Márcio Mello, da HRT: o petróleo amazônico ainda não apareceu (Edu Monteiro/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 23 de abril de 2012 às 06h00.
São Paulo - Uma ideia na cabeça, uma lata de Coca-Cola na mão — foi desse jeito que, um ano e meio atrás, o geoquímico mineiro Marcio Mello convenceu gente do mundo inteiro a investir 2,6 bilhões de reais em sua empresa de exploração de petróleo, a HRT.
Sua ideia: enquanto a concorrência se acotovelava para disputar a exploração do pré-sal na costa brasileira, havia espaço para enriquecer achando petróleo em dois lugares bem diferentes — a inóspita Amazônia e a distante Namíbia, no sudoeste africano.
Para tentar provar que a ideia era viável, Mello, que fez carreira na Petrobras antes de se tornar empreendedor, lançava mão da latinha de refrigerante. Nas reuniões com investidores, ele subia na mesa mais próxima e, teatral, abria sua Coca-Cola. Segundo ele, aquela era a metáfora perfeita para mostrar o potencial daquilo que apelidou de “pré-sal amazônico”.
O gás que deixa a lata, dizia, é um indício do líquido que está logo abaixo. Na bacia do rio Solimões, onde a HRT tinha o direito de explorar uma área de 49 000 quilômetros quadrados, seria parecido.
Bastava perfurar, deixar o gás sair e ganhar bilhões com o petróleo escondido sob a floresta. Pena, para ele e quem acreditou na metáfora da Coca-Cola, que, dois anos depois, sua latinha tenha expelido gás, e mais nada.
O contraste entre o que Mello prometeu nas reuniões com investidores e a atual situação da HRT é de impressionar. Ele garantiu que, até junho de 2011, faria jorrar 10 000 barris de petróleo por dia da bacia do Solimões. O “pré-sal amazônico” teria, segundo suas estimativas, reservas de 2,6 bilhões de barris — volume que ajudaria a transformar a HRT numa das maiores empresas de óleo e gás do mundo.
Para chegar lá, perfuraria 12 poços na região e teria oito sondas em funcionamento em dezembro de 2011. Na África, a promessa era explorar uma reserva de 7 bilhões de barris de petróleo — equivalente ao campo de Tupi, o maior da bacia de Santos — na Namíbia. Nada disso aconteceu.
A HRT perfurou apenas quatro poços na Amazônia e encontrou petróleo em somente um deles — mas em profundidade tal que a exploração se mostrou economicamente inviável. No resto, só achou gás. “Essa região já havia sido explorada pela Petrobras, que não julgou a extração viável”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
No mundo da exploração de petróleo, atrasos não são exatamente uma novidade. Eike Batista, fundador da OGX, que o diga. Em 2008, ele levantou 6,7 bilhões de reais com a abertura de capital da empresa — e a primeira gota de petróleo da OGX só foi extraída em janeiro, três anos depois do prometido inicialmente.
O problema é que Mello, diferentemente do homem mais rico do Brasil, não podia se dar ao luxo de esperar. Depois de acumular quase 450 milhões de reais de prejuízo nos últimos dois anos, a HRT exauriu a paciência dos investidores. As ações da empresa, que ainda fatura 10 milhões de reais por ano, desvalorizaram 68% nos últimos 12 meses. E esse é apenas um dos problemas que Mello tem de enfrentar.
Novos sócios
Internamente, o empresário também não vem tendo vida fácil. Em maio do ano passado, Mello exerceu a opção de comprar os 45% dos blocos da bacia do Solimões que estavam nas mãos da Petra Energia. Após cinco meses de impasse sobre os valores, revendeu a participação aos russos da petroleira TNK-BP por 1 bilhão de dólares.
Tão logo o contrato foi assinado, um grupo de 15 executivos russos instalou-se no 14º andar do prédio da HRT, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Como se diz no popular, eles chegaram chegando. Como primeira medida, exigiram o afastamento de Mello do comando da subsidiária (ele acumulava a presidência e a diretoria de relações com investidores).
Desde fevereiro, o empresário responde apenas pela presidência da holding HRT e de seu conselho de administração. No mesmo mês, os russos demitiram 90 funcionários da HRT no Brasil para reduzir sua estrutura de custos.
Descontentes com os novos rumos da empresa, outros 30 profissionais pediram demissão — entre eles o ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo Nelson Narciso Filho, que comandava as operações na Namíbia. Como o setor de óleo e gás está contratando como nunca, os ex-funcionários da HRT acabaram empregados por concorrentes como Shell, OGX, Petra e Barra Energia.
Com a virada na maré, Marcio Mello está sendo obrigado a rever alguns pontos de seu estilo de gestão. Quando a empresa começou a perfurar o solo amazônico, as quatro sondas utilizadas eram alugadas, como é de praxe no setor. Entretanto, ele logo decidiu que seria necessário comprar suas próprias sondas para continuar a exploração e encomendou outras quatro na China por 50 milhões de dólares.
Como os planos não saíram conforme o esperado, os equipamentos ficaram prontos, mas continuam parados na fábrica sem data para vir para o Brasil. Agora, a HRT estuda um jeito de revender as sondas por lá mesmo, provavelmente com prejuízo. A decisão mais controversa, contudo, foi investir 300 milhões de reais na criação de uma companhia aérea.
A maior parte das empresas de petróleo contrata esse tipo de serviço, mas Mello preferiu não depender de fornecedores. A Air Amazônia, como foi batizada, possui quatro aviões e 14 helicópteros para transportar funcionários, alimentos e equipamentos para a bacia do Solimões, onde não é possível chegar por terra.
São necessárias 550 viagens para levar uma sonda de 1 600 toneladas até o poço e mais 600 para transportar os equipamentos que vão dar suporte a ela. É um autêntico pesadelo logístico. Mello percebeu que não seria uma tarefa trivial gerir aeronaves e tripulação próprias e agora está atrás de um sócio que queira tocar esse negócio.
Para alguém que decidiu extrair petróleo no meio da selva amazônica e na longínqua Namíbia, essa série de infortúnios não há de ser o fim do mundo. Mello continua com o mesmo discurso otimista dos tempos em que abria latas de Coca-Cola sobre as mesas de investidores — ele brinca que esse otimismo é um requisito obrigatório para exploradores.
Garante já ter um plano para tornar rentáveis as descobertas de gás na bacia do Solimões: com a ajuda dos russos, os técnicos da HRT estudam formas de usar o gás para produção de energia elétrica, fertilizantes ou mesmo botijões (como ele vai trazer esse gás todo de lá ainda é um mistério).
Com a previsão de investir 1,7 bilhão de reais nos próximos dois anos, Mello não tem dúvida de que a HRT estará entre as maiores companhias privadas de óleo e gás do mundo, com uma produção de 700 000 barris de petróleo por dia em 2017. “Temos as duas melhores áreas do hemisfério sul”, diz ele. “Não há nenhuma possibilidade de dar errado.”