Cena do filme Gravidade: o estúdio Warner bateu recordes de bilheteria ao apostar em poucos projetos (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 26 de fevereiro de 2014 às 06h00.
São Paulo - Oito anos atrás, o jornalista e candidato a guru americano Chris Anderson sacudiu o mundo dos negócios com uma ideia simples e aparentemente poderosa. Em seu livro A Cauda Longa, ele previu que a internet mudaria a lógica do consumo, porque acabava com a tradicional limitação de espaço em lojas que vendiam roupas, discos, perfumes, eletrônicos.
Com espaço infinito, a soma dos milhares de produtos de nicho que não chegavam às prateleiras se transformaria num mercado tão relevante quanto o dos produtos de massa. Foi um sucesso danado.
“Aqui está o futuro dos negócios”, disse na época o então presidente do Google, Eric Schmidt. Qualquer pessoa que frequentou uma escola de negócios desde então testemunhou o impacto do conceito na academia. Não existe mais produto de nicho. Existe produto “cauda longa”.
Acontece que o futuro, mesmo que lentamente, está chegando — e a previsão teima em não se concretizar. A professora da Universidade Harvard Anita Elberse explica por que em seu recém-lançado livro Blockbusters, que chega às livrarias brasileiras em fevereiro. Ela estudou os setores que, para Anderson, passariam pelas maiores mudanças: entretenimento e tecnologia. E viu que pouco mudou.
Apesar do aumento na oferta, as vendas de itens como música e aplicativos continuam concentradas nos campeões de venda. O nicho continua onde sempre esteve. Na Apple Store, loja de aplicativos da Apple, 25 itens respondem por 57% das buscas.
Um quinto das músicas disponíveis em sistemas como o Spotify nunca foi tocado. “As pessoas querem usar os mesmos aplicativos e ler os mesmos livros para ter assuntos em comum”, afirma Anita.
Para as empresas, a implicação é clara. Anderson previu que grandes companhias teriam uma chance histórica de investir em nichos e customização. Mas a última década mostra que, nos ramos de tecnologia e entretenimento, os grandes casos de sucesso continuaram sendo de empresas que apostaram alto em poucos lançamentos.
“É o mais seguro”, diz a pesquisadora. A Apple é um caso batido, mas ilustrativo. Há outros. A partir de 1999, o estúdio Warner Bros. passou a dedicar um terço do orçamento para cinco dos 25 filmes que lançava por ano. Dali nasceram sucessos como Harry Potter e Gravidade. O estúdio fez 1 bilhão de dólares em bilheteria por 11 anos consecutivos, um recorde em sua história.
Lançar menos produtos garante escala na hora de desenvolver, divulgar e vender. Customizar custa caro e dá trabalho, e nem sempre o retorno compensa. Isso em qualquer setor.
Desde 2007, a fabricante de eletrodomésticos Whirlpool, dona da Brastemp, permite aos clientes criar geladeiras com até 25 000 combinações de cores e acessórios. Mas reconhece que a receita é pequena. “As vendas ajudam no marketing”, afirma Mario Fioretti, diretor de inovação e design da Whirlpool.
Claro, o debate lançado por Chris Anderson não tem data para terminar. Ele percebeu brilhantemente como a internet transformaria a vida de milhões de pequenos empresários que não têm acesso a grandes varejistas ou a orçamentos milionários de marketing — e os efeitos dessa maior oferta na vida das pessoas.
Quem imaginaria, uma década atrás, que uma pequena fabricante finlandesa de games (a Rovio) ganharia 150 milhões de euros com um joguinho banal como o Angry Birds? Ou que um grupo de amigos usaria a internet para criar um fenômeno nacional como o grupo de comédia Porta dos Fundos?
De fato, a “democratização” descrita por Anderson tem um impacto notável na cultura dos dias de hoje. Mas talvez seu erro, como o de muitos gurus que batalham para vender suas ideias como se fossem mudar o mundo, tenha sido abusar do conceito.
Todos gostam de grandes sucessos. Grandes empresas dependem deles, consumidores fazem fila para comprá-los. A internet mudou muita coisa. Mas ainda vai demorar um pouco para conseguir mudar tudo.