Plataforma do Pré-sal: a maior reserva de petróleo do país terá duas rodadas de leilões em 2017 (Divulgação/Exame)
Leo Branco
Publicado em 17 de maio de 2017 às 18h15.
Última atualização em 18 de maio de 2017 às 10h01.
São Paulo — A sede da ANP, agência reguladora do mercado de combustíveis, no centro do Rio de Janeiro, recebeu na manhã de 11 de maio a primeira rodada de leilões de áreas para exploração de petróleo do governo de Michel Temer. Foi uma estreia bastante acanhada: em jogo estavam nove poços terrestres devolvidos pela Petrobras por causa da baixa produção. Pelas áreas, as vencedoras do certame, em geral pequenas petroleiras desconhecidas do público, como a Ubuntu e a Newo, pagaram ao governo apenas 8 milhões de reais de bônus.
Se os valores foram baixos, a disputa chamou a atenção pelo ágio: 2 000% sobre o preço inicial, o mais alto já visto em áreas devolutas. Trata-se de um sinal do apetite do mercado pelos negócios que vêm por aí — e que não serão poucos. Estão programadas até 2019 mais nove rodadas de leilões de blocos para extração de petróleo. É um alento num setor praticamente paralisado desde a licitação do campo de Libra, há quatro anos, o único até agora em áreas do pré-sal, as maiores do país.
A consequência: nosso volume de reservas provadas de petróleo caiu 25% desde 2014 — um quadro bem diferente das promessas feitas uma década atrás pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando disse que o Brasil havia ganhado um “bilhete premiado” com a descoberta do óleo na camada pré-sal do Atlântico.
Se os leilões agora programados forem bem-sucedidos, poderá haver uma reversão rápida da queda da atividade exploratória. A previsão é que já em 2020 sejam abertas 45 áreas para exploração, mesmo patamar de 2013. Será o suficiente para ampliar em 17% as reservas provadas de óleo no Brasil, para 14 bilhões de barris. Mais do que isso: a retomada dos negócios na cadeia de óleo e gás deve ser um potente motor para tirar a economia brasileira da letargia.
Um estudo do BNDES contabilizando 963 bilhões de reais em investimentos engatilhados em 15 setores até 2020 indica que só a cadeia de óleo e gás deverá receber quase um terço disso: 285 bilhões. É a maior fatia entre os setores pesquisados e quase o dobro do investimento previsto pelo segundo colocado, o de energia elétrica.
No curto prazo, o benefício pode ser medido pela arrecadação de impostos. Nas contas da Abespetro, associação de empresas do setor, em 2018 a cadeia de óleo e gás deverá colaborar com 37 bilhões de reais em royalties e participações especiais, o dobro do recolhido no ano passado. As expectativas são altas sobre a geração de postos de trabalho, uma necessidade urgente no cenário de desemprego elevado.
Os atuais 479 000 empregos diretos na cadeia de óleo e gás deverão duplicar até 2022 e colaborar com mais alguns milhares de ocupações em outros setores. “A extração do petróleo requer profissionais com qualificação e, por isso, paga bons salários, movendo a economia inteira”, diz Marco Aurélio Tavares, sócio da consultoria Gas Energy. No longo prazo, as rodadas já previstas pela ANP poderão dobrar a capacidade brasileira de extração de petróleo para 5 milhões de barris por dia e a participação do país na produção mundial de 2,5% para 5% em 2040.
O que explica tamanho otimismo com os leilões que estão por vir? Em parte, a quantidade de áreas oferecidas: só nas rodadas deste ano serão 295, um volume 15% superior ao de 2005, auge dos negócios em três décadas de abertura da indústria de óleo e gás à participação privada. Por trás do entusiamo está também a qualidade das reservas que irão à leilão. Só nas rodadas marcadas para o segundo semestre serão oito áreas no pré-sal, atualmente uma das maiores e mais rentáveis reservas de petróleo do mundo. Testes preliminares na bacia, que fica em alto-mar e 6 quilômetros abaixo da superfície da água, indicam ser possível extrair de lá mais de 20 000 barris de petróleo ao dia por poço.
Para efeito de comparação, é dez vezes o que brota de poços marítimos comuns e 500 vezes o usual num poço terrestre no Brasil. No campo de Carcará, no litoral paulista, explorado pela Petrobras até o ano passado, quando foi vendido para a norueguesa Statoil, a expectativa é retirar 35 000 barris por dia quando a plataforma estiver com a capacidade máxima. Uma nova área de Carcará irá a leilão ainda em 2017. A partir do ano que vem, a promessa é que que mais 11 dessas reservas gigantes sejam negociadas. É o suficiente para abrir os olhos das principais petroleiras mundiais. No caso da Statoil, a presença nos leilões já está definida. “Estamos avaliando as prioridades, mas certamente estaremos no de Carcará”, diz Anders Opedal, presidente da Statoil no Brasil.
De nada adiantaria uma saraivada de bons ativos em oferta sem uma conjuntura mais favorável aos negócios. Aí, em primeiro lugar, pesa a favor a alta recente na cotação do petróleo para a casa dos 50 dólares o barril, justamente o custo de exploração do óleo que deverá jorrar do pré-sal em breve. O corte de amarras criadas por anos de intervencionismo petista no mercado também melhora o humor dos investidores. Um bom exemplo é a redução à metade do nível mínimo de componentes brasileiros exigido no maquinário de exploração: agora em 25% do total, deve baratear custos.
O fim da exclusividade da Petrobras nos leilões do pré-sal, autorizado pelo Congresso no ano passado, é outra ajuda. Em dificuldades financeiras desde os tempos em que foi obrigada a subsidiar o preço da gasolina para conter a inflação, no governo de Dilma Rousseff, a estatal praticamente estrangulou a atividade exploratória das reservas. Apenas cinco novos poços serão explorados em 2017, o menor número desde 1969. “Foi um conjunto de eventos nefasto para a indústria de óleo e gás”, diz Décio Oddone, presidente da ANP.
A visão menos estatizante certamente já anima os investidores, mas incertezas ainda pairam sobre os leilões que estão por vir. A começar pela demora do Ibama em prover o licenciamento ambiental de algumas das últimas áreas concedidas. É o caso de 14 blocos situados na foz do rio Amazonas, na costa do Pará e do Amapá. Compradas por empresas como a francesa Total e a britânica BP em 2013, essas áreas até agora aguardam a autorização do órgão — uma burocracia que em outros países costuma ser resolvida em meses.
Segundo o Ibama, a análise do licenciamento começou em 2015, quando os estudos feitos pelas empresas chegaram ao órgão, e o processo segue os prazos legais. Mas tudo pode parar a qualquer momento porque, no início de maio, o Ministério Público Federal do Amapá pediu a suspensão do licenciamento. O motivo? O risco de a atividade petroleira prejudicar uma barreira de corais que, segundo os ambientalistas, foi descoberta recentemente nas redondezas das áreas de exploração de petróleo.
Segundo as empresas, os primeiros registros do ecossistema datam dos anos 70. Todo esse vaivém regulatório é criticado por potenciais investidores. “Faltam critérios mais objetivos para o licenciamento ambiental”, afirma Antonio Guimarães, secretário executivo do IBP, associação das principais empresas da cadeia de óleo e gás no Brasil.
Há dúvidas também sobre a continuidade do Repetro, programa federal de incentivo criado em 1999 com a isenção de tributos sobre o maquinário. Previsto para durar 20 anos, com possibilidade de ser estendido por mais tempo, o programa ainda não recebeu uma confirmação do governo Temer de que continuará após 2019. Além disso, o estado do Rio de Janeiro, que concentra boa parte da produção, cancelou em dezembro os créditos do imposto de circulação de bens e serviços que conferia aos bens incluídos no Repetro comercializados ali.
Resultado: o risco de uma alta da carga tributária que pode afugentar o investimento na hora em que bons ativos estão à mesa. “A indefinição sobre o Repetro atrapalha a avaliação econômica dos projetos, porque o impacto é significativo”, diz André Araújo, presidente da Shell Brasil. A empresa anglo-holandesa anunciou em novembro um aporte de 10 bilhões de dólares na exploração de ativos que já tem no pré-sal, como uma participação no campo de Libra, e prevê colocar mais recursos no país à medida que as incertezas forem resolvidas.
O calendário de rodadas de exploração também deve beneficiar uma oportunidade de negócio ainda pouco explorada no país: a produção de gás natural, material abundante nas reservas do pré-sal — e que terá de ser tirado de lá para que o óleo de fato jorre das profundezas. Atualmente, um quarto do gás consumido aqui vem de campos na Bolívia e na Argentina. Mas, só com as reservas já provadas de petróleo no pré-sal, a previsão é que a produção brasileira da matéria-prima, atualmente em 20 bilhões de metros cúbicos por ano, cresça 75% até 2022. “O Brasil é hoje o país com a maior capacidade de se tornar autossuficiente em gás natural na América do Sul”, diz o economista Kjetil Solbraekke, da consultoria norueguesa Rystad, especializada em energia.
O aumento de produção virá num momento em que iniciativas para reduzir a participação do Estado no mercado estão em curso. Técnicos de sete distribuidoras estaduais de gás, como as do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, elaboram juntamente com o BNDES projetos de privatização dessas companhias. A Petrobras, hoje operadora praticamente única da importação, distribuição e venda de gás natural, está em meio a um programa de venda de ativos para reduzir o alto endividamento.
No ano passado, a estatal vendeu a subsidiária Nova Transportadora do Sudeste, que detém gasodutos em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, para o fundo de investimento canadense Brookfield. A expectativa é que agora seja vendida a Transpetro, subsidiária que gerencia gasodutos nas regiões Norte e Nordeste. É o suficiente para o país ser estratégico para as multinacionais de energia, como a franco-belga Engie, presente em 70 países
“O Brasil tem uma importância semelhante à da China hoje na empresa”, diz Emmanuel Delfosse, diretor de gás natural da Engie. Além dos anúncios de ativos à venda, a expectativa é de mudanças regulatórias a caminho: em junho, o governo federal deverá propor regras sobre o uso de gasodutos por parte de terceiros, legislação hoje inexistente e fundamental para dar segurança aos investimentos que estão por vir.
Em meio às indefinições regulatórias que ainda restam, uma coisa é certa: há urgência em explorar a abundância de petróleo do Brasil. Um motivo é o ganho de competitividade do óleo extraído de reservas de xisto nos Estados Unidos, maior produtor mundial de combustível dessa forma.
Em quatro anos, o preço médio do barril para tornar compensadora a produção por lá caiu de 75 para 57 dólares. É menos do que boa parte das reservas do pré-sal, que hoje se mantém competitivas internacionalmente pela enorme quantidade de óleo possível de ser extraído dos poços da costa brasileira, na casa das dezenas de milhares de barris ao dia, enquanto um poço de óleo de xisto mal passa de 1 000 ao dia. Mas o barateamento da tecnologia e as leis favoráveis à extração mineral têm pendido a balança para o lado dos americanos.
Além da concorrência acirrada da atividade exploradora de petróleo em outros países, o calendário de leilões de novas áreas no Brasil se dá em meio à ascensão da eletricidade como alternativa viável para o abastecimento de veículos, o que deve reduzir a necessidade futura de petróleo. De acordo com a consultoria Accenture Strategy, a demanda mundial, hoje na casa dos 80 milhões de barris ao dia, deverá chegar ao auge por volta de 2030, com 100 milhões de barris ao dia, e então se estabilizar ou recuar até um cenário de consumo 25% inferior ao atual.
Os carros elétricos poderão reduzir ainda mais o patamar do preço internacional do petróleo, que já caiu 60% desde o pico de 125 dólares em março de 2012. “A questão hoje é se o preço vai ficar baixo por muito tempo ou para sempre”, diz Matheus Nogueira, diretor executivo da Accenture Strategy. Por enquanto, a janela de oportunidade para a exploração do petróleo brasileiro está aberta. Resta saber por quanto tempo — e se algum dia o país vai de fato aproveitar os benefícios da riqueza hoje guardada.