Revista Exame

Resenhas de livros no TikTok mudam relação entre fãs e editoras

Os "booktokers" influenciam as estratégias das marcas, o trabalho dos críticos e os temas dos best-sellers

O booktoker Tiago Valente: requisitado por editoras e varejistas para divulgar novos livros (Leandro Fonseca/Exame)

O booktoker Tiago Valente: requisitado por editoras e varejistas para divulgar novos livros (Leandro Fonseca/Exame)

As listas de livros mais vendidos deste ano possuem um fator em comum diferente de períodos anteriores: os destaques não são mais obras escritas por autores famosos ou estabelecidos há muito tempo, ou títulos que possuem relação com filmes e programas de TV que estão na moda.

Agora os best-sellers nascem no TikTok. À primeira vista, pode parecer mais uma das ondas incitadas pela rede social jovem de vídeos curtos, que por sinal já impulsiona com força indústrias como a da música. No caso dos livros, o mercado editorial está na fase de entender como é possível aproveitar a aparente legião de leitores que nascem no app.

Trata-se, no entanto, de um ecossistema criativo que tem até seus próprios termos. Um exemplo: livros no TikTok são matéria-prima para produtores de conteú­do conhecidos como booktokers, que são aqueles que compartilham resenhas de suas publicações favoritas, priorizam obras com personagens e culturas diversas e não aceitam que livros de autores pouco progressistas continuem nas listas dos mais vendidos.

É o caso de produtores como Tiago Valente, paulistano de 24 anos que já acumula quase 400.000 seguidores no aplicativo e tem azeitado a estratégia de lançamento de novos livros de editoras como Galera Record e varejistas como o Submarino.­ Para dar conta de produzir no ritmo frenético requisitado pelo faminto algoritmo da rede social, Valente costuma ler quatro livros simultaneamente, todos listados como possíveis sucessos, e comentá-los em 30 segundos, num processo de roteirização e edição feito por ele mesmo.

“Iniciei gravando tudo o que já tinha lido na vida em meados de 2018. Mas aí começaram a me pedir resenhas de lançamentos, e as editoras passaram a me procurar para indicar livros. Hoje é quase um ‘fordismo’ literário”, diz ele, que mantém a publicação de dois vídeos patrocinados por semana. O resultado do trabalho são contratos de campanhas publicitárias que já chegam à casa dos 30.000 reais e que possibilitaram a ele dobrar em julho de 2022 seu faturamento total de 2021.

A autora norte-americana Casey McQuiston: livros que abordam diversidade sexual a levaram ao topo das listas dos mais vendidos (David Livingston/Getty Images)

Apesar de recomendações de livros não serem propriamente uma coisa nova, inclusive em outras plataformas, ser um dos pioneiros da ala de livros do TikTok tem suas vantagens. Valente recebeu um atendimento especial da rede, que em sua expansão pelo Brasil, em 2020, elencou os parceiros que tinham chances de criar comunidades de grande engajamento. Assim, o booktoker recebeu dicas da plataforma para estruturar seu negócio, com treinamentos para o ambiente digital e tendências para manter a densidade do conteúdo que produz.

Hoje seu público é composto prioritariamente de integrantes da geração Z, aqueles nascidos a partir dos anos 2000, para os quais ele precisa ter cuidados extras na hora de preparar uma nova recomendação de leitura. Ele destaca a atenção com a classificação indicativa, legendas nos vídeos e recomendação de títulos nacionais.

“A audiência no TikTok reflete uma característica comum das novas gerações, que é o engajamento com temas de diversidade sexual, cultural e de raça. Assuntos que, pouco tempo atrás, eram tabus. E nessa nova fase o mercado editorial tem buscado entregar obras que se alinhem aos temas com os quais o público se identifica”, conta. Por consequência, a maioria das obras trabalhadas por Valente está relacionada ao universo LGBTQIA+, gênero que ocupa as quatro primeiras colocações na lista dos mais vendidos de julho.

Marcas tentam acompanhar

O jeito TikTok de falar de livros já foi até mesmo absorvido pela controladora do TikTok, a ByteDance, que oficializou o movimento no mês passado com o lançamento do TikTok Book Club.

Funcionando nos moldes de um clube do livro, o espaço, descrito como o lugar “onde os produtores de conteúdo sobre literatura e fãs do tema no geral se conectam dentro do TikTok”, mensalmente anuncia uma nova obra na plataforma. Os usuários podem participar da leitura e compartilhar opiniões. Tudo organizado na hashtag #BookClub, que já soma mais de 12 bilhões de visualizações em todos os vídeos postados.

Outra mudança dessa onda pode ser vista em livrarias tradicionais, como a Barnes & Noble, nos Estados Unidos, que agora tem espaços nas lojas físicas e virtuais dedicados somente ao que vem do TikTok. No Brasil, os livros já trazem a marcação “Sucesso no TikTok”, impressa pelas próprias editoras na capa dos títulos.

Junto com isso, o papel da edição, os marcadores de página, as ilustrações e os encartes são divulgados como diferenciais e servem de apelo para que a obra fique bem na foto ou no vídeo, sempre postados nas redes, claro. Títulos como É Assim Que Acaba, de Colleen Hoover, Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, de Taylor Jenkins Reid, Amor & Gelato, de Jenna Evans Welch, e Vermelho, Branco e Sangue Azul, de Casey McQuiston, seguem essa mesma receita.

Do lado das editoras, Rafaella Machado, editora executiva da Galera ­Record, selo dedicado à literatura jovem do Grupo Editorial Record, afirma que o uso do TikTok tem mudado até mesmo a forma como a empresa seleciona seus próximos lançamentos. “É preciso acompanhar com afinco o que rola por lá e antecipar as obras e os autores que vão explodir. Temos olheiros especializados nisso”, diz. Na hora de vender uma ideia, vale até um pitch de 30 segundos, aos moldes do tempo médio de um vídeo da rede social.

A escritora norte-americana Casey McQuiston, queridinha dos booktokers, é um desses exemplos de talentos que foram caçados na internet para atender à demanda. Foi de autora desconhecida de sites independentes para uma das mais celebradas do mundo em pouco mais de dois anos. Quatro de seus livros de ficção adulta são listados pela NPD ­BookScan, que acompanha a venda da maioria dos livros impressos nos Estados Unidos, entre os mais vendidos do ano.

Os sucessos de McQuiston demonstram também como a categoria romance e ficção adulta ganhou força depois da popularização das fanfics em meados de 2010. O gênero, que se ambienta em universos já criados do cinema, da televisão e da literatura, utilizando os mesmos personagens, é a primeira porta para muitos desses autores da geração Z.

As histórias são quase sempre publicadas primeiro no site Wattpad, um dos principais canais de divulgação de fanfics. Se ganham relevância, o caminho natural é serem lançadas em e-books na Amazon. Daí em diante, há chances de que as criações sejam compradas por plataformas de streaming e canais de TV para virarem novas séries, em uma cadeia produtiva que se autoalimenta.

Livraria Cultura, em São Paulo: espaços para obras famosas no TikTok começam a aparecer nas lojas físicas e virtuais (Germano Lüders/Exame)

Para ter uma ideia, essa virada no estilo é sentida até em ambientes mais sisudos do universo literário. Uma pesquisa realizada pelo Ipec com o Instituto Pró-Livro e o Itaú Cultural durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em julho passado, mostrou que a influência de personalidades do TikTok, Facebook e Instagram sobre as decisões de leitura do público teve um considerável aumento. Em 2019, 13% dos entrevistados afirmaram ter obtido a indicação para sua leitura mais recente em uma dessas redes sociais. Na edição da pesquisa deste ano, o número subiu para 28%.

O uso das novas plataformas ajuda no faturamento do setor. O mercado de livros fechou 2021 com o saldo positivo tanto no faturamento quanto no volume de obras vendidas em relação ao ano anterior.

Foram vendidos no total 55 milhões de livros, que movimentaram 2,28 bilhões de reais, um aumento de quase 30% em relação a 2020. Os números também foram maiores do que os registrados em 2019, antes da pandemia de covid-19 que impactou a abertura de livrarias e o comércio.

A sinalização desse novo caminho para manter as vendas em alta é clara, e o entusiasmo dos leitores com as comunidades literárias do TikTok certamente vai continuar como norte para as editoras e para os autores. Pelo menos até a próxima onda chegar.


Nação de leitores

Os números que mostram como o TikTok virou uma máquina de vender livros

12,6 bilhões
de visualizações foram geradas com vídeos sobre livros no primeiro semestre

800 milhões
de usuários da plataforma se dizem interessados em conteúdo sobre leitura

20 milhões
de livros foram vendidos por influência do TikTok em 2021

De 14 a 20 anos
é a faixa etária dos leitores que mais descobrem novos títulos por recomendações do app de vídeo

Fontes: Nielsen BookScan e TikTok.


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