Revista Exame

O custo para a Argentina de adiar seu ajuste fiscal

O presidente argentino, Mauricio Macri, demorou tempo demais para cortar gastos e equilibrar as contas do governo — um alerta para o Brasil

Mauricio Macri, presidente da Argentina: por dois dias, Buenos Aires concentrou os principais nomes da política internacional, além do anfitrião Macri (Anton Novoderezhkin/Tass/Getty Images)

Mauricio Macri, presidente da Argentina: por dois dias, Buenos Aires concentrou os principais nomes da política internacional, além do anfitrião Macri (Anton Novoderezhkin/Tass/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 13 de setembro de 2018 às 05h01.

Última atualização em 13 de setembro de 2018 às 06h24.

Que diferença faz um ano na ArgentinaNo segundo semestre de 2017, era como se tudo estivesse dando certo para o presidente Mauricio Macri. Suas reformas econômicas começavam a dar resultado e o produto interno bruto voltava a crescer acima dos 3% ao ano. Na política, o presidente comemorava o bom desempenho de sua coalizão Cambiemos nas eleições legislativas de outubro. Depois de quase 12 meses, o vento passou a soprar na direção oposta -— e com a força de um furacão. Por causa de uma série de fatores, incluindo o aumento das taxas de juro nos Estados Unidos, a Argentina passou a sofrer uma forte pressão cambial que vem causando um desequilíbrio em suas contas públicas, fez o país recorrer a um empréstimo de 50 bilhões de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ameaça jogar a economia de volta a uma forte recessão. Isso ocorre a pouco mais de um ano da próxima eleição presidencial, em outubro de 2019, quando Macri tentará ser reeleito. Não é exagero dizer que o presidente argentino enfrenta hoje sua maior crise desde a posse em dezembro de 2015.

A situação atual da Argentina surpreende porque, durante mais de dois anos, o país parecia estar no rumo certo. Logo depois de assumir a Presidência, o liberal Mauricio Macri tratou de corrigir o pesado intervencionismo estatal instalado pela ex-presidente Cristina Kirchner, de centro-esquerda. Em poucos meses, a Argentina voltou a ter estatísticas econômicas confiá-veis, adotou um aclamado regime de câmbio flutuante e reduziu parte dos enormes subsídios nas contas de gás e eletricidade que consomem recursos públicos. O governo também chegou a um acordo com os chamados “fundos abutres” — credores que cobravam na Justiça americana o pagamento de dívidas renegociadas pela Argentina em 2005 — e voltou ao mercado de crédito internacional. Os investidores retomaram os empréstimos para a Argenti-na e o presidente passou a seguir uma agenda de investimentos para promover obras públicas que, assim como no Brasil, são necessárias para reduzir os problemas de infraestrutura. Em 2017, a economia argentina cresceu 2,9%, um nível de expansão que o Brasil não vê desde 2013. Mesmo com a recente piora, alguns setores continuam aquecidos, como o de eletroeletrônicos. A venda de televisores subiu 78% em junho em relação ao ano passado. O mesmo ocorreu com aparelhos de ar-condicionado (70%), geladeiras (10%) e computadores (8%). O número de passageiros de avião bateu o recorde histórico.

Nessa onda reformista, o governo argentino apostou que a volta do crescimento sozinha reequilibraria as contas públicas. Macri evitou fazer cortes de gastos profundos e reduzir ainda mais os subsídios aos preços da energia, para não aumentar a já altíssima inflação, que beira 30% ao ano. Mas o equilíbrio não veio. Em 2018, o humor dos investidores estrangeiros em relação aos países emergentes mudou, e foi aí que os problemas estruturais da Argentina voltaram à superfície — a alta dependência de financiamento externo, as baixas reservas internacionais, um mercado consumidor modesto e uma pauta de exportação pouco variada, composta majoritariamente de produtos agrícolas. “A Argentina está pagando o preço da política de gradualismo fiscal. A estratégia funcionou por um tempo, mas era óbvio que, para ajustar as contas mais depressa, o governo teria de comprometer o crescimento”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisas econômicas para América Latina do banco Goldman Sachs. É uma análise que pode servir de alerta para o próximo presidente do Brasil, que assumirá também sob forte pressão fiscal.

Num pronunciamento recente na televisão, o presidente Macri se defendeu dizendo que a Argentina foi atingida por uma sequência de tempestades que não podiam ser previstas. Mas o fato é que durante seu governo a dívida pública da Argentina aumentou de 52% do PIB, em 2015, para 59%, no primeiro trimestre deste ano. Com o agravamento da crise, os economistas preveem que a dívida chegue a 78% no fim do ano, o que causa ainda mais apreensão.

Para os economistas entrevistados por EXAME, a derrocada argentina começa com o aumento dos juros nos Estados Unidos desde 2016, reduzindo a oferta de dólares para os países emergentes. Desde então, investidores começaram a se preo-cupar com a capacidade de países como Argentina e Turquia honrarem suas dívidas externas, e isso prejudicou ainda mais a situação. O maior impacto se deu no câmbio. De maio a setembro, o peso argentino sofreu uma rápida desvalorização, de mais de 50%, a maior variação observada nas moedas de países emergentes. No começo do ano, o dólar era negociado a 18 pesos, um pouco acima dos 15 pesos que valia quando a Argentina adotou o regime flutuante. No início deste mês, havia chegado a 38 pesos.

A taxa de câmbio é importante porque 70% da dívida pública argentina está em moeda estrangeira. E, quanto mais o peso desvaloriza, maior é a quantidade de dinheiro necessária para pagar os juros da dívida. Diferentemente do que ocorre no Brasil, o Banco Central da Argentina tem reservas internacionais relativamente baixas — cerca de 50 bilhões de dólares, já contando parte do empréstimo dado pelo FMI em junho -— e tem menos ferramentas para suavizar a desvalorização do peso. A saída é elevar a taxa de juro de referência — hoje em 60% ao ano, a maior do mundo —, para evitar uma fuga maior de investidores externos.

Para completar a difícil situação, a atividade econômica na Argentina vem desacelerando mês a mês, prejudicada por for-te seca que fez a produção agrícola do país diminuir 30% em relação a 2017 e gerou perda de 8 bilhões de dólares nas exportações. Com receitas em queda e gastos em alta, não sobra alternativa para a Argentina senão cortar custos e fazer um ajuste mais drástico, algo que acaba contribuindo temporariamente para a desaceleração. Os analistas preveem queda de 2% no PIB em 2018 e crescimento de 0,7% em 2019.

Produtor de soja na Argentina: a seca fez a produção agrícola diminuir em 2018 | Sebastian Pani/AP Photo/Glow Images

Da parte do governo, o objetivo agora é cortar investimentos e gastos com pes-soal, reduzindo de 23 para 13 o número de ministérios, e diminuir os subsídios econômicos. Mas a maior parte do ajuste virá de um novo imposto sobre as exportações, uma vez que elas serão beneficiadas pela desvalorização cambial. O governo vai cobrar uma taxa de 4 pesos para cada dólar exportado. Para produtos manufaturados, a taxa será menor, de 3 pesos — afetando diretamente as exportações de peças e automóveis para o Brasil. Com essas medidas, o governo Macri espera economizar até o fim de 2019 cerca de 9 bilhões de dólares, quantia que seria suficiente para zerar o déficit fiscal já no ano que vem. É uma meta ambiciosa, mas, num ano de eleições, Macri sabe que é preciso que a economia volte a crescer quanto antes. “O governo provavelmente estabilizará a situação financeira assim que o FMI mostrar que está disposto a acelerar os desembolsos. Mas o grande custo social da austeridade manterá vivo o risco de um retorno aos kirchneristas nas eleições”, diz Eduardo Levy Yeyati, ex-economista–chefe do Banco Central da Argentina e professor na Universidade Torcuato Di Tella, em Buenos Aires. Para Andres Borenstein, economista-chefe para a Argentina do banco BTG Pactual, a credencial do governo para atingir o objetivo é boa. “Embora a Argentina não tenha alcançado suas metas de inflação, o governo conseguiu cumprir as metas de déficit fiscal em 2016 e 2017. E provavelmente deve cumprir os objetivos também em 2018”, diz Borenstein.

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Para o Brasil, que tem uma importante relação comercial com a Argentina, a crise vem em péssima hora. Com uma queda no PIB e uma recessão se aproximando, dificilmente as montadoras daqui poderão contar com o mercado argentino como fizeram nos últimos anos. “A Argentina é o principal país de destino das exportações de manufaturados do Brasil. Vamos ter uma série de impactos negativos”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior. É preciso torcer para que as reformas de Macri deem certo e que a crise argentina seja, de fato, uma tempestade passageira. 

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