Matthew Rognlie, estudante do MIT que lançou trabalho questionando análise de Piketty (Reprodução/YouTube)
Da Redação
Publicado em 20 de abril de 2015 às 05h56.
São Paulo - Em 30 de março, o americano matthew Rognlie, de 26 anos, deixou de ser um número. Até aquele momento, ele era só mais um entre cerca de 600 000 estudantes de pós-graduação dos Estados Unidos. Apenas um dos 129 alunos do curso de doutorado em economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, conhecido pela sigla em inglês MIT.
Naquela sexta-feira, Rognlie ganhou luz própria ao dar uma palestra na Brookings Institution, um dos centros de pesquisa de maior prestígio de Washington. Foi a primeira vez que um aluno de Ph.D. em economia apresentou um trabalho no lugar onde costumam se reunir chefes de Estado, ministros e grandes nomes do meio acadêmico.
Como acontece em várias áreas da vida, na economia também é possível medir o sucesso de alguém pelas pessoas que param para ouvi-lo. Na seleta plateia reunida por Rognlie estavam Robert Solow, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1987 e considerado o pai da teoria do crescimento econômico; George Akerlof, ganhador do Nobel em 2001 e marido de Janet Yellen, atual presidente do Fed, o banco central americano; e Olivier Blanchard, o respeitado economista-chefe do Fundo Monetário Internacional.
“Fiquei um pouco tenso no início, achando que não conseguiria dizer tudo no tempo que tinha, mas, no fim, saiu tudo como o planejado”, diz Rognlie. Aquele era o grande dia de Rognlie, mas todos estavam lá porque sua palestra era uma feroz — e elegante — crítica ao trabalho de um economista que não estava presente: o francês Thomas Piketty.
Professor e pesquisador da Paris School of Economics, Piketty conquistou fama global no ano passado ao publicar nos Estados Unidos O Capital no Século 21, um calhamaço de quase 700 páginas sobre o tema da desigualdade social. Contra todas as expectativas, o livro virou um sucesso de vendas, foi lançado em cerca de 30 países e pautou, desde então, o debate sobre as dinâmicas que movimentam o acúmulo e a distribuição das riquezas.
Piketty coletou e padronizou dados inéditos em inúmeros países ao longo de várias décadas — principalmente na França, na Grã-Bretanha, na Alemanha e nos Estados Unidos. Algumas séries históricas voltam mais de 100 anos.
Ao analisar esses dados, o economista francês disse encontrar, com uma certa regularidade, um mesmo padrão: o retorno sobre o capital — o que inclui propriedades, investimentos, terras e máquinas — tende a ser maior do que o crescimento da economia. Em outras palavras, Piketty sugere que haveria uma força concentradora de riquezas inerente ao capitalismo. Assim como tudo o que é lançado ao ar tende a cair, a vantagem dos donos do capital sobre os demais só faz aumentar.
De forma polêmica, Piketty colocou o tema da desigualdade no centro das atenções, um feito nada desprezível. Escreveu um best-seller e virou assunto obrigatório no meio acadêmico, duas coisas que não costumam acontecer ao mesmo tempo. No MIT, onde Rognlie estuda, não foi diferente.
Rognlie ficou sabendo da existência de O Capital no Século 21 por um colega que tinha uma versão em francês — o livro foi primeiro lançado na França, em 2013, sem chamar muita atenção. Quando saiu no mercado americano em março de 2014, Rognlie correu para comprá-lo.
“Li antes que virasse um grande estrondo editorial, e minha primeira impressão foi que os dados e a ambição de Piketty eram incríveis, mas que o arcabouço criado por ele para interpretar os dados era de alguma forma fraco e muito vago.” Começava ali uma reflexão que, um ano mais tarde, o levaria para o centro do debate global sobre desigualdade.
Ainda no começo do ano passado, Rognlie leu uma resenha sobre O Capital no Século 21, escrita por Paul Krugman, ganhador do Nobel de Economia em 2008 e colunista do jornal americano The New York Times. Achou que tinha algo a acrescentar e escreveu um post no blog especializado em economia Marginal Revolution, organizado por dois professores de economia americanos.
O comentário virou um sucesso, Rognlie se motivou a escrever um ensaio sobre o assunto, colocou o texto em seu blog pessoal e, no fim de 2014, já havia recebido o convite para escrever uma versão mais longa e apresentá-la na Brookings Institution em março.
Em seu ataque, Rognlie tenta desfazer a ideia segundo a qual o retorno sobre o capital tende a ser constante e alto. Para sustentar sua tese, percorre dois caminhos. Ele argumenta que, numa situação em que o volume de capital de uma economia está crescendo, não é razoável achar que a taxa de retorno desse capital vai estar sempre constante, como diz Piketty.
Em algum momento ela vai começar a cair. Piketty argumenta que somente em situações extremas, como guerras, isso acontece. Rognlie diz que oscilações na taxa de retorno fazem parte do jogo.
Outro ponto discutido por Rognlie é o fato de Piketty usar o conceito de retorno bruto sobre o capital. Parece um detalhe qualquer, mas tem uma grande implicação. O cálculo bruto não considera a depreciação de propriedades, investimentos, terras e máquinas. Ao utilizá-lo, Piketty estaria inflando artificialmente o retorno do capital e chegando a uma conclusão errada sobre a principal causa do aumento da desigualdade.
“Alguns pontos citados por Rognlie já tinham sido falados por alto antes, mas ninguém organizou e embasou essas ideias como ele. É a melhor crítica feita até agora”, afirma a economista Monica Baumgarten de Bolle, tradutora para o português de O Capital no Século 21 e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, um importante centro de pesquisa localizado em Washington.
Também ouvido por EXAME, Piketty pegou leve com Rognlie: “Para ser honesto, acho que não há nada de novo na crítica que ele me faz. Fico contente de ver que o debate sobre desigualdade continua bem vivo. Isso deve explicar o interesse por trabalhos como esse”.
Com base na reação da seleta plateia de ganhadores de Nobel e economistas renomados durante a apresentação na Brookings, não se chega a um veredito. “Muitos comentários foram bem elogiosos ao trabalho de Rognlie”, relembra Steve Cicala, professor de políticas públicas da Universidade de Chicago e um dos presentes no auditório. Mas ouviram-se críticas também.
Ainda que tudo isso possa parecer uma discussão estéril de especialistas, o que está em jogo é a busca do conhecimento sobre as causas da desigualdade social, uma questão que andou por muito tempo fora do debate público.
Conclusões apressadas e imprecisas sobre suas causas podem levar governos a adotar políticas equivocadas — uma boa reflexão para o Brasil no momento que o governo de Dilma Rousseff pensa na taxação de fortunas e no aumento do imposto sobre heranças como solução.
Na disputa acadêmica sobre a acumulação de riquezas, a bola da vez está com Piketty. É ele quem precisa digerir o que foi dito na Brookings e apresentar uma resposta robusta. Para Rognlie, o relógio já bateu as 12 badaladas. Depois da palestra, levou uma bronca do professor do MIT que o orienta, para evitar o assédio da imprensa e tratar de acabar logo sua tese de doutorado.