Barack Obama: o aumento do salário mínimo no país gerou controvérsia entre os economistas (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 23 de março de 2014 às 08h02.
São Paulo - O economista Milton Friedman, um dos mais influentes críticos da intervenção do Estado na economia, costumava dizer que o salário mínimo é uma espécie de discriminação contra os trabalhadores sem qualificação. Ao estabelecer uma remuneração-base, o governo, na visão de Friedman, dificulta a vida de quem não tem educação e está atrás de emprego.
Em outras palavras, o Estado assim penaliza justamente quem precisa de mais ajuda. Sempre polêmico, o tema ganhou nova relevância no começo deste ano nos Estados Unidos com a divulgação de uma carta pública assinada por 75 economistas — entre eles, sete laureados com o Nobel de Economia.
Na carta, nomes como Robert Solow e Kenneth Arrow apóiam a ideia do presidente americano, Barack Obama, de aumentar o mínimo.
Em janeiro, mesmo sem o aval do Congresso, a Casa Branca reajustou o mínimo dos trabalhadores contratados pelo governo federal de 7,25 para 10,1 dólares a hora.
Não demorou para a manifestação dos economistas americanos reverberar na Europa, onde a mesma questão também está em debate há alguns meses. Na Inglaterra, George Osborne, o ministro das Finanças, disse em janeiro que o piso deve acompanhar a inflação neste ano e que os pobres precisam se beneficiar da recuperação da economia.
Após sua reeleição, em 2013, a alemã Angela Merkel concordou em estabelecer um salário mínimo no país — uma condição exigida pelo Partido Social-Democrata para firmar a coalizão que governa hoje a Alemanha.
O que explica a ênfase dada atualmente ao tema nos países ricos é o empobrecimento da população nos anos que se seguiram à crise de 2008. Nos Estados Unidos, a fatia da população considerada pobre passou de 10%, em 2000, para 13,5%, em 2012. Entre 1979 e 2007, a renda do 1% mais rico aumentou 275%, enquanto os ganhos dos 20% mais pobres subiram 18%.
No Reino Unido, o número de crianças que vivem na pobreza passou de 2,8 milhões, em 2010, para 3,4 milhões, em 2013. Na Alemanha, em 2012, houve aumento de 3,3% no número de lares que recebem benefícios sociais do governo. Foi a questão do combate à pobreza que motivou vários economistas americanos a se posicionar publicamente.
“O efeito da elevação do mínimo seria a redistribuição de renda. Nos Estados Unidos, isso provavelmente seria um passo na direção correta”, afirma Michael Spence, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2001 e outro que colocou seu nome na carta.
Mas o tema está longe de ser consensual. Os economistas que se pronunciaram publicamente contra a carta e o aumento do mínimo, como o Nobel Edmund Phelps, não negam a gravidade da crescente desigualdade, mas colocam em xeque a receita para combatê-la.
Na linha de Friedman, eles se perguntam: o aumento do mínimo tem um efeito positivo ou negativo nas taxas de desemprego? Qual é seu impacto na redução da pobreza?
Para os economistas Richard Burkhauser, da Universidade Cornell, e Joseph Sabia, da American University, um mínimo de 9,5 dólares a hora implicaria um corte de 1,3 milhão de empregos americanos. A melhor saída, defendem Burkhauser e Sabia, é subsidiar os mais pobres.
Os críticos da carta também têm munição para rebater o argumento em favor do mínimo como antídoto contra a desigualdade. Hoje, 3,6 milhões de americanos são remunerados pelo salário mínimo. Eles representam apenas 2,5% da população empregada de um país onde o salário médio anual gira em torno de 45 000 dólares.
Além de ser um universo pequeno, as pessoas que ganham salário mínimo não são as mais pobres. Segundo um estudo da Fundação Heritage, centro de pesquisa com sede em Washington, 51% dos trabalhadores que recebem o piso têm até 24 anos e 64% trabalham meio período.
O aumento no valor do mínimo beneficiaria, portanto, jovens que ainda não concluíram os estudos em vez de pais de família. Para o economista James Sherk, autor do estudo, o salário baixo não é a principal questão dos que estão na base da pirâmide social.
O fato é que eles nem sequer conseguem trabalhar. Um levantamento do governo americano mostrou que 67% dos pobres nos Estados Unidos não arranjam um emprego fixo ao longo de um ano. O problema, portanto, é muito mais de educação e treinamento do que de baixa remuneração.
Enquanto os economistas se engalfinham sobre as estratégias mais eficientes contra a pobreza e a desigualdade, os políticos no poder seguem em frente. Nos Estados Unidos, Obama continua firme na defesa da elevação do mínimo para todos os trabalhadores — não apenas para os funcionários federais.
Na Alemanha, onde cada categoria profissional é livre para estabelecer os rendimentos básicos, a proposta é que, a partir de 2017, uma remuneração mínima seja instituída para todos os alemães. O valor estudado é de 8,5 euros por hora. Na Inglaterra, o governo defende elevar o mínimo para 7 libras por hora no ano que vem — o valor atual é de 6,31 libras.
Essa tentativa de ter o rendimento mínimo como instrumento de política social vem sendo feita no Brasil há bastante tempo. Por aqui, algumas peculiaridades foram determinantes para o relativo sucesso dessa estratégia. Como 28% dos trabalhadores ocupados recebem um valor menor ou igual ao piso, qualquer mudança no mínimo tem um enorme efeito na renda.
Nos últimos 12 anos, o salário-base saltou de 200 para 724 reais, um dos fatores que ajudaram a entrada de milhões de brasileiros no mercado de consumo. Mais recentemente começou a ficar claro que as elevações do salário cobram seu preço. O custo da mão de obra no Brasil vem crescendo mais que o ganho de eficiência do trabalho.
Por isso muita gente por aqui passou a falar da necessidade de condicionar os reajustes do mínimo ao aumento médio da produtividade. Do ponto de vista da lógica econômica, essa seria a melhor alternativa para o país. Em ano eleitoral, vai ser difícil encontrar um único político com vontade de levantar essa bandeira.