Rodrigo Maia, presidente da Câmara: a popularidade do Parlamento está maior do que a de antigas legislaturas (Cristiano Mariz/Exame)
André Jankavski
Publicado em 30 de janeiro de 2020 às 05h46.
Última atualização em 30 de janeiro de 2020 às 12h05.
Ao fim de 2020, o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) completará quatro anos e meio à frente da Câmara. Ele se tornará o presidente da Casa mais longevo desde a redemocratização. Até lá, Maia quer se afirmar como o parlamentar que liderou reformas no Congresso. Após a aprovação da Previdência em 2019, ele calcula que as reformas tributária e administrativa, além da extensão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), podem ser aprovadas neste ano. Para ele, o foco do Legislativo precisa estar em projetos que ajudem a modernizar o Estado.
Dessa forma, segundo Maia, o Congresso mostrará à sociedade que está conectado a seus anseios. E, quem sabe, poderá iniciar um debate sobre um eventual regime parlamentarista. Essa discussão, no entanto, ele admite que não será das mais simples. Em entrevista a EXAME em sua residência oficial, em Brasília, Maia diz crer que um nome de centro possa voltar a ter protagonismo até 2022. “Mas precisa ser um centro que tenha clareza do que pensa.” A seguir, outros trechos da conversa.
O Congresso foi protagonista em 2019. É possível manter essa agenda em 2020, ainda mais com eleições?
Acredito que sim. O Congresso tem compreendido seu papel na democracia e sua importância para o futuro do país. A pauta de 2019 mostrou isso. A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional do Orçamento Impositivo foi uma demonstração de que o Parlamento quer governar junto. E isso não significa cumprir o papel do Executivo, mas recuperar as prerrogativas que o Parlamento cedeu a governos de coalizão e recuperar a importância de leis que visem modernizar o Estado para reduzir as desigualdades que esse modelo gerou. Quer dizer, os interesses da sociedade foram sendo atendidos, mas sempre priorizando as elites. Aí vemos um Estado, que deveria ser um instrumento de redução de desigualdades, não fazendo nada disso.
É possível começar isso em 2020? Quais projetos são prioritários?
Há uma pauta extensa de projetos em várias áreas. O Fundeb, a reforma administrativa e a reforma tributária são exemplos. A prioridade virá com a maturação do projeto. O governo do ex-presidente Michel Temer, por exemplo, enviou duas medidas provisórias para resolver o problema do saneamento, algo que nunca concordamos na Câmara. Um instrumento para regular investimentos de longo prazo nunca poderia ter sido feito por medida provisória. Mas isso nos deu espaço para o debate e ajudou a aprovar um bom projeto. Por isso, o Fundeb e a reforma tributária estão na frente da reforma administrativa.
As eleições de 2020 podem gerar atrasos na aprovação dos projetos?
Não creio que as eleições vão atrapalhar. É claro que nos 45 dias do processo eleitoral sempre há redução de votações, mas não sou daqueles que pensam que eleição é motivo para desaceleração do processo legislativo. Este Parlamento quer votar para modernizar o Estado.
Há a expectativa de aprovação de diversas reformas em 2020. É possível dar celeridade aos projetos?
Penso que sim. E temos de cobrar de toda a sociedade apoio aos projetos que o Congresso precisa votar. Por exemplo, a reforma administrativa vai atingir mais a elite do setor público do que a base, assim como a reforma da Previdência atingiu mais o topo da sociedade. O mesmo acontece na reforma tributária. Não é correto que manobremos a reforma tributária para ajudar setores. É óbvio que cada um defende seus interesses e cabe ao Parlamento arbitrar isso. Não é justo continuar arcando com subsídios para o setor privado, muitas vezes duvidosos, e enfrentar apenas os interesses dos servidores públicos.
Críticos temem que o Brasil deixe de prover serviços básicos e usam o Chile como exemplo. Qual é sua opinião?
O Estado chileno foi construído em uma ditadura. Depois voltou à sua normalidade sem um novo marco constitucional. Ou seja, houve uma ruptura no passado e o retorno à democracia não foi baseado em novas premissas. Muitos, no entanto, usam o argumento dos protestos no Chile para manter os privilégios no Brasil. Mas temos de pensar no seguinte: qual é o papel do Estado em um país pobre? Temos de investir em infraestrutura, por exemplo, mas não há dinheiro. Então, precisamos organizar marcos regulatórios para que possamos ter recursos privados.
Como está a relação do Legislativo com o Executivo após momentos de pouca sintonia em 2019?
O governo tem um formato próprio. Se, por um lado, fala-se que ele não tem base, por outro, fortalece o trabalho do Parlamento. O presidente Jair Bolsonaro foi eleito com esse discurso e formatou o governo do jeito que prometeu. O que precisamos ter é uma convergência na pauta dos dois Poderes. E o governo, muitas vezes, precisará respeitar o Parlamento. O Fundeb é um exemplo: o ministro da Educação, Abraham Weintraub, enrolou e diz que quer apresentar uma proposta. Agora é tarde. Que encaminhe as propostas informalmente à relatora do projeto na Câmara, a deputada Dorinha Rezende (DEM-TO). No caso da reforma tributária, o projeto está caminhando. O governo colocou a Vanessa Canado [tributarista do Ministério da Economia] como secretária executiva do grupo de trabalho, que tem uma relação de confiança com o Parlamento. Então, temos um caminho para avançar. A relação entre os dois Poderes está clara.
A questão ideológica atrapalhou muito o primeiro ano do governo?
É difícil mensurar. Mas não podemos reclamar: o presidente foi eleito com essa pauta. É ele quem precisa fazer o pente-fino para saber até que ponto a pauta ideológica cumpre um papel ou atrapalha o governo — tanto no Brasil quanto no exterior. Em minha opinião, a questão do meio ambiente causou mais dano na decisão de investimentos privados do que o governo avalia.
E o governo tem acenado com alguma melhora nesse sentido?
Em Davos, o ministro Paulo Guedes tentou construir um caminho para limitar o dano. Felizmente, nós temos a Floresta Amazônica, que é um elemento que pode gerar muita riqueza para o Brasil — ou muita pobreza. Se o discurso for igual ao do ano passado, nada vai acontecer. Estamos realizando diversas reformas e o crescimento nunca vem. Por quê? Precisamos de poupança externa e, se afugentarmos de 30% a 40% do capital, que tem o meio ambiente como uma pré-condição para investimento, nada funcionará. Sem o aumento de poupança externa não conseguiremos crescer mais do que a patamares medianos. As reformas sozinhas não são suficientes, e não deixam de ser uma obrigação.
A polarização não arrefeceu. Quanto isso vem afetando o Congresso?
A polarização existe há muitos anos e continuará existindo. Em determinados momentos, a sociedade procura os extremos, mas também cansa e busca um terceiro caminho. Porém, essa terceira via precisa de ideias e posições.
A população brasileira quer o centro?
Acredito que a população vai querer o centro, mas um centro que tenha clareza do que pensa. Não estamos na política do quente ou do frio. Mas quem quiser atrair 40% do eleitorado, que creio estar disposto a buscar uma terceira via, precisará mostrar o que pensa e como atingirá os objetivos da sociedade.
Seu mandato acaba neste ano. Qual será o próximo passo do senhor?
Eu ficaria feliz se o Brasil fosse um sistema parlamentarista. Porém, para que isso aconteça, o Parlamento precisa compreender que a melhora da imagem é decisiva. Não dá para tentar mudar um sistema simplesmente do nada. Acredito que a imagem do Parlamento esteja até melhor do que em outros tempos. Atualmente, estamos em um patamar de 15% a 20% de aprovação. Mas, para um debate para o parlamentarismo avançar, como um modelo que seja mais equilibrado, precisaríamos ir para uns 30%. O Parlamento precisa ser mais protagonista de agendas que estejam conectadas com a sociedade. Acredito que essa discussão possa ocorrer daqui a duas eleições.
O presidencialismo chegou ao limite?
Não vou dizer isso. Mas todas as grandes economias utilizam o sistema parlamentarista atualmente. Mesmo nos Estados Unidos o Parlamento é fortíssimo. Ele é que comanda o orçamento em uma comissão mista do Congresso. Isso fortalece a democracia, no meu ponto de vista. Os sistemas democráticos vivem suas transformações, mas acredito que em um país como o nosso funcionaria um sistema híbrido, com o Legislativo governando mais próximo do Executivo. Esse sistema gera um equilíbrio maior.