Cada um em seu lugar: depois de rever o perfil ideal para cada cargo de seu primeiro escalão, o Pão de Açúcar trocou quatro vice-presidentes de cadeira — os outros 11 vice-presidentes foram mantidos no mesmo cargo (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 24 de novembro de 2011 às 13h48.
São Paulo - Em março, acompanhados por abilio diniz, presidente do conselho de administração do Pão de Açúcar, os 11 principais executivos da maior rede varejista do país deixaram a sede da companhia, em São Paulo, e embarcaram numa viagem de quase 10 000 quilômetros em direção à pequena cidade de Boulder, aos pés das Montanhas Rochosas no estado americano do Colorado.
Foi uma das poucas vezes desde a fundação da companhia, em 1948, que toda a sua diretoria se afastou de uma vez da operação diária — para uma viagem que vinha sendo planejada há mais de um ano.
Durante dois dias, o grupo participou de um workshop com o americano Jim Collins, o pensador mais incensado do mundo dos negócios da atualidade.
Fanático por escaladas e ex-professor da Universidade Stanford, Collins se tornou o autor favorito de Abilio Diniz desde a publicação de seu segundo e mais aclamado livro, Empresas Feitas para Vencer, lançado em 2001. O objetivo de Abilio com a excursão era mergulhar nas teses de Collins.
Depois de dois dias isolado em meio às montanhas, em jornadas que incluíram palestras e trabalhos em grupo entre os executivos, o time voltou ao Brasil decidido a fazer alterações radicais. Essa experiência levou o Pão de Açúcar a trocar de posição quatro dos nove integrantes da diretoria executiva.
“Fomos a Boulder porque queríamos ser como aquelas companhias do livro de Collins”, diz Enéas Pestana, presidente do Pão de Açúcar. “Estávamos num ótimo momento, mas queríamos ser ainda melhores.”
A dança das cadeiras dos executivos do Pão de Açúcar partiu de uma recomendação de Collins: “Voltem para o Brasil e se certifiquem de que pelo menos 95% dos cargos-chave da empresa tenham as pessoas certas”. A reavaliação, que levou dois meses, resultou em trocas radicais.
A carioca Claudia Elisa, por exemplo, que há dois anos ocupava a área de recursos humanos do grupo, assumiu a recémcriada vice-presidência de estratégia de mercado.
O vice-presidente de mercados regionais, Marcelo Lopes, tornou-se vice-presidente de logística. As mudanças representaram uma ruptura na tradição do Pão de Açúcar.
“A companhia era famosa por seus silos. Uma pessoa começava e terminava a carreira na mesma área”, diz Boris Leite, presidente da consultoria Axialent, contratada pelo Pão de Açúcar para auxiliar nas mudanças.
Logo após a viagem, o ponto de partida foi simbolicamente “tirar” os diretores do cargo. Nesse momento, Pestana — com a ajuda das consultorias Human Side e Axialent — redefiniu os atributos de cada posição.
Em seguida, os vice-presidentes foram avaliados pelas consultorias, por Pestana e Claudia Elisa (até então responsável pela área de RH) e receberam notas de 1 a 5 em quesitos como capacidade de análise, comunicação e polivalência.
Cada cargo possuiu um mix de pelo menos quatro quesitos. Para cruzar as duas informações, o Pão de Açúcar usou um software desenvolvido internamente capaz de analisar todos os dados e indicar os melhores nomes por cargo. “Era uma enorme responsabilidade, já que as pessoas estavam bem em suas funções antigas”, diz Pestana.
Para evitar um caos na transição, entre julho e outubro os VPs que mudaram de cargo contaram com a ajuda de tutores — os antigos ocupantes das posições. Mesmo com orientação, aprender uma função é sempre um processo estressante.
A executiva Claudia Elisa, por exemplo, dedica quase 15 horas por semana para ler artigos e relatórios de bancos sobre companhias de varejo para entender as estratégias de crescimento.
Além disso, passou a viajar uma semana por mês para conhecer lojas em Chicago, Paris e Londres. “Quando recebi a notícia, fiquei sem dormir à noite, mas já passei por muitas áreas na minha carreira, como finanças, jurídico e distribuição. Estratégia não vai ser um problema”, diz ela.
Embora nunca tivesse trabalhado nessa área, Claudia se credenciou para o posto por qualidades que vão muito além das habilidades técnicas: fala diversos idiomas, canta e toca piano (o que, para os consultores, demonstrou uma versatilidade fundamental para quem terá de procurar novos negócios). “Percebemos que valores e personalidade são as questões mais importantes”, diz Pestana. “Os macetes do cargo se aprendem mais facilmente.”
Uma das características que passaram a ser preponderantes no perfil de todos os cargos é a humildade — também graças a Jim Collins, que define como modelo de eficiência o chamado líder nível 5. “São pessoas que se preocupam com o sucesso da empresa, e não com sua própria riqueza ou renome pessoal”, diz Collins no livro Empresas Feitas para Vencer.
Para mostrar que a humildade vai ser de fato valorizada, o Pão de Açúcar alterou o sistema de remuneração dos executivos. Os planos de opções de ações — que pagam os benefícios apenas depois de três anos — ganharam peso. Em 2009, representavam apenas 10% da remuneração variável. Agora, a parcela chega a 50% (ou até nove salários extras por ano).
“Não queremos pessoas que pensem apenas no hoje e contaminem o ambiente com ambição desmedida”, diz Sylvia Leão, que trocou a área de hipermercados pela de gente e gestão.
Em novembro, os diretores do Pão de Açúcar voltaram a encontrar Jim Collins numa palestra para 400 funcionários na sede da companhia, em São Paulo. Collins chegou de helicóptero e falou por cerca de 2 horas.
A ideia era fazer com que mais gente se familiarizasse com suas teorias, que passarão a reger as promoções de todos os cargos de gerência daqui para a frente. Em novembro, o Pão de Açúcar concluiu a avaliação dos 1 200 gerentes da rede.
Com o resultado dos perfis em mãos, todos serão considerados para promoções à medida que as vagas forem abertas, mesmo que em áreas completamente diferentes daquelas em que trabalham. “Nosso maior desafio vai ser fazer o sistema funcionar na base”, diz Pestana. “As trocas entre as áreas vão virar parte do dia a dia.”