Melo: “Quem faz o luxo acontecer é da periferia como eu” (Leandro Fonseca/Exame)
Daniel Salles
Publicado em 29 de julho de 2021 às 06h00.
Tirando a de concierge, não há função com nome mais pomposo na hotelaria que a de steward, uma das primeiras na pirâmide. Designa o profissional que lava equipamentos de cozinha, louças, panelas e por aí vai. Foi graças ao ofício que o paulistano Wellington Melo, alçado a diretor-geral do Unique em janeiro, se aproximou do mercado de luxo.
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Como steward, o pai dele trabalhou no Maksoud Plaza nos tempos áureos do hotel e em outros, como o extinto Hilton do centro paulistano. “Ficava encantado ao visitar os locais de trabalho dele na infância”, lembra o filho, cuja mãe foi camareira do Caesar Park da Rua Augusta, fechado em 2003, e empregada doméstica.
Familiarizado com as engrenagens desse meio, Melo ingressou no curso de hotelaria da Anhembi Morumbi com uma meta na ponta da língua: virar gerente da área de alimentos e bebidas de um hotel de luxo até os 30 anos. No Unique, onde trabalha desde que o cartão-postal foi inaugurado, em 2002, cumpriu o objetivo aos 23. Sua primeira atribuição ali: limpar as mesas do Skye, bar e restaurante que foi um sucesso instantâneo.
Depois virou garçom e foi desempenhando funções mais nobres, de sommelier a diretor de operações. Disse a que veio, no início, ao propor soluções para minimizar gastos desnecessários e ao se candidatar para cobrir colegas das mais diversas áreas. Quando se deu conta, virou o “Posto Ipiranga” do local. Nos bastidores, a cada interrogação sem resposta ouvia-se alguém dizer: “Pergunta para o Wellington”.
Ao café da manhã no Skye, para o qual convidou nossa equipe, ele comparece de tênis branco, a mesma cor da camisa, e costume azul. “No Brasil, quem faz o luxo acontecer geralmente é da periferia como eu”, observa, no início da conversa. Até 2013, ele viveu no modesto Jardim Guanhembu, na zona sul paulistana — hoje mora nos arredores do Parque do Ibirapuera.
“Para chegar em casa do trabalho eram 2 horas de ônibus e mais uns 3 quilômetros a pé”, lembra ele, que está com 37 anos. Sua promoção a mandachuva — ele só está abaixo do dono, Jonas Siaulys — sela o compromisso do Unique com a diversidade.
“Nossa equipe é formada por pretos com black power e em posições de destaque desde o início”, sustenta o novo diretor-geral. “Porque a pluralidade propicia resultados melhores e torna o ambiente mais receptivo a todos os públicos.”
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Foi o que o levou a decidir pela contratação de uma pessoa trans para atuar como seu braço direito — por ora a vaga foi congelada. “Vai ajudar a empresa a compreender pontos que desconhecemos”, justifica. Ele observa que pessoas desfavorecidas costumam ter currículos menos atraentes.
“Prefiro apostar no potencial de desenvolvimento das pessoas. Não faz sentido buscar profissionais qualificados até para funções auxiliares.” Não à toa, ele desmembrou em dois o departamento de RH, para manter parte da equipe dedicada ao desempenho dos funcionários.
“Em geral as pessoas são contratadas pelo que sabem e demitidas pelo modo como se comportam”, argumenta. “Queremos ajustar isso.”
Melo chegou com pouquíssima experiência — seu único emprego anterior foi no Hotel Transamérica, onde estreou o diploma de técnico em nutrição, obtido antes da formação em hotelaria. Apadrinhado pelo chef do Unique, Emmanuel Bassoleil, de quem já foi subordinado, virou sommelier na ABS-SP — na época, era preciso ser indicado por alguma autoridade do meio para ingressar na entidade.
O mundo do vinho lhe permitiu vivenciar experiências raras, como um jantar no castelo de Philippine de Rothschild (1933-2014), dona do lendário Château Mouton Rothschild. Sua trajetória inclui especializações em gestão e temporadas no Canadá, na França e na Inglaterra.
“Poderia me apresentar deixando minha origem de lado, mas quero mostrar que pessoas com a minha história também podem chegar ao comando do luxo.”