Revista Exame

O consumo vai mudar

O CEO e principal acionista do Grupo Iguatemi se prepara para mudanças profundas nos hábitos do consumidor após a pandemia do coronavírus

”É do ser humano querer encontrar amigos, celebrar. O consumo vai voltar, porém mais sustentável”, diz Carlos Jereissati Filho, presidente do grupo de shopping centers Iguatemi. A crise, segundo ele, aponta outra tendência: a importância do meio digital na experiência de compra  (Divulgação)

”É do ser humano querer encontrar amigos, celebrar. O consumo vai voltar, porém mais sustentável”, diz Carlos Jereissati Filho, presidente do grupo de shopping centers Iguatemi. A crise, segundo ele, aponta outra tendência: a importância do meio digital na experiência de compra (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 13h08.

O Grupo Iguatemi conta com 3.322 lojas, restaurantes, salas de cinema e teatro em seus 14 shopping centers e dois outlets premium distribuídos em quatro estados. Muitos desses lojistas conhecem Carlos Jereissati Filho desde que ele era criança, a quem chamam de Jabá, apelido entre os íntimos — esse é o nome que se dá ao charque no Ceará, terra da família. Em abril, quando as operações dos shoppings ficaram fechadas devido à pandemia do coronavírus, esses operadores tiveram abatimento do pagamento integral do aluguel.

Foi uma das medidas adotadas para preservar os parceiros e atravessar a crise. Na maior parte dos estados não há previsão de reabertura dos shoppings, mas o Iguatemi já se planeja para isso. No ano passado, as vendas atingiram 14,2 bilhões de reais, um crescimento de 3,8% em relação a 2018. Já o lucro da companhia foi de 314,3 milhões de reais, um avanço de 20,7%. O CEO e principal acionista do grupo se prepara agora para mudanças profundas nos hábitos do consumidor. De seu apartamento no Itaim, em São Paulo, a meia distância entre os shoppings Iguatemi e JK Iguatemi, pelo aplicativo Teams, ele falou à EXAME.

O grupo já reabriu o outlet de Santa Catarina. Como foi essa primeira experiência?

Já vivemos várias fases nesse processo, o fechamento dos shoppings, a fase de operar fechado. A indústria como um todo foi bem madura, percebeu a dificuldade da cadeia produtiva. Se você somar os quase 600 shoppings do Brasil, devemos ter dado alguns bilhões em capital de giro para as empresas passarem por este momento. Agora é natural que a gente comece a olhar para a reabertura. O processo vai seguir alguns cuidados para que o cliente se sinta seguro, com um ambiente mais higienizado e certo controle de fluxo. O que vimos no outlet de Santa Catarina foi um retorno de até 50% do movimento normal. É um fluxo menor, mas muito efetivo para o consumo. O consumidor faz a compra e vai embora, não fica a passeio.

Quais foram as condições para os lojistas nesse período em que os shoppings estiveram fechados?

Vínhamos de uma fase de recessão, estávamos começando a sair, tivemos um janeiro e um fevereiro muito bons. Aí veio todo esse drama. Tivemos de ter uma maturidade muito grande para sair com uma resposta rápida, uníssona, da indústria inteira. Paramos no meio de março, e mesmo na metade do mês em que os shoppings operaram o aluguel foi postergado para outubro. Isso demonstra uma consciência da necessidade de apoiar os lojistas neste momento para entendermos o que está acontecendo e podermos voltar quanto antes. Em abril, quando estivemos fechados, demos um desconto de 100% às pessoas que entendem o esforço que a indústria está fazendo e pagam suas contas em dia. Claro que estamos num mercado maior, com os lojistas mais profissionais do país, então essa conversa é mais organizada, mais profissional.

O Iguatemi tinha a meta de investir de 170 milhões a 220 milhões de reais em reformas. Imagino que isso tenha sido revisto.

Acho que todo mundo esteja revendo seus orçamentos, até porque essa volta não vai ser rápida, não acredito em uma recuperação em V, como os economistas chamam. Isso aqui não é como um problema de luz ou de água, em que você religa a energia ou conserta o cano e a vida segue. É uma mudança que afetou profundamente o comportamento das pessoas. Então é necessário olhar para um horizonte mais longo de ajustes.

Shopping Iguatemi, em São Paulo: isenção do aluguel e redução do condomínio aos lojistas | Alberto Rocha/Folhapress

Qual era a meta de faturamento para o ano e para quanto foi reajustada, já consegue dizer?

Infelizmente, por causa do ambiente de incerteza, tivemos de cancelar nosso guidance para o ano de 2020. Devemos retomar a prática de fornecer guidance ao mercado apenas em 2021.

O Iguatemi tem caixa suficiente para sobreviver se essa crise se prolongar?

Planejamento é nossa palavra de ordem. É claro que a crise é inédita, mas todo o trabalho de redução de despesas que já tínhamos feito, somado a todas as medidas que estamos adotando no momento, torna nosso caixa forte para enfrentar o momento.

Em que essa crise é diferente?

As outras crises eram ligadas à economia, a erros na condução da macroeconomia do país, na nossa indisciplina como povo. Essa crise é da natureza, um vírus que afeta o mundo inteiro ao mesmo tempo. É mais profunda e põe boa parte da economia completamente parada. Comércio e serviços representam cadeias gigantescas de valor, de geração de empregos. Quando param, afetam todas as demais áreas de alguma maneira. Acho que nossa equipe econômica estava muito focada nas reformas e se atrapalhou, não enxergou ou não quis ver a necessidade de trabalhar essa crise de duas maneiras. A crise não é de saúde nem de economia, é de saúde e economia ao mesmo tempo. No caso da economia, o governo precisa gastar os recursos da sociedade para preservar vidas, pessoas que não vão ter emprego, não vão ter atividade. O problema do Brasil é nunca ter tido desastres naturais maiores. Países que sofrem com isso estão muito mais preparados, agem e já contam com mecanismos de auxílio a pessoas e empresas com muito mais celeridade.

Você menciona muito a necessidade de solidariedade num momento como este.

Acho que na verdade é um senso de urgência. O Brasil vinha totalmente em um discurso de redução de despesas, de custos, em razão de diversas distorções criadas nos últimos 30, 40 anos. E estava fazendo as reformas, que são extremamente necessárias para corrigir os privilégios que existem e que são muito evidentes para a população. A gente precisa parar de olhar o interesse específico de cada um e olhar o interesse do brasileiro.  A crise evidenciou isso.

O grupo vendeu dois shoppings no ano passado. Ao mesmo tempo, o Iguatemi 365, que é o marketplace de marcas do shopping, está apresentando bons resultados. É um plano reduzir a operação física e investir no online?

Fizemos a venda de dois ativos porque não estavam mais em nossa estratégia e aplicamos esses recursos em ativos que consideramos mais adequados. Essa recomposição de portfólio faz parte de toda dinâmica de negócio. Mas, sim, o Iguatemi 365 mais do que decuplicou as vendas em apenas cinco meses. Temos 240 marcas compondo o mix e mais de 9.000 produtos disponíveis. Falei outro dia em um call interno como ficou claro para nós a forma como estamos focados no consumidor. Muitas de nossas unidades promoviam eventos de experiência, e é impressionante o que fomos capazes de realizar nas redes digitais. A gente colocou de 15 a 16 programas por dia em  nossas redes, lives de todos os tipos, wellness, entretenimento, arte, gastronomia, o cara do Jota Quest fazendo um show ao vivo. O Iguatemi conseguiu rapidamente virar uma chave e entregar experiências bem interessantes para o consumidor, recebi elogios da própria concorrência. Mesmo com o principal negócio fechado, continuamos operando com outros mecanismos que não eram tão fortes e agora vão fazer parte dessa estrutura de negócios. Eu enxergo o físico e o virtual trabalhando em conjunto.

Quem é o consumidor que vai sair desta crise, quais serão seus hábitos?

O consumo depende do comportamento. Uma chacoalhada como esta, que mostra a fragilidade da espécie humana, faz a gente pensar muitas coisas. Uma coisa que deve acontecer é uma aceleração do uso do digital, em muitos casos, não só no consumo. Também vai haver uma preocupação maior das pessoas com a saúde. Viajar é algo que será rediscutido, porque é uma das coisas que mais afetam a natureza. As pessoas devem ficar mais próximas de onde moram, comprar localmente. O aquecimento global é uma questão científica. Muitos de nós, e eu confesso ser um deles, estávamos focados nos negócios, na vida cotidiana, sem perceber que o mundo é muito mais amplo, com ameaças que precisam ser levadas a sério.

Fala-se muito em consumo consciente. Isso ameaça o modelo dos shoppings?

Nosso negócio vem se reinventando há 50 anos. Começou muito ligado à parte de consumo e depois foi incluindo outras atividades, como lazer, serviços, alimentação. Nossas operações estão cada vez mais focadas em produtos sustentáveis, em cadeias sustentáveis. A moda já vem falando sobre isso, existe uma discussão para ter menos coleções, menos celeridade na reposição das peças. Acho que vai haver, sim, um novo olhar para tudo isso. Este momento vai acelerar muitas tendências que já eram percebidas como necessárias.

Você fala como os shoppings estão se tornando centros de lazer…

[Interrompe] Gosto de chamar de meeting point.

Com a crise, esse modelo de shopping como meeting point vai mudar?

Espero que em algum momento, daqui a um ano, um ano e pouquinho, a gente tenha uma vacina, e as pessoas se sintam mais seguras em sair de casa. Óbvio que vamos ter um período de transição, vamos aos poucos circular mais. Cada mês vai ser uma história diferente. Este tempo que estamos passando em casa já serviu para sentirmos muita coisa, aprendemos muito. Então acredito que, sim, o modelo de shopping vai se transformar neste período curto. Aos poucos  o distanciamento, mesmo em áreas comuns, talvez não seja tão necessário, e mais para a frente poderemos voltar ao normal, talvez um pouco transformados. É aquela coisa, o brasileiro tomava muito banho, mas não lavava as mãos. Com a crise do apagão, quanto se aprendeu sobre lâmpadas mais eficientes? Na crise da água em São Paulo, aprendemos a escovar os dentes com a torneira fechada. Vamos sair desta crise tendo aprendido muita coisa.

Ao mesmo tempo, o consumo está voltando na China, até com recordes de gasto. Você acredita em uma demanda reprimida, em um retorno acelerado às compras?

Eu não acredito. Sempre vai haver questões pontuais. Eu aposto muito mais em uma recuperação lenta e gradual. Óbvio que as pessoas têm suas necessidades e querem voltar à vida normal, querem construir, passear, encontrar amigos. Tudo isso é do ser humano, encontrar seus grupos, validar-se, ter momentos de comemoração e apreciação. A vida vai voltar ao normal, mas será um consumo diferente, que vai olhar para cadeias de produção mais sustentáveis. Mas será um consumo. Se você tiver uma loja de móveis recicláveis, vai ser uma loja, com uma operação. Serão nuances de uma vida próxima ao que a gente conhecia.

As marcas internacionais dos shoppings vão sofrer com a questão cambial?

Acredito que a alta do câmbio será um fator positivo, a tendência é que as viagens ao exterior, especialmente de compras, diminuam. Os clientes vão consumir mais no Brasil, valorizando a flexibilização do pagamento e a segurança de não precisar se deslocar.

Fashion Outlet Santa Catarina: na reabertura, 50% do fluxo normal e tempo menor para as compras | Divulgação

Você é uma pessoa que gosta de moda. Seu padrão de consumo já mudou?

O que mudou é que hoje trabalho de bermuda e camiseta. Mas eu já era despojado, faz muitos anos que não uso terno, quando muito um blazer. É uma postura até mais necessária hoje. Lembro de um caso com o governador Alckmin [Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo]. Eu entrei em uma sala e todo mundo estava de gravata, só eu de blazer e camisa. Ele brincou comigo se eu não tinha uma gravata. Eu respondi: “Daqui a alguns anos é o senhor que vai estar sem gravata”. Esses símbolos já caíram por terra. A moda é um reflexo de como você se percebe no mundo, é a forma como você quer se posicionar. Tenho quase 50 anos, falam que pareço ter um pouco menos, mas isso tem muito a ver com a maneira como eu me visto. Estar na moda é se manter contemporâneo com o momento. Às vezes é o tamanho de uma gola, a estampa de uma camisa que diz se você está prestando atenção nessa nova geração. Isso, para mim, mostra quão curioso você se mantém. Estou falando da moda, mas vale para muitas outras atividades, como a leitura.

Na última vez que nos falamos você usava um grupo de WhatsApp chamado Rotinas Shopping para tomar decisões com a diretoria. Como está sua rotina atualmente?

Minha rotina foi toda redesenhada para podermos gerenciar a crise com as equipes à distância. Eu tinha contato uma vez por mês com os membros da Associação de Shopping Centers, agora temos uma reunião diária no fim da tarde. Em algumas de nossas lives, muitas pessoas que tratavam de saúde mental falavam sobre a importância de manter uma rotina. Continuo acordando às 7 da manhã, às 8 horas faço exercícios, às 9 começo a trabalhar, e aí vou até as 7 ou 8 horas da noite. Eu falava menos, agora tenho feito algumas lives. Escrevi um capítulo de um livro organizado pelo José Roberto de Castro Neves, algo que eu nunca tinha feito, sobre o varejo pós-pandemia. Leio bastante, tomo sol na varanda, dentro de casa, respeitando a opinião dos especialistas de saúde.

Acompanhe tudo sobre:ConsumoCoronavírusIguatemiShopping centers

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon