Revista Exame

O mistério do crédito que cresce mais que a economia

Por que o total de empréstimos continua crescendo num ritmo muito superior ao da economia no Brasil?


	Loja de eletrônicos: consumo apoiado em empréstimos
 (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

Loja de eletrônicos: consumo apoiado em empréstimos (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de maio de 2014 às 08h53.

São Paulo - O crescimento do crédito explica algumas transformações que aconteceram no Brasil na última década. Com financiamentos mais acessíveis, milhares de pessoas puderam comprar imóveis. O número de casas e apartamentos financiados aumentou de 37 000, em 2003, para 530 000, em 2013.

Também cresceram as vendas de todo tipo de produto e serviço, de carros e televisores a pacotes turísticos — pagos em cinco, dez, 12 vezes —, o que multiplicou as receitas de empresas voltadas para o consumo interno. Há, ainda, mais oferta de crédito para projetos de infraestrutura e para pequenas empresas, que eram quase ignoradas pelos grandes bancos no passado.

Em 2003, o Brasil era um dos países com a menor relação entre o total de empréstimos e o PIB: 24%. Hoje, beiramos os 60%, patamar normal para um país emergente. Parece a história de um país que corrige uma distorção — e até certo ponto é mesmo. Mas, depois de tantos anos de expansão do crédito, outra distorção começa a surgir. Apesar da frea­da generalizada na economia, o nível de crédito teima em subir. 

É o contrário do que acontece na  maioria dos países, de acordo com uma pesquisa da equipe de analistas especializados em finanças da agência Bloomberg. Eles mediram a relação entre a expansão dos empréstimos e o crescimento do PIB em mercados desenvolvidos e emergentes.

Nos Estados Unidos, enquanto a economia cresceu 1,9% em 2013, o volume de crédito subiu 1,1% (o crédito é deflacionado para poder ser comparado ao PIB, que também desconta a inflação).

Na Índia, o crédito andou 2,7 vezes mais do que o PIB. Aqui, o ritmo chegou a quase quatro vezes o crescimento do PIB, a maior alta do levantamento.

A pesquisa mostra ainda que esse é um comportamento que se repete ao longo dos anos. Logo após a crise de 2008, o ritmo de concessão de empréstimos caiu no mundo todo. No Chile, onde a retração do PIB foi de 1,1%, o volume de financiamentos diminuiu 4%. No Brasil, o crédito aumentou 11% naquele ano, enquanto o PIB caiu 0,3%. 

Por que somos tão diferentes do resto? Até recentemente, o crédito crescia muito para compensar um atraso histórico. Mas hoje a explicação é outra.

O principal motivo da evolução recente é a atuação dos bancos públicos. Essas instituições começaram a ganhar mais relevância no mercado de crédito em 2009, como parte da estratégia do governo de injetar recursos na economia para amortecer os efeitos da crise internacional.

Enquanto bancos como Bradesco, Itaú e Santander ficaram mais conservadores, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES emprestaram como nunca. Em 2009 e 2010, o BNDES desembolsou 306 bilhões de reais, mais do que todo o empréstimo nos cinco anos anteriores.

O ritmo acelerado continuou mesmo depois que o cenário externo melhorou. Segundo cálculos da gestora Credit Suisse Hedging-Griffo, só a Caixa e o BNDES responderam por dois terços da expansão dos financiamentos no ano passado. “Quando o crédito aumenta com a produtividade e os investimentos, cria-se um ambiente econômico saudável.


Quando aumenta por transferências públicas, é uma política Robin Hood, de transferência de renda”, diz o economista Marcos Lisboa, vice-presidente da escola de negócios Insper.

O problema desse modelo, dizem os especialistas, é que ele cria mais pressão inflacionária, porque faz com que a demanda aumente num ritmo superior ao da oferta. A maior disponibilidade de crédito, que dá condições para que as pessoas comprem mais, ocorre num momento em que a produção industrial cresce pouco.

A taxa de investimentos da economia, apesar de ter subido em 2013, continua abaixo da média mundial. “Incentivamos o consumo, não a formação de uma poupança interna, necessária para alavancar investimentos”, diz Mônica de Bolle, diretora do instituto de estudos econômicos Casa das Garças.

Hoje, o consumo representa 85% do PIB, enquanto a média dos países emergentes é de 75%. Já o nível de poupança é o menor em 11 anos. 

Além disso, há um custo para os cofres públicos. O BNDES e a Caixa foram financiados por recursos do Tesouro Nacional — e parte foi subsidiada, o que resultou em aumento da dívida pública. Um exemplo é o programa Minha Casa Melhor, da Caixa, que oferece empréstimos com juros de 5% a famílias de baixa renda que queiram mobiliar a casa, enquanto a taxa básica da economia está em 11%.

Outro problema é que ninguém sabe se consumidores endividados conseguirão pagar o que devem. Os bancos privados já reduziram o ritmo dos financiamentos para conter a inadimplência, que foi recorde em 2012 e caiu um pouco de lá para cá. O Banco do Brasil está emprestando menos, mas ainda cresce mais do que os concorrentes privados.

Jorge Hereda, presidente da Caixa, disse que o banco vai pelo mesmo caminho — só que partindo de um patamar bem mais alto. Depois de uma expansão de 37% em 2013, ele prevê que a carteira de crédito tenha alta da ordem de 22% neste ano (quase o dobro da média de Bradesco, Itaú e Santander).

O BNDES também informou que seu orçamento vai diminuir. Mas há um ruído no discurso oficial: o ministro Guido Mantega afirmou há menos de um mês, numa aula para estudantes de economia em São Paulo, que a desaceleração do PIB se deve à escassez de crédito.

Ninguém duvida de que o crédito é uma peça central das economias modernas. Em excesso, derruba não apenas famílias — mas países inteiros.

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