Revista Exame

O preço da guerra

Com donos que não se entendem, a Santos Brasil perdeu a liderança do mercado de contêineres. Em 2015, a empresa voltará a investir — mas a vida fácil ficou para trás

Terminal da Santos Brasil: a concorrência também tem superguindastes (Germano Lüders / EXAME)

Terminal da Santos Brasil: a concorrência também tem superguindastes (Germano Lüders / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2015 às 12h39.

São Paulo - Os controladores da operadora de contêineres Santos Brasil, Daniel Dantas e Richard Klien, são empresários com mentalidade bem diferente. Dantas, dono do banco Opportunity, investiu no setor de olho nos ganhos financeiros. Klien é filho e neto de empresários de logística e há 30 anos controla a tradicional operadora carioca Multiterminais.

Em 1997, depois de ler nos jornais que Dantas estava interessado na privatização dos portos, Klien, que não o conhecia, propôs a ele uma sociedade na compra de Tecon-1, o terminal de contêineres na margem esquerda do porto de Santos. Em consórcio com fundos de pensão e o banco Citibank, arremataram a área por 250 milhões de dólares e criaram a Santos Brasil.

Durante mais de uma década, a sociedade foi um sucesso. A empresa se tornou a maior operadora de contêineres da América do Sul e nunca deu prejuízo. No começo de 2010, o caldo entornou. Klien queria comprar a parte de Dantas e integrar a Santos Brasil com a Multiterminais. Como Dantas não topou, os sócios entraram em guerra.

De lá para cá, passaram a se dedicar quase que exclusivamente a disputas em tribunais de arbitragem. Faltou tempo para pensar no crescimento da empresa. O resultado apareceu no fim de 2014: pela primeira vez em sua história, a Santos Brasil perdeu a liderança do mercado brasileiro de contêineres. 

A crise entre os acionistas não poderia ter surgido em hora pior. Veio junto com a maior transformação — para melhor — do porto de Santos nos últimos 20 anos, causada pela aprovação, em 2013, da Lei no 12.815. Chamada de Lei dos Portos, ela aumentou a competição no setor ao flexibilizá-lo.

Terminais privados que só podiam movimentar cargas próprias foram liberados para oferecer serviços a terceiros. Antes disso, a Santos Brasil tinha uma espécie de reserva de mercado: metade da capacidade do maior porto do país estava em suas mãos e a concorrência estava dividida entre terminais menores e menos competitivos.

Em 2012, a Santos Brasil movimentou mais da metade do volume do porto e teve lucro recorde de 270 milhões de reais. Mas, com a aprovação da lei, dois concorrentes entraram em operação. O maior, o Brasil Terminal Portuário (BTP), é controlado por empresas coligadas a dois dos maiores grupos de navegação do mundo, a italiana MSC e a dinamarquesa Maersk.

O segundo, a Embraport, pertence ao grupo Odebrecht e à operadora Dubai Ports World. Com os novos terminais, a capacidade do porto de Santos cresceu 50%. E, de uma hora para a outra, a Santos Brasil começou a perder clientes importantes, como a MSC e a Maersk, responsáveis, juntas, por cerca de 35% dos contêineres do porto, que migraram para o BTP.

Guindastes gigantes

O aumento da competição atingiu em cheio os resultados da Santos Brasil. Antes da nova lei, ela era a única que operava em Santos seis guindastes que descarregavam navios gigantes, de mais de 330 metros de comprimento. Isso mudou. O BTP tem oito desses superguindastes, e a Embraport, seis.

No segundo semestre de 2014, o BTP e a Embraport passaram a operar plenamente, recebendo os navios maiores, e a Santos Brasil perdeu a liderança na movimentação de contêineres entre setembro e outubro, algo que não acontecia desde 2002. Em 2014, seu lucro caiu 64%.

Desde a aprovação da nova lei, as ações da companhia caíram 60%. A coisa só não foi pior porque a Santos Brasil tem, até 2019, um contrato de exclusividade com a empresa de navegação alemã Hamburg Süd, uma das únicas grandes companhias de navegação que ainda priorizam seu terminal.

A nova lei dos portos seria um problema para a Santos Brasil em qualquer circunstância. Mas, com dois sócios em pé de guerra, a empresa parou de investir para ganhar terreno. Em 2010, um relatório do Bank of America Merrill Lynch detectava a preocupação dos investidores com os efeitos negativos da disputa societária.

Foi exatamente o que aconteceu. De 1997 a 2010, sua capacidade cresceu cinco vezes. Desde então está estagnada. A disputa também fez com que a empresa deixasse de fechar pelo menos um grande negócio. Klien analisou, por exemplo, a compra do terminal Tecondi, na margem direita, com capacidade para 524 000 contêineres por ano. Sem o aval de Dantas, ele queria fazer a compra pela Multiterminais.

Mas o terminal acabou adquirido, em maio de 2012, pelo Ecoporto, da concessionária de estradas Ecorodovias, por 1,3 bilhão de reais. Com sócios mais afinados, a Santos Brasil teria oportunidade, inclusive, de crescer no espaço que seria ocupado mais tarde pela Embraport. “Enquanto eles brigavam, os concorrentes aproveitaram”, diz um executivo do setor de logística.

A briga entre os sócios começou quando Klien decidiu exercer uma opção de compra e venda prevista em contrato em caso de visões diferentes de negócio, em 2010. Klien queria adquirir uma participação da fatia do Opportunity na sociedade e investir na expansão da operação. Dantas estava satisfeito com os lucros anuais e não aceitou a oferta feita pelo sócio.

Foi o início de uma longa briga na Justiça. Klien pediu a abertura de um processo de arbitragem para fazer valer a opção de compra, mas, dois anos depois, o tribunal de arbitragem considerou improcedente a validade da oferta. O Opportunity alegou que a opção de compra não poderia ser exercida porque o contrato de arrendamento do terminal de Santos proíbe que um mesmo acionista detenha mais de 40% do capital votante da empresa — Klien tem pouco mais de 26% do capital da companhia.

Procurados por EXAME, nem Klien nem Dantas quiseram dar entrevistas. “Fizemos o que precisava ser feito e, desde 2011, nos preparamos para enfrentar a nova competição, alongando prazos de contratos, melhorando a produtividade e oferecendo serviços completos de logística”, diz Antonio Carlos Sepúlveda, presidente da Santos Brasil.

Pressionados pela queda nos resultados, Dantas e Klien chegaram a um acordo em abril de 2014. Concordaram em migrar a empresa para o Novo Mercado e definiram um plano de investimento de 1,2 bilhão de reais entre 2015 e 2018 na ampliação da área de cais, que suportará, em vez de três, quatro navios de grande porte.

É o lance mais agressivo da Santos Brasil desde 2010. Mas, na visão de analistas, é quase impossível que a empresa volte no curto prazo aos lucros que conseguiu até 2013. O aumento da competição derrubou as tarifas portuárias em 10% e a concorrência vai aumentar. A guerra de acionistas acabou — e os tempos de vida fácil também.

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