Protesto contra a crise na Espanha: o desemprego estimula quase tudo que pode dar errado na vida (David Ramos/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 21 de novembro de 2011 às 17h28.
São Paulo - É raro ouvir qualquer conversa sobre economia, atualmente, sem que seja apontado o mesmo culpado-mor para a trágica epidemia de desemprego que infelicita, em grau maior ou muito maior, quase todos os países desenvolvidos do mundo, onde perto de 50 milhões de pessoas estão hoje sem trabalho.
É a crise financeira de 2008, dirão quase todos. Os governos tiveram de correr em socorro dos bancos para evitar um colapso total no sistema privado de transações monetárias.
Os recursos jogados nessas operações colossais de resgate agravaram ainda mais os problemas da dívida pública, e as autoridades econômicas se sentiram na obrigação de lidar com isso tomando medidas drásticas de contenção ou redução nos gastos dos governos.
Houve um desestímulo geral ao crescimento econômico e ao consumo. A crise, inevitavelmente, acabou se espalhando de um país a outro; economias que não tiveram nada a ver com a origem da confusão, e que vinham rodando com resultados bons ou razoáveis, encontraram-se no meio da ventania.
Formou-se, em suma, uma crise mundial — e, nessas horas, o emprego está sempre entre as primeiras e mais sérias baixas. No momento, o desemprego se concentra nos países mais ricos; mas, num mundo onde as economias se conectam cada vez mais, a desgraça gosta de viajar depressa.
É isso? Mais ou menos — e é justamente aí, neste mais ou menos, que pode estar a verdadeira má notícia. As depredações em escala global provocadas pela crise financeira feriram gravemente o mercado de trabalho, sem dúvida. Mas a crise não é a única culpada, e talvez nem seja a principal.
O fato é que, muito antes da tempestade de 2008, o vírus do desemprego — no caso, um vírus particularmente agressivo e resistente à maioria dos tratamentos conhecidos — já estava contaminando com força plena as economias dos países do Primeiro Mundo.
O caldo de cultura no qual ele se desenvolve é o conjunto de ideias e de ações que formam o modelo de gestão moderno, globalizado, dependente em grau cada vez maior da tecnologia de ponta, obcecado por resultados a curto prazo e cego para qualquer outro valor que não seja a eficácia.
É uma visão na qual dirigentes de empresas, consultores e outros ases do mundo de negócios falam com orgulho em “sobrevivência dos mais aptos”. Encantam-se com a ideia de “fazer mais com menos”. Vivem fascinados com todas as possibilidades que o universo digital oferece para eliminar o ser humano das operações de uma empresa.
Seu mundo começa e acaba nos resultados de cada trimestre. Não há nada que os assuste mais do que contratar gente. Está na cara que o desemprego será um resultado inevitável desse estilo de administração. Deveria ser evidente que um sistema que elimina postos de trabalho é algo que está dando errado; o mundo e a vida pioram com isso. Mas o que acontece é o contrário.
Reduzir pessoal, ou trabalhar com o mínimo de empregados, tornou-se uma virtude capital. A crise financeira de 2008 pouco tem a ver com esse drama; nada seria muito diferente, em termos de desemprego, se ela jamais tivesse acontecido.
Tanto faz, também, a legislação trabalhista em vigor. Nos Estados Unidos, onde praticamente não há legislação nenhuma — nem o mero direito de férias —, o emprego naufraga. Na Espanha, onde há legislação demais, um quinto da população está sem trabalho.
O desemprego não é apenas um problema econômico. Como lembrou recentemente a revista The Economist, sua face mais sombria é “o aumento da depressão, do divórcio, do abuso de substâncias tóxicas e de quase tudo mais que pode dar errado na vida”.
O desemprego desmoraliza as pessoas — e, pior ainda, pode tornar-se permanente. Jovens que nunca tiveram um trabalho tornam-se cidadãos deficientes. Profissionais desempregados durante muito tempo perdem suas competências e têm dificuldade para aprender habilidades novas. Com realidades assim, como achar que alguma política econômica está dando certo?