Sem vocação: a dois anos das eleições, ainda há dúvidas se Rahul Gandhi tem competência para disputar o cargo de primeiro-ministro (Ajay Aggarwal/Hindustan Times/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 26 de janeiro de 2013 às 07h00.
São Paulo - No cenário político mundial, algumas famílias se perpetuam no poder ao longo de décadas. Nos Estados Unidos, os Kennedy já elegeram um presidente e há cinco gerações estão enfronhados na vida pública americana. No Japão, a família Hatoyama emplacou dois primeiros-ministros e dois ministros em 55 anos.
É claro que nesses casos o sobrenome ajuda — e muito —, mas os jovens descendentes das dinastias políticas precisam ter ambição para continuar o legado. Que o digam os Gandhi, na Índia. O atual herdeiro da família, Rahul, é um dos cotados para liderar o Partido do Congresso nas eleições de 2014 e, em caso de vitória, ocupar o cargo de primeiro-ministro. Tudo estaria resolvido se Rahul, de 42 anos, fosse carismático e, acima de tudo, tivesse aptidão para liderar, o que não parece ser o caso.
Apesar de sua falta de talento para a política, é difícil pensar em outro destino para Rahul que não seja ligado às urnas. Ele é filho do ex-primeiro-ministro Rajiv Gandhi, morto em 1991, e de Sonia Gandhi, atual presidente do Partido do Congresso, que governa a Índia.
Rahul é neto de Indira Gandhi, primeira-ministra durante 15 anos, e bisneto de Jawaharlal Nehru, que liderou o país por 17 anos após lutar pela independência ao lado de Mahatma Gandhi (apesar do mesmo sobrenome, não há parentesco entre as duas famílias). Em quase sete décadas, a família Nehru-Gandhi comandou a Índia metade do tempo.
Incógnita
Rahul costuma ser descrito como um sujeito sem pulso nem credenciais para liderar. Para a opinião pública indiana, ele é um mistério. Educado nas universidades Harvard, nos Estados Unidos, e de Cambridge, no Reino Unido, trabalhou na consultoria Monitor Group após completar os estudos. Em 2004, foi lançado no mundo político e eleito para uma cadeira no Parlamento. Hoje, ao final de seu segundo mandato, não tem muito a mostrar. Nas suas raras aparições em eventos políticos, resume-se a posar para os fotógrafos.
Avesso a entrevistas, não se sabe o que ele pensa e como conduziria a economia caso eleito. No final de outubro, o primeiro-ministro Manmohan Singh reformulou seu gabinete e era esperado que Rahul assumisse algum posto-chave no governo na tentativa de lustrar seu currículo. Mas ele não quis, o que reforçou a impressão de que o político se recusa a encarar maiores responsabilidades. Até recentemente, Rahul se dedicava a reorganizar a ala jovem de seu partido.
Em dezembro, ele foi escalado para liderar a campanha dos governistas às eleições gerais de 2014 — um novo teste ao trânsito político do herdeiro dos Gandhi. No último grande pleito para os parlamentos regionais, no começo de 2012, ele centrou os esforços na província de Uttar Pradesh, com quase 200 milhões de habitantes. Ao final da contagem dos votos, seu partido foi o quarto colocado.
"Rahul terá de superar suas deficiências para emergir como uma figura que deve ser levada a sério. Não basta ser um sucessor da dinastia Gandhi", diz a jornalista Aarthi Ramachandran, autora da biografia não autorizada Decoding Rahul ("Interpretando Rahul", numa tradução livre).
A falta de aptidão de Rahul não é o único problema da família. O genro de Sonia Gandhi, Robert Vadra, é acusado de enriquecimento ilícito com investimentos imobiliários. Segundo a imprensa local, o patrimônio dele teria aumentado de 100.000 para 55 milhões de dólares em apenas quatro anos.
Enquanto a dinastia Gandhi debate sobre seu futuro, a economia da Índia está desacelerando diante da crise europeia e do menor crescimento da China. O modelo que permitiu à Índia crescer acima de 6% ao ano desde 2002 dá sinais de fraqueza. Sem reformas importantes há quase 20 anos, o país continua convivendo com uma burocracia monstruosa e uma péssima infraestrutura — ruim até em comparação com a brasileira.
No ano passado, a Índia foi protagonista do maior blecaute da história da humanidade. Mais de 600 milhões de pessoas ficaram quase três dias sem energia. São desse naipe os problemas à espera do próximo primeiro-ministro indiano. Quanto mais os indianos se debruçam sobre os desafios à frente, mais ficam com a impressão de que os Gandhi não estão mais à altura do cargo.