Revista Exame

O fundo Pátria vai se entender com seus 70 sócios na Alliar?

O fundo de investimento Pátria criou a terceira maior rede de diagnósticos do país, a Alliar. O desafio agora é conviver com mais de 70 sócios


	Terni (ao centro), presidente da Alliar, e médicos-sócios: decisões por consenso
 (Germano Luders/EXAME)

Terni (ao centro), presidente da Alliar, e médicos-sócios: decisões por consenso (Germano Luders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 3 de março de 2016 às 05h56.

São Paulo — Todos os números relacionados à rede de laboratórios Alliar apresentam uma curva de ascensão espantosa. Criada em 2011, a empresa controlada pelo fundo de investimento Pátria já comprou 23 laboratórios de diagnóstico por imagem. Em 2015, a rede faturou 950 milhões de reais e tornou-se o terceiro maior grupo de medicina diagnóstica do Brasil, atrás dos líderes Dasa e Fleury.

Na formação da Alliar, outro número se multiplicou de maneira impressionante: a quantidade de sócios. Hoje, o Pátria detém quase 27% das ações — o restante pertence a 75 médicos, grupo que tende a crescer com novos negócios.

O mais recente já foi aprovado pelo Cade (órgão que regula a concorrência no país) e está em fase final de negociações: a incorporação do baiano Delfin, maior grupo de diagnóstico por imagem da Região Nordeste. “Todas as decisões importantes são tomadas por con­senso”, afirma o executivo Fernando Terni, presidente da Alliar.

É a primeira vez que o Pátria segue um modelo de integração, digamos, tão inclusivo. Em outros negócios, como a formação do Dasa e da rede de ensino Anhanguera, valeu a premissa de manter poucos sócios para acelerar decisões. No caso da Anhanguera, o Pátria chegou a ter 82% do capital — e, após 30 aquisições, só sobraram os sócios da primeira universidade adquirida.

É o que se vê na maior parte dos casos de consolidação. “Em geral, os fundos compram a maioria das ações para ter mais poder de decisão e escolhem apenas uma empresa de destaque para manter o sócio-fundador na gestão”, diz Viktor Andrade, especialista de fusões e aquisições da consultoria EY.

Trilhar o caminho mais difícil foi uma condição imposta ao Pátria pelos sócios iniciais. De outra maneira, os médicos não topariam fechar negócio. Em 2010, os donos de quatro redes de laboratórios do interior dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, diante da expansão do Dasa e do Fleury, decidiram unir suas operações. O grupo considerou a proposta de 12 investidores.

Entre outras razões, o Pátria foi escolhido por concordar em dar voz aos médicos nas decisões relacionadas à qualidade dos serviços. O acordo demorou nove meses para ser concluído e determina que o Pátria tem soberania em todas as decisões financeiras. Mas decisões mais técnicas, como a escolha de novas máquinas e equipamentos para os laboratórios, é feita por um comitê médico.

“Nenhum sócio pode tomar decisões sozinho, o que nos leva a negociar o tempo todo”, diz Fernando Pereira, diretor de expansão da Alliar e sócio do Pátria.
A opção pelo modelo não se guiou apenas pela exigência dos médicos. Os sócios do Pátria perceberam que manter o equilíbrio entre a visão operacional e o ponto de vista técnico seria vital. Os laboratórios de análises clínicas funcionam quase sob uma lógica industrial. Amostras de sangue são levadas para grandes centros onde máquinas cuidam de boa parte do trabalho.

Já nos diagnósticos por imagem, como o de ultrassonografia, que compõem 90% do faturamento da Alliar, o exame de cada paciente tem de ser analisado individualmente por um médico. Qualquer mudança atabalhoada pode arruinar a reputação do negócio. “Dependemos integralmente de bons médicos, porque nosso produto final é o laudo do especialista”, diz Pereira, do Pátria.

A ideia é evitar uma trajetória semelhante à do Dasa. Em 2011, três anos depois da ­venda da participação do Pátria na companhia, uma pesquisa com 400 pessoas, entre pacientes e médicos, revelou que a maioria achava a qualidade dos laudos do laboratório Delboni, principal marca do Dasa, questionável.

Na base das decisões consensuais, os sócios afirmam que até agora foi possível cortar custos sem descontentar os médicos. Um exemplo disso é a criação de uma equipe única de técnicos operadores capazes de operar remotamente as máquinas que realizam os exames. Eles foram concentrados em cinco salas de comando no país, conectadas pela internet a cada laboratório.

Como se alternam no atendimento de todas as unidades, os técnicos não ficam mais ociosos entre um exame e outro. Em vez de atender dois pacientes por hora, agora atendem três. O novo formato também resolveu o problema de escassez de mão de obra em regiões como Parauapebas, no Pará. O rearranjo ajudou a diminuir em 70% o índice de reconvocação de pacientes devido a exames malfeitos.

“A automação permite que os técnicos consultem os melhores especialistas da rede mais rapidamente para tirar dúvidas”, diz Juan Cevasco, diretor médico da Alliar.

Para verificar o desempenho dos laboratórios, os gestores acompanham em tempo real indicadores como quali­dade de atendimento num painel instalado na sede da companhia. Um centro de serviços compartilhados montado em Belo Horizonte concentra áreas de apoio, como finanças e RH. A companhia estima que os ganhos de sinergia gerem uma economia de 25% nos custos de cada empresa incorporada.

Os sócios afirmam acreditar tanto na gestão compartilhada que pretendem perpetuá-la com um plano de sucessão. O desempenho dos cerca de 1 000 médicos do corpo clínico dos laboratórios é avaliado e os 20% melhores podem comprar ações da empresa. Até agora 20 médicos já foram incorporados à sociedade dessa maneira.

O modelo, no entanto, não é unânime. “Os médicos podem dar sua opinião nos comitês, mas a decisão final sempre é do Pátria”, afirma o ex-sócio Rogério de Aguiar Ferreira, líder do grupo dos quatro primeiros laboratórios que deram origem à Alliar. Ele vendeu sua participação — na época, de 36% — no ano seguinte, depois da formação da empresa.

O equilíbrio dessa governança tende a ficar mais complexo à medida que ingressam sócios de peso. Hoje, depois do Pátria, os sócios com maior concentração individual são Sergio Tufik e seu primo Roberto Kalil, que juntos detêm quase 50% de participação. Os dois fundaram há 18 anos o laboratório paulista CDB, adquirido pela Alliar em novembro de 2014 e que já representa 40% do faturamento da companhia.

Após a compra, a sede do Alliar foi transferida para o prédio em que funciona o CDB, na zona sul de São Paulo. O genro e o filho de Kalil tornaram-se, respectivamente, diretor médico e diretor comercial da Alliar. Com o tempo, o risco é que os minoritários se sintam alijados.

Na experiência passada do Pátria no Dasa, minoritários apontaram ine­fi­ciên­cia nas operações porque prestadores de serviços eram parentes do médico e sócio Caio Auriemo. “Só não estou 100% contente com o projeto porque há uma inevitável diluição de poder”, diz Cláudio Ramos, diretor médico do Cedimagem, de Juiz de Fora, no interior de Minas Gerais.

Ramos, um dos quatro sócios iniciais, tem 6% de participação na Alliar. Ainda assim, ele e outros sócios ouvidos por EXAME afirmam estar satisfeitos com o modelo de participação em comitês e no conselho (veja quadro). Em geral, o Pátria costuma vender a participação nas empresas que controla de sete a dez anos depois da primeira fusão. No caso da Alliar, ainda há pelo menos dois anos pela frente.

Enquanto isso, o foco é crescer mais. O fundo obteve um financiamento de 100 milhões de reais no BNDES para estender a operação aos 26 estados brasileiros — faltam 18. Além das redes compradas, a companhia abriu 32 unidades. Até 2017, o plano é inaugurar outras 20 com as várias marcas regionais. Aquisições continuam na mira. Diante da ambição do Pátria, o grupo de mais de 70 sócios parece pequeno.

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