada na realidade histórica, aquela que tem os fatos frios e consolidados ao seu lado. Depende apenas da possibilidade de que o que já aconteceu continuará a acontecer. Como o historiador britânico Thomas Macaulay refletiu em 1830: ‘Não podemos absolutamente provar que está errado quem nos diz que a sociedade chegou a um ponto de inflexão, que já vimos nossos melhores dias. Mas assim disseram todos antes de nós, e com a mesma razão aparente. Porém, com base em que princípio, quando não vemos nada senão melhorias atrás de nós, devemos esperar somente deterioração adiante?’”