Higiene: para aproveitar os resíduos dos bois dos frigoríficos, o Bertin montou fábricas e adquiriu marcas de xampu e sabonete, como Ox e Francis. Mas, depois de deixar a operação do frigorífico, ficou sem matéria-prima e vendeu a operação para a Flora, dos mesmos donos do JBS (Cristiano Mariz/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 8 de julho de 2013 às 06h00.
São Paulo - O bilionário americano Bill Gates disse certa vez que é gostoso celebrar o sucesso, mas que é mais importante tirar lições dos fracassos. Por essa ótica, o atual momento da economia brasileira tem muito a ensinar. Assim como os últimos cinco anos foram férteis em ascensões empresariais, os últimos meses trouxeram à tona estrondosas derrocadas.
O exemplo mais notório é o (ainda) bilionário Eike Batista, que perdeu 30 bilhões de dólares nos últimos meses e passou de candidato a mais rico do mundo a fiasco na bolsa. O caso mais dramático é do empresário Marcos Molina, dono do frigorífico Marfrig, que virou um dos maiores processadores de carne do mundo, mas quase quebrou com dívidas de 13 bilhões de reais.
Em junho, teve de vender a Seara, sua principal marca, para o rival JBS. Mesmo com uma concorrência tão forte, a história de ascensão e queda da família Bertin se destaca. De um frigorífico em Lins, no interior de São Paulo, os cinco irmãos que controlam o grupo criaram um conglomerado que se destacou pelo gigantismo, pela diversificação de seus negócios e pela incrível capacidade de fazê-los dar errado.
No auge, em 2008, o grupo dos irmãos Bertin chegou a faturar 10,5 bilhões de reais ao ano. Hoje, suas receitas equivalem a um oitavo disso. Para tentar salvar o que resta, e retomar a velha forma, os Bertin tentaram de tudo. Venderam participações em suas empresas, mudaram o comando e, agora, partiram para a briga com seus sócios.
O caso mais ruidoso envolve o frigorífico JBS, controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista. À beira da falência, os Bertin venderam seu frigorífico para o JBS em 2009, tornando-se acionistas minoritários dos Batista. Em junho, denunciaram a falsificação de duas assinaturas dos Bertin para o roubo de parte de suas ações na empresa.
Segundo os advogados da família, a suposta fraude é estimada em 900 milhões de reais. Eles dizem que um fundo para o qual as ações da família foram transferidas pertence aos Batista — que, procurados, não comentam o negócio.
Em outro acerto de contas, os Bertin acusam de má gestão e de irregularidades financeiras seu sócio em duas pequenas usinas hidrelétricas, o mato-grossense Grupo Dias. A família cobra 200 milhões de reais — cálculo baseado em dívidas que não teriam sido pagas pelo sócio aos Bertin. O Grupo Dias diz que as contas eram auditadas, e as decisões, tomadas em conjunto.
O caso também está na Justiça. “Estamos colocando a casa em ordem. Isso envolve ir atrás de pendências antigas”, diz Wendel Caleffi, ex-executivo do Banco do Brasil, que assumiu o posto de diretor financeiro do grupo depois de dois anos atuando em uma empresa de concessões rodoviárias da família.
Segundo funcionários e ex-executivos do grupo, os problemas da família se devem a uma mistura de ambição desmedida com certa dose de irresponsabilidade financeira. O frigorífico, fundado em 1977, tinha fama de bem administrado. Chegou a ser o maior do país na virada do século e, na época da venda para o JBS, em 2009, sua margem operacional era quase três vezes maior.
Mas, para crescer, os irmãos Bertin se afundaram em dívidas que se provaram impagáveis. Nem mesmo a mãozona do BNDES de Luciano Coutinho, que investiu 2,5 bilhões de reais no frigorífico, resolveu. Os Bertin foram obrigados a vender a empresa. Em paralelo, os irmãos resolveram investir em novos ramos — sempre fiéis a seu estilo, digamos, arrojado.
Alguns eram vinculados à atividade principal, como uma fabricante de equipamentos de proteção individual (botas e luvas, por exemplo) que usava o couro dos bois e uma empresa de cosméticos e produtos de higiene para aproveitar os resíduos do abate dos animais.
Em 2007, pagaram 400 milhões de reais pelo controle da processadora de lácteos Vigor, que queriam transformar em sua marca de alimentos processados.
Outros investimentos eram completas novidades, como uma construtora, aberta nos anos 90, uma pequena usina hidrelétrica, comprada em 2001 para escapar do racionamento de energia, e uma empresa de concessões rodoviárias, que hoje é sócia do rodoanel, em São Paulo. Com os bois a coisa já estava difícil — juntar os outros negócios no bolo piorou tudo.
O tropeço mais esdrúxulo aconteceu no setor de energia. Como a primeira geradora do grupo deu dinheiro, os irmãos Bertin resolveram repetir a estratégia em uma escala maior.
Mas nem tudo é tão simples quanto parece. Dois dias após o estouro da crise de 2008 — o fatídico 15 de setembro, data da quebra do banco americano Lehman Brothers —, o Bertin participou de um leilão em que seriam vendidos direitos de construção de usinas termelétricas. Assustados com a crise, os concorrentes desistiram, mas o Bertin e seu sócio à época, a empresa de infraestrutura Equipav, foram em frente.
“A ideia era fazer ofertas para todas as usinas, mas levar só algumas”, diz Caleffi. Acontece que, sem concorrentes, o Bertin levou 21 concessões. De uma hora para a outra, tornou-se responsável por construir usinas com potência de 5 700 megawatts — mais da metade da capacidade de Itaipu, o que transformaria o grupo no segundo maior gerador privado do país. Pouco depois, o Equipav enfrentou dificuldades financeiras e as concessões ficaram com o Bertin.
Sem crédito
Fernando Bertin, o irmão responsável pela área de energia, precisaria captar 6 bilhões de reais para fazer os investimentos. Mas o mercado estava em crise e, depois de se desfazer do frigorífico, os Bertin não tinham mais fábricas para dar como garantia aos credores. Para emprestar o dinheiro, os bancos passaram a exigir uma contrapartida de 2 bilhões de reais, que os Bertin não tinham.
O grupo só conseguiu aportar 750 milhões de reais e os financiamentos não saíram. Resultado: apenas duas usinas ficaram prontas. O atraso nas obras levou a multas da Agência Nacional de Energia Elétrica, que chegam a 350 milhões de reais, mas estão suspensas por uma liminar.
A ambição era tamanha que o Bertin chegou a participar do consórcio dono da concessão da hidrelétrica de Belo Monte, uma das obras mais complicadas do mundo. Foi outro fiasco: o grupo teve de sair do consórcio em alguns meses por não apresentar as garantias necessárias. O fracasso do Bertin em energia provocou até mudanças na avaliação da capacidade financeira dos candidatos em leilões de geração. Agora, o governo exige garantias para cada projeto.
O eleito da família para tentar salvar o grupo é Reinaldo, que comandava um dos poucos negócios saudáveis — a empresa de construção. Em 2012, ele assumiu a presidência do conselho no lugar do irmão Fernando e contratou Ricardo Knoepfelmacher, da consultoria Angra Partners, como novo presidente executivo. Três usinas foram vendidas à MPX, de Eike Batista, e 12 concessões devolvidas ao governo. Seis usinas estão sendo negociadas com o grupo gaúcho Bolognesi, que atua nos mercados de energia e infraestrutura.
Também é Reinaldo que está à frente da briga com os sócios do JBS. Basta analisar a estrutura societária em que eles se meteram para perceber as razões de sua insatisfação. A família tem ações de uma holding controlada pelos Batista — essa holding, por sua vez, controla o JBS.
Na prática, os Bertin não têm ações do frigorífico. Se tivessem, poderiam vendê-las no mercado quando bem entendessem. Mas, como são sócios minoritários de uma holding de capital fechado, acabam no pior dos mundos. Não podem vender ações, não apitam no negócio e, pior, cabe aos Batista decidir se a holding distribuirá ou não dividendos — o que não acontece desde que a sociedade entre as famílias foi fechada, em 2010.
Executivos próximos aos Batista têm dito que o processo movido pelos Bertin é uma tentativa desesperada de conseguir alguma liquidez para a família, que estaria com nome sujo nos serviços de proteção ao crédito em razão de dívidas não pagas.
Os Bertin dizem que seu objetivo é apenas recuperar o patrimônio que teria sido tungado pelos sócios. Na acusação, o advogado Sergio Bermudes qualifica a transferência das ações dos Bertin para um fundo com sede nos Estados Unidos de “escancarada falcatrua”. A Justiça concedeu uma liminar impedindo o tal fundo de passar adiante as ações que os Bertin dizem ser suas. Foi uma vitória — a primeira da família em muito tempo.