Festa popular na China: neste ano, a expansão não passará de 7% (AFP)
Da Redação
Publicado em 18 de julho de 2012 às 11h30.
Nova York - A China desperta temor em boa parte do mundo há pelo menos duas décadas. A princípio, pela rapidez avassaladora com que dizimou concorrentes ao inundar o planeta com produtos a preços baixíssimos. Hoje, o temor permanece, mas pelo motivo contrário — a ameaça de uma queda brusca no vigoroso ritmo de crescimento do país, a segunda maior economia mundial.
Desde os anos 90, a China cresce a uma taxa acima de 10% ao ano. Em 2012, analistas preveem uma expansão em torno de 7%. Alguns cogitam a possibilidade de uma desaceleração abrupta, com consequências potencialmente dramáticas para o mundo todo. Até onde vai o fôlego chinês?
EXAME colocou a questão para dois especialistas — um pessimista e outro otimista. O economista Michael Pettis, professor da Universidade de Pequim, prevê um cenário alarmante. O investidor americano Jim Rogers, ex-sócio de George Soros e dono da empresa de investimentos Rogers Holdings, acredita na resistência chinesa. A seguir, os principais trechos das entrevistas.
EXAME - A economia chinesa vai se retrair de forma brusca?
Michael Pettis - Sim, o modelo de crescimento chinês é insustentável. Um intenso cronograma de investimento comandado pelo Estado se tornou a principal fonte de crescimento do país nos últimos anos. Como a dívida cresce de maneira bem mais veloz que a economia, essa situação não poderá continuar por muito tempo.
Uma queda acentuada no crescimento da economia parece inevitável. Como este é um ano de transição política, com a passagem do comando do país no início de 2013, é possível que o governo se esforce para manter um ritmo razoável neste ano. Não mais do que isso.
Jim Rogers - Não acredito nisso. Está claro que o ritmo das últimas duas décadas, acima de 2 dígitos, diminuirá nos próximos anos, mas o governo tem instrumentos para administrar um desaquecimento suave. Parte da economia continuará próspera, como a agricultura e os negócios ligados ao tratamento de água. Muita gente continuará a fazer muito dinheiro na China.
EXAME - Até que ponto a China investiu bem nos últimos anos?
Michael Pettis - Até os anos 90, boa parte do investimento era viável. Desde então, muito dinheiro foi gasto com centenas de projetos imobiliários vazios, infraestrutura excessiva e expansão da capacidade das fábricas, sendo que o mundo já tem excesso de capacidade produtiva.
Jim Rogers - No geral, os planos de investimento foram bem arquitetados. Por outro lado, o que funcionou no passado não vai funcionar daqui para a frente. O desafio da China está no futuro — como não se tornar um país semelhante aos Estados Unidos, que acumularam uma dívida gigantesca sem investir para se tornarem mais competitivos no longo prazo, e sim para manter burocratas em seus empregos.
EXAME - A China precisa de um novo modelo de crescimento?
Michael Pettis - Sim. E a única maneira de conseguir isso é aumentar a renda média da população. É fácil dizer e difícil executar. Desde 2005, quando o governo chinês anunciou claramente a intenção de fazer essa transição, o consumo interno só diminuiu sua participação no PIB.
Jim Rogers - Sim. Depois que você construiu um trem-bala entre Pequim e Xangai, não faz sentido construir outro ao lado do primeiro. Mudar a rota de expansão é um curso natural. A China já fez muitos investimentos estatais que puxaram fortemente sua economia. Agora, o dinheiro tem de ir a outros lugares para fomentar o consumo interno.
EXAME - Qual será a dificuldade do país em encontrar um novo caminho para crescer?
Michael Pettis - O modelo atual transfere riqueza da população, que recebe salários baixíssimos, e assim subsidia o crescimento do país. Aumentar a renda dos chineses significa abrir mão de uma importante fonte de crescimento. Politicamente, é muito difícil fazer isso.
Jim Rogers - A transição de uma economia baseada em investimento estatal e exportação para outra apoiada no crescimento do consumo interno tende a acontecer naturalmente — mas é um processo de longo prazo. Os salários já são maiores do que no passado.
Aos poucos, a classe média chinesa se tornará mais robusta. Isso levará tempo e alguns percalços podem surgir ao longo das próximas décadas. No século 19, os Estados Unidos tiveram 15 recessões. E se tornaram o país mais bem-sucedido do século 20. A China tem o mesmo desafio pela frente.
O ciclo de prosperidade se completará à medida que os chineses tiverem mais poder de consumo e sentirem mais segurança em gastar e não economizar para se proteger de imprevistos. Isso não vai acontecer só porque o governo quer que aconteça.
EXAME - Além do desafio do crescimento, existe uma bolha imobiliária à vista?
Michael Pettis - Existe uma bolha decorrente do excesso de liquidez e de taxas de juro extremamente baixas. A saída é aumentar os juros. Mas como os chineses se acostumaram a tomar empréstimo barato e farto, aumentar as taxas agora pode resultar em insolvências.
Jim Rogers - Sim. Quem investiu no setor imobiliário sofrerá um revés e perderá muito dinheiro. Mas não acredito que outros setores enfrentarão o mesmo tipo de problema.
EXAME - Há pressões para que o país valorize sua moeda. Qual seria a consequência imediata disso para a economia chinesa?
Michael Pettis - O impacto positivo é tornar o consumo mais acessível para a população e, dessa maneira, reduzir a desproporção que existe atualmente entre o volume de investimento estatal em infraestrutura e a capacidade de compra dos cidadãos.
O impacto negativo é tornar o país menos atraente para as exportações e, dessa forma, aumentar o desemprego. A China tem de mudar, mas não pode mudar facilmente. É a consequência clássica de deixar políticas distorcidas em vigor por muito tempo.
Jim Rogers - Não acredito numa transição brusca. A moeda chinesa tende naturalmente a valorizar mais que o dólar nos próximos anos. O efeito disso não será homogêneo — vai ser bom para a população e vai ajudar a criar um novo ciclo de prosperidade.
EXAME - Qual seria o impacto do arrefecimento chinês para a economia mundial?
Michael Pettis - Grandes exportadores de commodities, como o Brasil, vão sofrer com a queda drástica dos preços, numa redução que poderá chegar a 50% ou mais. Grandes importadores se darão bem pela mesma razão.
Jim Rogers - O mundo já sofre com os desdobramentos da crise nos Estados Unidos e na Europa. Um cenário pessimista representa piorar um contexto que já é bastante dramático. Mas não se pode esquecer uma diferença fundamental entre a China, um dos maiores credores do mundo, e outras grandes economias: o fôlego para investir.