Jamie Dimon, “o último homem em pé”: graças a seu conservadorismo, o JPMorgan Chase saiu da crise de 2008 mais forte do que entrou (Mark Wilson/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 22 de dezembro de 2011 às 08h24.
São Paulo - Em 12 de setembro de 2008, Jamie Dimon, presidente do banco JPMorgan Chase, ligou no final da tarde para sua mulher para dar uma má notícia: chegaria em casa tarde e atrasado para o jantar em que conheceria os pais do namorado de Julia, a mais velha de suas três filhas.
O motivo era um chamado do banco central americano, o Fed, para uma reunião com os principais banqueiros do país. A pauta tinha apenas um assunto: quanto cada um estava disposto a colocar na mesa para tentar salvar o banco Lehman Brothers. Dimon foi o primeiro que se dispôs a entrar com 1 bilhão de dólares, mas o esforço seria em vão.
Dias depois, o Lehman Brothers sucumbiria, dando uma dimensão catastrófica à crise financeira global. Em seguida, o mundo assistiria à derrocada da seguradora AIG. Graças à obsessão de Dimon por controlar riscos, o JPMorgan Chase tinha um balanço imune a papéis tóxicos e acabou saindo da crise mais forte do que entrou.
Hoje, disputa com o Wells Fargo o título de maior banco dos Estados Unidos. Alçado ao topo de Wall Street, admirado por seus feitos e criticado por aqueles que o consideram arrogante, Dimon virou um dos alvos prediletos dos manifestantes que, nos últimos meses, tomaram as ruas de Nova York.
Em recente visita ao Brasil, ele falou a EXAME sobre a crise europeia, a economia brasileira, a recuperação americana, o movimento Ocupe Wall Street e o crescente ódio aos banqueiros.
EXAME - Qual é a real situação da economia mundial hoje?
Jamie Dimon - A economia americana está se fortalecendo. É uma recuperação moderada, mas sólida. A Ásia parece estar indo bem e o mesmo vale para o Brasil. A grande questão é a Europa.
EXAME - Quanto a situação pode piorar na Europa?
Jamie Dimon - Se tivermos uma recessão moderada na economia europeia nos próximos anos, a recuperação da economia global deverá continuar se fortalecendo. Mas, se houver uma crise financeira de grandes proporções na Europa — uma situação em que haja corrida bancária e na qual os governos tenham de tomar decisões dramáticas —, aí, sim, a economia global será terrivelmente afetada.
A probabilidade de que os europeus resolvam seus problemas e de que tenhamos apenas uma leve recessão na economia do bloco é de 50%. A chance de ficar muito ruim é de 20%. A probabilidade de ocorrer uma situação intermediária é de 30%.
EXAME - O principal problema hoje é a crise da dívida soberana da Itália?
Jamie Dimon - A dívida da Itália é totalmente pagável. A questão é que os italianos estão com problemas para rolá-la. A Europa precisa de algo que deixe claro que a Itália e a Espanha terão o apoio necessário para continuar a rolar suas dívidas. Os europeus estão esperando demais e, quanto mais o tempo passa, maior a chance de termos uma crise que saia do controle.
EXAME - O que deve ser feito?
Jamie Dimon - O Banco Central da Itália tem nome de banco central, mas não os poderes. Não pode emitir euros para comprar títulos da dívida italiana e acabar com qualquer dúvida. Essa é uma das falhas do tratado que criou a zona do euro. O Banco Central Europeu, BCE, é o único que pode fazer isso.
O problema é que a França e a Alemanha querem garantir que a Itália coloque em prática políticas fiscais rigorosas antes de aprovar medidas que garantam a liquidez dos títulos italianos. Fora isso, existem ainda algumas pessoas que pensam que o BCE não deve emitir moeda com essa finalidade. Na minha opinião, agora os europeus não têm nenhuma outra opção.
EXAME - O fundo europeu de resgate não seria uma alternativa?
Jamie Dimon - Poderia ser, mas, no final das contas, tudo se resume em criar liquidez inquestionável para a dívida italiana e para a espanhola. Isso pode ser feito pelo Banco Central ou colocando mais dinheiro no fundo de resgate.
EXAME - Quanto seria necessário?
Jamie Dimon - Teria de ser acima de 1 trilhão de euros. Mas não é necessário colocar todo o dinheiro. Atualmente, o fundo é composto de 250 bilhões de euros. Se os países europeus elevarem esse valor para, digamos, 500 bilhões, daria para alavancar o restante.
EXAME - O euro pode sobreviver se a Grécia der o calote? Ou a Itália?
Jamie Dimon - Se for um calote grego, sim. Com a Itália seria mais difícil.
EXAME - Difícil como?
Jamie Dimon - A criação do euro é um magnífico esforço humano de tentar promover uma união em um continente que sofreu com guerras por vários séculos. Quando o projeto europeu começou, no pós-guerra, ninguém esperava que chegasse tão longe, com a criação de uma moeda única.
Houve falhas nesse processo. Essas falhas podem ser consertadas. A coisa certa a fazer agora é agir para evitar uma crise sem controle. Depois de resolver essa questão, é possível criar um mecanismo para aqueles países que desejarem abandonar a moeda única.
EXAME - Os bancos americanos ficariam muito vulneráveis diante de um calote italiano ou espanhol?
Jamie Dimon - Não, eles não têm uma grande exposição ao risco de países como Grécia, Itália, Portugal, Irlanda e Espanha. Os mais expostos são os bancos grandes, que podem lidar com os contratempos.
Mas é verdade que, se houver uma catástrofe financeira na Europa, que atinja os bancos do bloco, todo mundo será afetado. Isso vale para as instituições que têm exposição ao risco europeu e também para as que não têm. Nos Estados Unidos, no Brasil, em todas as partes.
EXAME - Na crise de 2008, o JPMorgan Chase se deu bem ao adotar uma postura conservadora. Olhando para a Europa agora, não é hora de vender os títulos da dívida da Itália?
Jamie Dimon - A maior parte do risco que temos na Itália é com empréstimos para grandes empresas. É muito fácil alguém dizer: “Nossa, por que o JPMorgan não se livra dos investimentos na Itália?” Temos uma operação italiana há dezenas de anos. Para estarmos na Itália e na Espanha nos próximos 100 anos, não podemos sair correndo agora como se fôssemos crianças assustadas.
EXAME - Mas e se o pior acontecer e daqui a um ano os acionistas do banco perguntarem por que o senhor ficou na Itália e na Espanha quando havia sinais de que esses países estavam à beira do abismo?
Jamie Dimon - Assumimos o risco, sabemos o tamanho dele — no nosso caso, de 3 bilhões de dólares — e, se o pior acontecer, podemos arcar com o prejuízo. Independentemente do que ocorra, não vou achar que agimos mal. Não se administra um banco com a cabeça de um investidor de ações.
Quando sento na cadeira do meu escritório, não fico pensando em comprar num dia e vender no seguinte. Penso em contratar pessoas, abrir filiais, penso no longo prazo. Exatamente o que estamos fazendo no Brasil, onde atuamos há mais de 50 anos.
EXAME - O senhor está otimista com a economia brasileira?
Jamie Dimon - O Brasil está indo muito bem. Os presidentes mudam, mas as políticas são mantidas. O mercado de capitais está cada vez mais forte, o país conta com uma crescente classe empreendedora e com empresas competitivas globalmente.
O Brasil tem recursos naturais inacreditáveis, mas não cometeu o erro de depender somente deles. O petróleo pode ser uma maldição para os países em desenvolvimento por acabar dominando toda a economia. Esse não é o caso do Brasil.
EXAME - A falta de infraestrutura não será uma barreira para o Brasil?
Jamie Dimon - A falta de infraestrutura é um problema em todo lugar, mesmo nos Estados Unidos. Quem passou recentemente pelo aeroporto John F. Kennedy, em Nova York, sabe do que estou falando. O Brasil está crescendo rapidamente e vai precisar de muita infraestrutura.
A sorte é que o país conta com grandes empresas de engenharia e tenho certeza de que não faltará dinheiro para os projetos que fizerem sentido. Há investidores brasileiros e estrangeiros interessados. Toda empresa com ambição global está olhando para o Brasil.
EXAME - O senhor vê algum perigo de crise no sistema financeiro da China, em que alguns veem sinais de bolha?
Jamie Dimon - A concessão de crédito é muito grande na China e isso é obviamente um risco. Mas acho que as autoridades chinesas têm como lidar com essa questão. Não creio que o país venha a passar por uma recessão por causa disso. Mas é verdade que a China precisa tomar cuidado para não expandir o crédito de forma desenfreada.
EXAME - Como a China é um dos principais destinos das exportações brasileiras, muitos se preocupam com a possibilidade de uma aterrissagem forçada da economia chinesa. O senhor considera esse risco alto?
Jamie Dimon - Risco para a economia brasileira? Hoje as pessoas veem risco em todos os lugares. Se o desaquecimento da economia chinesa for mais severo do que se espera, é possível que caia a demanda por commodities do Brasil. Mas isso será por um tempo determinado.
Qual é o problema? A vida é assim mesmo. Não entendo por que as pessoas exageram com coisas assim. Recursos naturais serão um diferencial pelos próximos 1 000 anos.
EXAME - O que o senhor faria se estivesse à frente de uma exportadora de commodities brasileira?
Jamie Dimon - Não esquentaria a cabeça com os altos e baixos dos próximos oito meses. Os preços das commodities sempre podem variar por causa do crescimento global. Se o preço de determinado produto sobe, isso não quer dizer que o presidente da empresa seja um gênio. Se cai, ele não vira um idiota da noite para o dia.
O que os executivos dessas empresas devem dizer a seus conselhos de administração é que eles podem lidar com as duas situações. Sem demitir pessoas e entendendo que o futuro pode ser diferente do que pensamos que vai ser hoje.
EXAME - O crescimento mundial vai continuar sendo liderado pelos mercados emergentes nos próximos anos?
Jamie Dimon - Os mercados emergentes vão crescer mais rapidamente do que os países desenvolvidos nos próximos cinco ou sete anos, mas não sei se o crescimento será liderado por eles. Pode ser que a recuperação dos Estados Unidos acabe incentivando o crescimento de economias em outras regiões.
EXAME - A classificação de risco dos Estados Unidos foi rebaixada, o desemprego continua alto. Os Estados Unidos estão no caminho certo?
Jamie Dimon - Sim. As corporações estão em excelente forma, com muito dinheiro em caixa. As empresas médias também estão bem e as pequenas estão se fortalecendo. Em média, 100 000 postos de trabalho foram criados por mês nos últimos 18 meses. Não é muito, mas é um bom sinal.
O número de imóveis inadimplentes vai cair nos próximos 18 meses. A fatia da renda destinada ao pagamento de dívidas caiu tanto que está no nível mais baixo dos últimos 20 anos.
A confiança dos consumidores e das empresas está baixa, mas isso é normal após uma recessão. Em resumo, a base está dada para uma recuperação. Em alguns anos, todos estarão dizendo: “Claro que os Estados Unidos iam se recuperar”.
EXAME - A pergunta não é se os Estados Unidos vão se levantar, mas quando.
Jamie Dimon - Creio que muita gente vai se surpreender. Não vou me sentir um burro se daqui a seis ou 18 meses a economia não estiver em plena recuperação. O que estou dizendo é que as chances de recuperação estão melhorando. É bem possível que estejamos no momento da virada.
A única coisa que piorou foi a polarização política. Mas isso é a democracia. Se os Estados Unidos não resolverem seus desequilíbrios fiscais, teremos um grande problema. Mas isso não se refere aos próximos 18 meses, é algo que terá efeito mais à frente.
EXAME - Quando Steve Jobs morreu, em outubro, muitas pessoas foram para as lojas da Apple em sua homenagem. Por coincidência, também em outubro, manifestantes do Ocupe Wall Street foram à sua casa protestar. Algum dia os banqueiros serão populares?
Jamie Dimon - Creio que não. Se você entrar em uma loja da Apple e quiser comprar algo, eles vão vender. Se entrar em uma agência e quiser pegar dinheiro emprestado, pode sair sem o que quer. Mesmo quando concedemos o empréstimo, às vezes, temos de fazer o papel de um pai: “Não, você não pode pegar mais dinheiro. Respeite o contrato”.
EXAME - A imagem dos bancos é ruim?
Jamie Dimon - É de certa forma compreensível que o cidadão médio americano esteja decepcionado com instituições como o governo e Wall Street. O mercado financeiro achava que era muito esperto, mas ajudou a criar uma catástrofe na economia. Como uma declaração genérica, isso está certo.
Mas não é certo responsabilizar um banco específico ou uma instituição do governo. Quando algumas pessoas começam a apontar o dedo para indivíduos, dizendo que todos foram igualmente ruins, isso me lembra o macarthismo.
EXAME - Qual é a importância do movimento Ocupe Wall Street?
Jamie Dimon - É verdade que a sociedade americana ficou mais desigual ao longo das últimas décadas. Também é certo que viveríamos melhor numa sociedade mais igualitária. Mas isso não aconteceu por minha causa. Há grandes forças globais.
Sou a favor de um sistema de impostos que cobre mais dos ricos e menos dos pobres, apoio a ideia de uma educação boa para todos e defendo oportunidades iguais. Mas não adianta só protestar.
É preciso discutir a melhor maneira de atingir esses objetivos. É curioso que Steve Jobs tenha feito parte dessa sociedade desigual, tenha ganhado muito dinheiro, mas ninguém tenha ficado furioso com ele.
EXAME - O alvo são os bancos?
Jamie Dimon - O que querem que os bancos façam? Emprestar mais dinheiro? Nossos empréstimos estão bem mais altos neste ano. Empregar mais pessoas? Empregamos milhares delas. Financiar governos? Financiamos muitos governos ao redor do mundo. O que exatamente querem que façamos?