Masayoshi Son e o robô Pepper, alimentado por inteligência artificial: admirável mundo novo (Issei Kato/Reuters)
Mariana Fonseca
Publicado em 20 de junho de 2019 às 05h50.
Última atualização em 25 de junho de 2019 às 10h45.
Bastaram duas semanas e dois cheques de quase meio bilhão de dólares para os empreendedores brasileiros serem apresentados ao fantástico mundo do bilionário japonês Masayoshi Son, dono do conglomerado de tecnologia, telecomunicações e internet SoftBank. Seu fundo de investimento em negócios inovadores, o Vision Fund, alçou, no início de junho, duas startups nacionais — a rede de academias Gympass e o serviço de logística Loggi — a avaliações de mercado bilionárias. É uma das especialidades de Son: até o final de 2018, ele tinha no portfólio 38 unicórnios, como são conhecidas as startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares.
O SoftBank separou 5 bilhões de dólares para investir na América Latina, com prioridade para o Brasil. Ao longo dos próximos meses, deverá revolucionar o ambiente de empreendedorismo por aqui, assim como tem feito em países como China e Estados Unidos nos últimos três anos. Son já arrecadou 100 bilhões de dólares para aportar em companhias inovadoras, um volume sem precedentes na história. Gastou, até agora, 80% do valor e já conversa com investidores para captar uma nova rodada. A seus investidores promete a chance de embarcar em negócios que vão transformar o mundo, não na próxima década, mas nos próximos 300 anos.
Para Son, computadores serão mais inteligentes do que nós; haverá um clube de empresas líderes em controlar tais máquinas; e seremos mais felizes diante de tamanha transformação. “Nos próximos anos, não veremos algumas companhias valendo 1 trilhão de dólares. Veremos, sim, várias empresas de 10 trilhões de dólares”, disse Son a EXAME em sua primeira entrevista a um veículo de imprensa brasileiro (veja mais abaixo). Bem-vindo ao megalomaníaco, e fascinante, mundo de Masayoshi Son.
Ambição nunca é demais quando se trata do investidor japonês. Suas conversas de centenas de milhões de dólares no Vale do Silício, em Hangzhou ou em São Paulo são breves e podem ser interrompidas por uma pergunta que surpreende até os mais ambiciosos criadores de startups: “Se dinheiro não fosse um obstáculo, até onde você iria?” Pior ainda: “E se sua concorrente tivesse esse mesmo tanto de recursos?” David Wei, ex-diretor do gigante de comércio eletrônico Alibaba, apelidou Son de “Mr. Ten Times”, ou “Senhor Dez Vezes”. “Toda vez que eu explicava um plano ou modelo de negócios, a primeira reação de Masayoshi era perguntar se poderia ser dez vezes maior”, afirmou à agência de notícias Reuters. O jeito modesto de falar, gesticular e se vestir de Son contrasta com as histórias das quais participa. Ele já reservou um jato particular e todo um restaurante para negociar com a fabricante de chips britânica Arm uma aquisição de 32 bilhões de dólares; precisou de 45 minutos para convencer o príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, a investir 45 bilhões de dólares no Vision Fund; e prometeu ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que investiria 50 bilhões em empresas americanas e criaria 50.000 empregos. Son está em todas. Entre as principais empresas de seu portfólio estão negócios conhecidos, como o aplicativo de mobilidade urbana Uber, os prédios de coworking da imobiliária WeWork e o Alibaba.
O bilionário teve uma infância pobre em Tosu, cidade japonesa com 70 000 habitantes localizada a 900 quilômetros da capital Tóquio. Seu avô trabalhou em uma mina de carvão. Seu pai vendia peixe, criava porcos, produzia licores no mercado negro e coordenava pachinkos, máquinas de jogos de azar dos cassinos japoneses. Son ouvia dentro de casa que poderia ser “o mais esperto do Japão”. “Comecei a pensar que eu poderia construir coisas se tentasse. Eu não deveria me satisfazer com a mediocridade, porque poderia ser um gênio”, afirmou a Atsuo Inoue, autor de sua biografia, Aiming High (Mirando Alto). Aos 16 anos de idade, em 1972, viajou a Tóquio para tentar conversar com o controlador do McDonald’s no Japão, Den Fujita. Ouviu dele o conselho de “olhar para a indústria do futuro, a dos computadores”.
No mesmo ano, Son mudou-se para os Estados Unidos. Após uma graduação em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley, ele retornou para o Japão e, aos 23 anos de idade, em 1981, lançou um negócio de distribuição de programas para computadores chamado SoftBank. Com o tempo, os computadores pessoais passaram de raridade a costume e a reputação, e o faturamento do “banco de softwares” foi crescendo. Em 1994, o Sof-Bank abriu o capital na Bolsa de Valores de Tóquio, e Son foi apelidado de “Bill Gates do Japão” pelo jornal americano The New York Times.
O empresário japonês vislumbrou antes de seus concorrentes o potencial da internet. Apostou no Yahoo quando o portal americano tinha um ano de vida, em 1996, e no então desconhecido varejista chinês Alibaba, do empresário Jack Ma, no ano 2000. No auge da euforia ponto-com, durante um mês Son chegou a somar 10 bilhões de dólares por semana à sua fortuna. Alcançou um patrimônio de 78 bilhões de dólares e foi o homem mais rico do mundo durante três dias, segundo ele próprio. Antes de poder divulgar a notícia, porém, as empresas de internet enfrentariam uma grande queda de suas ações — o estouro da bolha. A fortuna derreteu-se para 7 bilhões de dólares. A reconstrução foi lenta.
Hoje, Son tem 22,7 bilhões de dólares, segundo a revista americana Forbes. No Japão, fica atrás apenas de Tadashi Yanai, dono da varejista Uniqlo. Boa parte da reviravolta deve-se à insistência na aposta de que a internet cresceria, atualizada para a ascensão dos celulares inteligentes. Essa tese surgiu de um encontro e uma troca de rascunhos de aparelhos portáteis com Steve Jobs, fundador do gigante de tecnologia Apple, em 2005. As conversas foram proveitosas, mas Son não tinha uma operadora para comercializar tais equipamentos. Por isso, comprou a britânica Vodafone por 15 bilhões de dólares um ano depois. Em 2007, o primeiro iPhone foi finalmente lançado e o SoftBank o vendeu com exclusividade no Japão. Em 2013, o SoftBank expandiu seu braço de telecomunicações com a compra da operadora de internet móvel americana Sprint, por mais de 20 bilhões de dólares. O investimento de 20 milhões de dólares no Alibaba se pagou por volta da mesma época e, de lá para cá, só rendeu. O varejista online chinês abriu o capital no mercado americano há cinco anos e é avaliado em 400 bilhões de dólares — o SoftBank detém o equivalente a 120 bilhões de dólares em participação. O Alibaba planeja uma nova abertura de capital, agora em Hong Kong, de 20 bilhões de dólares até o fim de 2019.
Computadores x humanos
O SoftBank é um conglomerado que faturou cerca de 13 bilhões de dólares no último ano fiscal, encerrado em março deste ano. Hoje seu valor de mercado é cerca de 100 bilhões de dólares, com foco em serviços de internet e de telefonia móvel. Mas Masayoshi Son concentra a atenção na inteligência artificial. Sua meta é fazer computadores com capacidade de aprendizado superior à dos humanos. O bilionário japonês virou símbolo de um futuro que vem sendo concebido desde a década de 50, com programas que venciam humanos em jogos de xadrez.
Hoje, mais de 20.000 empresas usam tecnologias como a do robô Watson, criado pela empresa de tecnologia da informação IBM. As aplicações vão desde o que se vê no banco Bradesco, que abre contas e faz pagamentos por uma assistente virtual, até as da rede de laboratórios Fleury, que usa inteligência artificial para auxiliar na tomada de decisões médicas. A consultoria PwC estima que a inteligência artificial traga uma contribuição de 15,7 trilhões de dólares ao PIB mundial em 2030, mais do que é gerado hoje por China e Índia combinadas. Mas Son vai além: a adoção da tecnologia será tão natural quanto pensar — para ele, os computadores vão raciocinar por nós.
O bilionário japonês lançou há nove anos um documento que definiria seu plano de ação. Continha ideias tão diversas quanto uma expectativa de vida de 200 anos; a transmissão de informações por telepatia; e a noção de que, em algumas décadas, a capacidade de processamento intelectual dos humanos seria para os computadores o que o pensamento das amebas parece para nós hoje. “Qualquer um que desempenhe tarefas rotineiras e previsíveis, do chão de fábrica aos escritórios, estará suscetível à automação robótica. Precisaremos nos adaptar à inteligência artificial e gerar alguma forma de renda para as pessoas que não encontrarem mais ocupação”, diz Martin Ford, futurista e autor dos livros Os Robôs e o Futuro do Emprego (2019) e Arquitetos da Inteligência (ainda não lançado no Brasil).
Ninguém como Son conseguiu aliar teses futuristas ao rigoroso nível de exigência dos fundos de investimento. O começo foi modesto (pelo menos para os padrões que hoje conhecemos). Ele montou um fundo de 100 milhões de dólares em 2014 para apostar em negócios inovadores que usassem a inteligência artificial na transformação de grandes setores. Investiu nas startups Ola Cabs e Didi Chuxing, aplicativos de mobilidade urbana da Índia e da China; no aplicativo de entrega Grab, de Singapura; e na plataforma indiana de hospedagem OYO Rooms. Logo, porém, o dinheiro tornou-se pouco para suas ambições.
Em 2016, Son viajou a diversos países para angariar o maior fundo de investimento em startups já visto. Suas promessas se cruzaram com as do príncipe Salman, que propunha reduzir a dependência do petróleo da Arábia Saudita e transformar o país em uma potência de investimentos. Depois de passar por conselheiros do príncipe saudita, Son conseguiu uma reunião de 45 minutos com Salman — e levou 45 bilhões de dólares do Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita. O Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi, forneceu outros 15 bilhões. Empresas de tecnologia, como a Apple, juntaram-se à empreitada. Por fim, o próprio SoftBank aportou 28 bilhões de dólares. Em maio de 2017, Son anunciou a criação oficial do Vision Fund com 100 bilhões de dólares, ou todo o montante que negócios inovadores pelo mundo obtiveram no ano anterior, segundo a consultoria CB Insights.
O valor é quatro vezes superior ao do segundo fundo de investimento em empresas mais endinheirado de 2018, estruturado pela empresa de participações Apollo. É também mais do que captaram os maiores e mais tradicionais fundos de private equity do planeta, que recolhem recursos de investidores qualificados para colocar em negócios avançados, com risco baixo a moderado. Seu negócio é melhorar a eficiência e os processos, multiplicar o valor investido e ganhar na posterior venda da participação.
O ranking Private Equity International deste ano lista 300 fundos que levantaram 1,7 trilhão de dólares nos últimos cinco anos. O Blackstone é o maior deles, com 83 bilhões de dólares captados nesse período. Já os fundos de capital de risco em geral investem quantias menores em negócios iniciantes e mais arriscados, mas com grande potencial de multiplicação. O Vision mira startups, mas arrecada e gasta como os grandes fundos tradicionais. Apenas o investimento de 1 bilhão de dólares na startup colombiana de delivery Rappi, feito há dois meses, é o dobro do maior aporte já visto em uma startup brasileira: os 500 milhões de dólares recebidos no final do ano passado pelo iFood, concorrente da Rappi.
Son, nesse contexto, é também símbolo de uma nova geração de megainvestidores. Se Warren Buffett mirava companhias dominantes em mercados maduros, como o de ferrovias, e Jorge Paulo Lemann alvejava grandes empresas de bens de consumo ineficientes, Son aposta tudo em negócios potencialmente transformadores. Sua régua não mede resultados passados, mas capacidade futura. Além de incentivar grandes projetos, ele oferece aos empreendedores uma rede de contatos global que, na teoria, os ajuda a cortar caminhos. Os objetivos de retorno são de longuíssimo prazo e devem se concretizar em aberturas de capital no futuro.
Naturalmente, nem todas as 65 empresas que receberam investimento serão um sucesso, mas, se meia dúzia chegar ao olimpo, Son e seus sócios poderão se dar por satisfeitos. Tendo como base a evolução do valor de mercado das empresas investidas, a taxa de retorno anual do SoftBank é de 44%. O desafio, claro, é transformar as valorizações estratosféricas em dinheiro na conta.
Um investidor global
As startups preferidas de Masayoshi Son não estão apenas no Vale do Silício. Para ele, apostar em startups de regiões não visadas e cheias de ineficiências pode se provar um ótimo investimento, como o feito em um incipiente Alibaba. O Vision Fund aportou em negócios da Ásia e da Europa — e começou a olhar para terras latino-americanas há dois anos, por uma coincidência de mercado.
A primeira startup da região a receber investimento foi o aplicativo brasileiro de mobilidade urbana 99, criado pelos empreendedores Ariel Lambrecht, Paulo Veras e Renato Freitas. A Didi Chuxing havia investido na 99 em janeiro de 2017 e ajudou a convencer o SoftBank, que concluiu um aporte de 100 milhões de dólares em maio do mesmo ano (a participação seria repassada para a Didi no começo de 2018, quando a chinesa comprou a 99 e a transformou no primeiro unicórnio brasileiro). Enxergando mais uma oportunidade em transportes, o SoftBank investiu outros 100 milhões de dólares na startup brasileira de logística Loggi no final de 2018.
Há dois meses, Marcelo Claure, economista boliviano e diretor da operadora Sprint, liderou a criação da maior aposta do SoftBank no Brasil e em toda a América Latina até agora: o Innovation Fund, fundo separado do Vision para investir 5 bilhões de dólares nas startups da região. O interesse veio da percepção de “um grande desequilíbrio”. “Os donos de negócios da América Latina foram condicionados a ter menos ambições por uma histórica escassez de recursos. Um de nossos desafios é encontrar empreendedores promissores, mas com números ainda pequenos para o tamanho do mercado latino-americano”, diz Claure, líder do Innovation Fund e presidente do SoftBank International, divisão que cuida dos investimentos globais do grupo.
Apesar de a América Latina ter um produto interno bruto correspondente ao dobro do gerado pela Índia, a Associação Latino-Americana de Venture Capital calcula que a região tenha recebido apenas 2 bilhões de dólares para suas startups no ano passado (o SoftBank estima 1,5 bilhão). É um décimo dos 20 bilhões de dólares em capital de risco aportados na Índia, segundo a consultoria Grant Thornton.
Para os investidores e fundos de capital de risco brasileiros, a chegada do SoftBank tem a importância de um acesso à primeira divisão do campeonato mundial. Um dos primeiros fundos de capital de risco no Brasil com foco em estratégia internacional foi o Valor Capital Group, criado em 2011. “Quando começamos, as empresas pensavam muito na oportunidade do enorme mercado local e tropicalizavam negócios americanos. Isso diminuía o múltiplo de investimento em relação a startups internacionais”, afirma Scott Sobel, sócio do Valor Capital Group.
Seu feito mais conhecido foi investir na fintech brasileira Stone até sua abertura de capital em outubro de 2018. A Stone é avaliada em 8 bilhões de dólares. O fundo Redpoint eventures, criado um ano depois do Valor Capital Group, atraiu sócios no Vale do Silício com a promessa de uma “nova China”. As expectativas foram reajustadas e retornam agora com mais fundamentos e recursos. “Os empreendedores se contentavam em vender seu negócio por 100 milhões de dólares. Hoje, conseguem captar mais recursos e chegar a uma avaliação de unicórnio”, afirma Anderson Thees, sócio do Redpoint eventures. O fundo comemora ter investido na Rappi no início do negócio — ela foi avaliada em 3,5 bilhões de dólares após o aporte do SoftBank, primeiro investimento a constar no catálogo do Innovation Fund. “Conhecemos o mercado e as tendências de consumo da América Latina, sabendo o que acontece nas ruas e o que o consumidor quer. A união ao SoftBank nos ajudará a melhorar o uso desses dados. O grupo sempre pensa grande e está vendo muito potencial na região”, diz Sebastian Mejia, cofundador da Rappi.
As mais recentes empresas brasileiras a participar do clube, Gympass e Loggi, ecoam o discurso (veja mais no quadro abaixo). “Algumas dessas companhias serão extremamente valiosas no futuro porque estão atacando mercados gigantescos. Asseguramos que dinheiro deixe de ser um obstáculo”, diz Claure.
Muito dinheiro, pouco suor?
Son se beneficiou de um contexto macroeconômico de apetite pelo risco no mundo todo. O movimento cresceu partindo da recuperação da crise econômica global de 2008 e foi apoiado por um cenário generalizado de taxas de juro baixas, além de uma nova percepção do que significa assumir riscos. Muitas das empresas mais valiosas do mundo hoje, da varejista Amazon à rede social Facebook, são parte de uma nova economia: dispensam investimentos estruturais e trabalham como plataformas, buscando capital para financiar sua dominação em um mundo cada vez mais globalizado.
O volume de dívidas mundial tem crescido a um ritmo médio de 7,2 trilhões de dólares por ano desde a crise econômica de 2008, segundo o economista Celso Toledo, sócio da consultoria LCA e colunista de EXAME. “Há um descompasso entre a avaliação dessas empresas e seus ativos, para nem falar dos lucros. Os negócios podem estar em uma fase de consolidação ou podem nunca gerar o retorno prometido”, diz Toledo. “É um método de avaliação que assusta a análise tradicional de investimentos.”
Se o sucesso virá no futuro, antes pode haver reveses. A oferta pública inicial de ações da Uber, em maio, ficou abaixo das expectativas, que já haviam diminuído de 120 bilhões para 75 bilhões de dólares. Hoje, a empresa de mobilidade está avaliada em cerca de 74 bilhões de dólares. A Uber afirma que pode nunca alcançar a lucratividade e reportou um prejuízo operacional de 3 bilhões de dólares em 2018. Ainda assim, recebeu 9 bilhões de dólares do SoftBank. A WeWork, com 400.000 membros em seus 425 prédios de escritórios, segue na mesma toada. No último ano, dobrou as receitas em relação a 2017, chegando a 1,8 bilhão de dólares, mas registrou perdas de 1,9 bilhão.
Com 10,4 bilhões do SoftBank, é avaliada em 47 bilhões de dólares. Uma parcela dos investidores mostra ceticismo com avaliações desproporcionais, que podem cair por terra quando as startups chegarem ao mercado de ações e precisarem ir além de sonhos dourados. Outro grupo de críticos diz que o excesso de capital pode criar uma geração de empreendedores deslumbrados e sem a necessidade de inovar para superar problemas. “Ofertas públicas, como a da Uber, que ainda não comprova conceitos básicos, como geração de lucros, trazem preocupação para todo o mercado de investimentos”, afirma Paulo Veras, fundador do aplicativo de transportes concorrente 99.
Son joga sempre alto, mas em alguns casos parece ter apostado alto demais para uma parcela dos investidores. Colocou, por exemplo, 500 milhões de dólares na Improbable, startup britânica com a improvável missão de criar um mundo virtual para “vivermos nossas reais personalidades”. E investiu 200 milhões de dólares na americana Plenty, startup de hortas urbanas que tem a meta de quintuplicar o cultivo global de frutas e vegetais. Apesar da ambição, a Plenty até agora não vendeu um único pé de alface.
Outra preocupação está nas ligações do SoftBank com seu maior apoiador. A Agência Central dos Estados Unidos (CIA) investiga a conexão entre o príncipe Mohammed bin Salman e a morte, em outubro, do jornalista árabe Jamal Khashoggi dentro do consulado da Arábia Saudita na Turquia. Em conversa com investidores divulgada pelo site americano de tecnologia Axios, Masayoshi Son afirmou que o assassinato de Khashoggi foi “um ato contra a humanidade, o jornalismo e a liberdade de expressão” e espera que os autores “sejam responsabilizados”. Mas disse que o SoftBank, ao mesmo tempo, “não pode virar as costas à população saudita em seu trabalho de ajudá-la a reformar e modernizar sua sociedade”.
Adam Neumann, fundador da WeWork, afirmou ao site de notícias americano Business Insider que não aceitaria mais recursos vindos de fontes com as quais não concordasse moralmente. O Vision Fund já esgotou 80% de seus 100 bilhões de dólares, de acordo com a agência de notícias inglesa Reuters, e prepara a criação de um segundo fundo, ainda sem valores nem investidores definidos. O The Wall Street Journal afirma que o SoftBank está com dificuldade para levantar os recursos, algo que a empresa nega. Uma alternativa é o Vision Fund fazer a própria oferta inicial de ações. Isso criaria a oportunidade de devolver parte dos recursos recebidos e ainda levantar mais capital.
Para além das polêmicas, Son tem o trunfo de ter moldado o mercado global de investimento à sua feição e de já ter trazido o início de suas teses para as ruas, inclusive as brasileiras. Cada vez mais fundos se valem de seus três pilares para encher os cofres. São eles: o uso disseminado da inteligência artificial em setores-chave da economia mundial; investimento em (potenciais) unicórnios; e as parcerias entre as empresas investidas.
Negócios inovadores — geralmente de comércio, finanças, imóveis, logística e transporte, saúde e tecnologias de fronteira — usam a combinação da inteligência artificial com o caixa profundo do SoftBank para crescer da maneira mais -acelerada possível, conquistando avaliações de mercado bilionárias. A estratégia de “aglomerados de números 1 em inteligência artificial” já é vista na seleção de conteúdos personalizados pela agência chinesa de notícias ByteDance. Também aparece na otimização de caminhos percorridos pelos automóveis cadastrados nas companhias de entrega de produtos e mobilidade urbana Grab, Didi Chuxing e Uber, com prevenção de fraudes de identidade e de pagamento também melhorada pela inteligência artificial. Outra aplicação está nos escritórios compartilhados da WeWork, na medição de passos e de uso de espaços para reduzi-los ao mínimo necessário.
Essas apostas conquistaram o mercado. O Vision Fund já investiu em 65 startups, 38 das quais se tornaram unicórnios até o final de 2018 nas estimativas da CB Insights. O valor conjunto dos investimentos do fundo beira 400 bilhões de dólares, o maior acumulado em qualquer portfólio de startups. Com Masayoshi Son, tudo acontece em grande escala.
O SoftBank criou um fundo de 5 bilhões de dólares para a América Latina. Em duas semanas, investiu em duas startups brasileiras. A meta: criar novos líderes globais | Mariana Fonseca
Criada em 2014 para enviar documentos, a startup paulistana Loggi atua também na entrega de produtos de empresas de comércio eletrônico, como Dafiti e Mercado Livre, de comida de restaurantes e artigos de supermercados. Nos últimos meses, começou a investir em inteligência artificial para otimizar rotas e evitar fraudes em entregas e pagamentos. A área de tecnologia reúne 200 dos 650 funcionários da Loggi. O Vision Fund, braço de investimento do SoftBank, aportou os primeiros 100 milhões de dólares na Loggi na virada de 2019.
No início de junho, o fundo de Masayoshi Son redobrou a aposta e colocou outros 150 milhões de dólares na empresa. “Tínhamos um plano ambicioso de crescimento, margens financeiras e tecnologia. Entregamos o que prometemos e criamos confiança nos investidores”, afirma o francês Fabien Mendez, cofundador da Loggi. A nova injeção de capital será usada para treinar mais 1.000 engenheiros “no padrão do Vale do Silício”, segundo Mendez, e na expansão da equipe total para 1.500 funcionários. A Loggi realiza 3 milhões de entregas mensais e projeta chegar a 150 milhões em três anos. Ambição puxada pelo Vision Fund.
Outra startup escolhida pelo Vision Fund, a Gympass, uma plataforma de acesso a academias de ginástica como benefício corporativo, buscou a internacionalização desde 2015. Criada em 2012 pelo administrador Cesar Carvalho e pelos engenheiros João Thayro e Vinicius Ferrari, a Gympass atende 2.000 empresas, como o banco Santander e a multinacional de bens de consumo Unilever, oferecendo a ligação com 47.000 academias, em 8.000 cidades, de 14 países.
Essa concepção atraiu o Vision Fund, que liderou um aporte de 300 milhões de dólares no negócio poucos dias após a injeção feita na Loggi pela segunda vez. A rodada foi acompanhada por antigos investidores da Gympass, como os fundos Atomico (investidor em startups como o estúdio finlandês de criação de jogos Rovio, autor dos Angry Birds), General Atlantic (investidor na loja eletrônica Alibaba) e Valor Capital (sócio da Stone, de meios de pagamento). O marketplace de academias está na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. Agora deverá chegar também à Ásia.
Assim como a Loggi, a Gympass pretende intensificar o uso da inteligência artificial. A tecnologia vai personalizar a experiência do usuário, dando recomendações de atividades físicas e academias com base no histórico de aulas e na localização geográfica. Ao mesmo tempo, empresas e proprietários de academias receberão relatórios mais precisos. A Gympass tem cerca de 1.000 funcionários e projeta contratar mais 300 até o fim do ano, a maioria deles na área de tecnologia.
Mais um investimento pode estar a caminho. EXAME apurou que a fintech de empréstimos com garantias Creditas está em negociação com o SoftBank para um investimento da ordem de 200 milhões de dólares. Fundada em 2012, a Creditas já captou 88 milhões de dólares em aportes e afirma ter emprestado 340 milhões de reais até o fim de 2018. Atua num nicho visto como promissor pelo SoftBank: empréstimos populares. Após a Creditas, a tendência é que a lista de investimentos no Brasil siga crescendo. “Lançamos o fundo há dois meses e já analisamos mais de 100 empresas. Achávamos que o dinheiro cobriria um tempo maior”, afirma Marcelo Claure, presidente do SoftBank International.
Em entrevista exclusiva a EXAME, o investidor Masayoshi Son fala que nos próximos 20 anos haverá mais disrupção do que nos últimos 300 — e diz querer mudar “drasticamente” o ambiente de negócios na América Latina | Mariana Fonseca
Enquanto investidores tradicionais se preocupam com questões como fluxo de caixa e custo de aquisição de clientes, o japonês Masayoshi Son busca empresas que encurtem o caminho para a “singularidade”. É o momento em que a inteligência artificial conversará tão naturalmente com a humana que será impossível separar uma da outra. Son é fundador do grupo japonês de telefonia, internet, energia, tecnologia e outros negócios SoftBank e gestor do Vision Fund, maior fundo de participações do planeta, com investimentos de 80 bilhões de dólares nos últimos dois anos. Em rodadas com empreendedores mundo afora, ele diz procurar negócios sustentáveis para os próximos 300 anos e surpreende por assinar cheques de valores várias vezes acima do esperado.
A mão aberta gera críticas de que está inflando o preço de muitos negócios que são incipientes. Mas a verdade é que o olho no futuro tem lhe feito bem no presente. Son diz que seus investimentos deram um retorno de 44% ao ano nos últimos 18 anos, e isso lhe rendeu uma fortuna estimada em 22,7 bilhões de dólares pela revista americana Forbes. O investidor falou a EXAME sobre os riscos associados a seus investimentos e sobre a importância do Brasil em seu plano para os próximos 300 anos.
Por que a inteligência artificial é tão importante para a tese de investimentos do SoftBank? Quais setores deverão ser os mais transformados por ela?
Estamos no começo da revolução mais importante da história, a da inteligência artificial. Nos próximos 20 anos veremos mais inovação e disrupção do que nos 300 anos anteriores. A revolução da internet nas últimas duas décadas melhorou muito a vida das pessoas e criou empresas incríveis no meio do caminho, mas estamos apenas começando. As líderes em tecnologia usam análise de dados e aprendizado por máquinas para transformar setores tradicionais. É o caso da publicidade, com Google e Facebook, e do varejo, com Amazon e Alibaba. Porém, cada um desses setores representa um único dígito do PIB mundial. A oportunidade restante é muito maior. Com o 5G e a melhora constante da capacidade de memória e de processamento, bilhões de aparelhos serão capazes de transmitir dados, oferecendo aos empreendedores a oportunidade de transformar qualquer indústria. Nos próximos anos, não veremos algumas companhias valendo 1 trilhão de dólares. Veremos, sim, várias empresas de 10 trilhões de dólares.
O senhor investe em negócios transformadores, e muitos deles podem falhar. A Uber estreou na bolsa indicando que talvez nunca dê lucro. Sua avaliação de mercado está bem abaixo dos 120 bilhões de dólares que eram prometidos antes. É um exemplo que o preocupa?
Temos uma visão de longo prazo. A Uber mudou para sempre o modo como as pessoas se movem em todo o mundo. Ainda assim, estamos apenas nos primeiros estágios da transformação nos setores de logística e mobilidade. Começamos a ver uma grande mudança de paradigmas globais, desde o desenvolvimento de veículos autônomos até a entrega diária de comida e de outros bens. A tecnologia está fazendo com que os serviços cheguem a nós mais facilmente, e companhias como a Uber estão na liderança dessas soluções inovadoras.
Como é seu relacionamento com os investidores e por quanto tempo eles estão dispostos a esperar pelo retorno dos investimentos do SoftBank?
Investimos em empreendedores motivados por propósito e que tenham visão e paixão pelo uso de dados, inteligência artificial e tecnologia para redefinir a maneira como vivemos, trabalhamos e nos movemos. Damos capital e acesso a experiências e sinergias de nosso ecossistema SoftBank para direcionar o crescimento e posicionar essas companhias de modo a terem sucesso no longo prazo. Temos um histórico de entregar mais de 44% de retorno anual nos últimos 18 anos. Nosso plano é usar a mesma fórmula na América Latina.
O SoftBank criou um novo fundo focado na América Latina. Apesar de todas as dificuldades para fazer negócios aqui, a região pode dar origem a novas empresas bilionárias?
O PIB da América Latina é o dobro do PIB da Índia e metade do PIB da China, mas a quantidade de capital de risco empregada nesses países é muito mais substancial do que o 1,5 bilhão de dólares aplicados na América Latina. A região há tempos recebe investimentos bem abaixo da média, do ponto de vista de um fundo de capital de risco em tecnologia. Isso representa uma grande oportunidade para se associar a empreendedores talentosos em mercados historicamente com falta de capital e de ambição. Nosso plano é mudar tal quadro drasticamente.
Qual é o estado atual do “plano de 300 anos” que o senhor definiu para seus investimentos? Como seria um mundo com todas as suas teses comprovadas?
Não temos a intenção de ser meramente investidores. Não se trata apenas de fazer dinheiro. Meu objetivo é criar uma companhia que possa continuar crescendo em 300 anos de estrada. Nenhuma tecnologia ou modelo de negócios dura para sempre, pelo ritmo atual de transformação. É por essa razão que o SoftBank precisará continuar evoluindo em suas apostas de negócios e tecnologia para o plano de 300 anos ser bem-sucedido. Eu acredito que estamos no caminho certo.