Alvin Roth, Nobel em 2012: “Acredito que meus alunos de Stanford vão prestar mais atenção nas minhas aulas” (Justin Sullivan/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 3 de novembro de 2012 às 07h00.
São Paulo - Historicamente, a imagem dos economistas não é a de um sujeito dos mais acessíveis. Realocação produtiva, política fiscal e regime cambial, para citar apenas três exemplos, não são conceitos dos mais palatáveis fora do debate entre os próprios economistas.
Daí talvez tenha vindo a impressão de que eles sempre se debruçam sobre temas despegados do dia a dia do restante da população. Certo? Não exatamente. Quando influenciam as políticas públicas, o setor financeiro ou a gestão das empresas, os trabalhos econômicos, incluindo os mais técnicos, acabam afetando a vida de milhões de famílias. Mas há algo de novo no reino da economia.
Entraram na mira problemas fora do espectro tradicional. Como diminuir a criminalidade? Como melhorar a educação? Como incentivar a preservação do meio ambiente? São temas novos — e o prêmio Nobel de Economia é o principal termômetro desse fenômeno.
Nos últimos anos, a premiação oferecida pelo Banco Central da Suécia vem reconhecendo uma série de trabalhos que extrapolaram os limites da economia tradicional para áreas mais “populares”. Em 2009, a economista americana Elinor Ostrom, a única mulher a ganhar um Nobel de Economia até hoje, foi laureada por seu trabalho relacionado ao uso inteligente de recursos naturais para o desenvolvimento sustentável.
Neste ano, o prêmio foi dado a uma série de trabalhos sobre um conceito chamado de matching estável, baseado em uma fórmula matemática que oferece a melhor distribuição possível de bens entre grupos ofertantes e receptores. Desenvolvido pelos matemáticos americanos Alvin Roth, de 61 anos, e Lloyd Shapley, de 89 anos, o conceito ajudou a distribuir alunos em escolas públicas em diversos países e a melhorar sistemas de doação de órgãos.
De certa forma, a premiação do Banco Central sueco oferece um panorama da construção do conhecimento econômico. “Em seus primeiros anos, o Nobel acabou reconhecendo os economistas do início do século 20”, afirma Celso Luiz Martone, professor de teoria econômica da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.
Isso explica nomes como o de Kenneth Arrow, premiado em 1972 por sua contribuição à teoria do equilíbrio geral, que descreve a interação de diferentes mercados. “Depois, nos anos 90, vieram os teóricos de finanças e, mais recentemente, houve um aumento nos prêmios da área de microeconomia.”
Para o americano Edward C. Prescott, ganhador do Nobel de Economia em 2004 por seus estudos relacionados à área de políticas de bancos centrais, o fato de alguns prêmios recentes terem reconhecido trabalhos que vão além da economia tradicional não demonstra necessariamente que há uma nova diretriz do comitê do Nobel. “A aplicação da economia está se expandindo à medida que avança”, diz Prescott.
Nesse sentido, não foi o Nobel que mudou, mas a própria pesquisa na área econômica. Conforme várias peças da área central do quebra-cabeça foram sendo achadas, novas passaram a ser encontradas nas extremidades. “Teremos cada vez mais aplicações econômicas em áreas que hoje parecem estar além dos limites da economia”, afirma Roth, um dos ganhadores deste ano.
Ao contrário da química e da biologia, a economia não é uma ciência que pode ser reproduzida e analisada dentro de um laboratório. Por isso, um de seus desafios é criar ferramentas que ajudem a entender o comportamento das pessoas — ou “agentes econômicos”, para usar o jargão do meio.
Nessa análise, a tecnologia tem tido um papel importante. A fórmula matemática usada no matching estável foi concebida por Shapley em 1962, época em que Roth tinha apenas 11 anos. O prêmio acabou unindo os dois matemáticos porque Roth, hoje professor da Universidade Stanford, usou computadores para aplicar em grande escala a fórmula criada por Shapley, professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
“Agora meus alunos irão prestar mais atenção nas minhas aulas”, disse Roth, ao receber a notícia do prêmio. Um fator comum entre os laureados, tanto os de hoje como os do passado, é o atraso com que seus trabalhos são reconhecidos. Na maior parte das vezes, os estudos dos ganhadores precisaram se consolidar por vários anos para efetivamente ser reconhecidos como parte da teoria econômica.
É o que ocorreu com o psicólogo israelense Daniel Kahneman, Nobel em 2002, por seus artigos sobre finança comportamental escritos ainda na década de 70. O mesmo tinha acontecido antes com o americano Gary Becker, que escreveu seus primeiros textos relacionando economia com sociologia na década de 50 — o Nobel veio em 1992.
A riqueza de Smith
Mesmo com todo o barulho causado pela premiação de trabalhos mais, digamos, pop, ninguém arrisca dizer que o Nobel esqueceu temas ligados à macroeconomia. O economista americano Paul Krugman ganhou o prêmio em 2008 por seus estudos na área de comércio internacional.
O trabalho que deu o prêmio a Krugman foi estreitamente associado a insights de Adam Smith. Na série de livros chamada A Riqueza das Nações, lançada em 1776, Smith defendeu, entre outras coisas, a livre concorrência entre os empresários como forma de garantir preços mais justos e a inovação tecnológica.
Desde a publicação da obra-prima de Smith, a população mundial saltou de 1 bilhão para 7 bilhões de habitantes, houve duas grandes guerras mundiais, o surgimento e a derrocada do comunismo e a invenção dos computadores. Com toda essa evolução, é natural esperar que o estudo da economia também esteja se redescobrindo a cada dia.
O mais incrível, talvez, seja o fato de Smith continuar tão atual. Foi ele quem mostrou a utilidade e o dinamismo da economia de mercado e por que — e, em particular, como — esse dinamismo operava. Por mais pop que seja, o Nobel continua tão ortodoxo como sempre.