Revista Exame

Qual pode ser o papel do etanol no mercado dos carros elétricos?

Há pouca dúvida de que o automóvel do futuro é a bateria. Para a indústria sucroalcooleira, a dúvida é qual o papel do etanol num mercado em transição. A aposta está lançada

 (Montagem de Camila Santiago sobre fotos de Getty Images/Getty Images)

(Montagem de Camila Santiago sobre fotos de Getty Images/Getty Images)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 15 de julho de 2021 às 05h45.

O timing para lançar a atualização de um produto pode ser decisivo para o sucesso (ou fracasso) de uma indústria. A situação tem até um nome — efeito Osborne, uma homenagem ao americano Adam Osborne, pioneiro dos microcomputadores individuais. Em 1981, Osborne fez história ao lançar um dos primeiros computadores portáteis. A pressa em lançar um novo produto em questão de meses exigiu investimentos vultosos e acabou impactando para baixo as vendas do negócio inicial. A Osborne Corporation faliu em 1985.

Neste momento, as indústrias automotiva e sucroalcooleira estão às voltas com um efeito Osborne em potencial. O rápido desenvolvimento de carros elétricos pode matar o negócio dos veículos a etanol, com motores movidos a combustão de biomassa, como a da cana-de-açúcar, e mais limpos do que os à base da queima da gasolina? Há gente graúda apostando nisso.

“O principal motivo para a eliminação do etanol como alternativa aos carros virá do fim da fabricação de motores a combustão interna”, diz Paulo Puterman, doutor em biotecnologia pela Universidade de São Paulo e fundador da CorNatural, empresa de tecnologias para reciclagem. Para ele, a aposentadoria dos automóveis a combustão tem data marcada: 2026, ano em que o motor elétrico deve estar consolidado como opção mais competitiva.

A bola de cristal de Puterman traz também boas notícias aos produtores de cana-de-açúcar. A geração de energia com a queima do bagaço da cana, considerada tão limpa quanto à da usina eólica ou solar, pode manter a demanda. Nessa seara há espaço de sobra para a expansão dos negócios. Atualmente, só 15% do potencial energético da cana-de-açúcar vira, de fato, eletricidade. Tudo isso gera por volta de 10% da luz consumida pelos brasileiros. Para Evandro Gussi, presidente da Unica, associação das indústrias sucroalcooleiras, só a cana-de-açúcar poderia render de 20% a 30% da eletricidade consumida no país. “Resolveria a crise hídrica, afirma Gussi. “O ápice da produção de cana é justamente entre julho e novembro, meses mais secos no país.”

Há também esperança de uma coexistência pacífica entre os carros a etanol e os elétricos. O motivo: o etanol pode ser usado como parte de carros elétricos capazes de produzir a própria energia. Atualmente, modelos como Tesla dependem do abastecimento externo em postos construídos praticamente do zero mundo afora. Massificar essa infraestrutura vai exigir investimentos pesados nos próximos anos. A aposta dos defensores do etanol é num modelo de carro elétrico movido a etanol que, transformado em vapor, libera células de hidrogênio dentro do próprio veículo — e sem o carregamento externo. 

Recentemente, a montadora Volkswagen fechou parceria com a Unica para desenvolver a célula de combustível a etanol. “Tirar proveito da matriz já limpa do Brasil e investir em novas tecnologias é a grande vantagem que temos por aqui”, afirmou Pablo Di Si, presidente da VW para a América Latina, no início do ano. Ainda assim, a montadora alemã deverá lançar 60 modelos elétricos convencionais nos próximos cinco anos. Na Stellantis, grupo que reúne as marcas Fiat, Chrysler, Jeep, Peugeot e Citroën, a ordem é seguir investindo em etanol enquanto os testes com modelos elétricos são realizados. Já a BMW está desenvolvendo um extensor de autonomia para o primeiro veículo elétrico da marca vendido no Brasil, o i3. O motor a combustão será movido a etanol, garantindo neutralidade na emissão de carbono. 

Embora existam indicativos de que a indústria automotiva pode manter o etanol como alternativa, o consenso está apenas na eletrificação crescente da mobilidade. A esperança da indústria sucroalcooleira é de um mundo onde diferentes regiões operem matrizes diferentes de combustível e mais de uma linha de desenvolvimento tecnológico. O debate está aberto e há diferentes visões dentro da indústria automotiva. “Se eu atuasse na indústria sucroalcooleira, estaria pensando em alternativas”, diz João Oliveira, diretor-geral de operações e inovação da Volvo Cars Brasil. 

Mercados fechados

Em 2021, a Volvo anunciou que estava deixando de vender veículos a combustão no Brasil. O portfólio da montadora agora só conta com carros elétricos ou híbridos. Até 2030, a meta é encerrar a produção dos híbridos, ficando só com os 100% a bateria. “Qualquer país que pretenda se inserir na cadeia global da indústria automotiva terá de partir para a eletrificação total”, diz Oliveira. “Até podem existir regiões que adotem outros modelos, porém serão mercados restritos e fechados.”

A maioria das grandes montadoras, inclusive a Volvo, ainda tem planos para os motores a combustão ou híbridos. Também é fato que todas já colocaram uma data para dar a virada do carro elétrico, que gira em torno de 2030. Em algum ponto entre hoje e o final da década, o custo de produção dos elétricos deve se igualar ao dos não elétricos — há quem diga que já em 2026. A dúvida é em que ponto os consumidores vão decidir aposentar a combustão e partir para as baterias. Uma pergunta adicional é qual será o papel do etanol na eletrificação. O timing, tanto na comédia quanto nos negócios, é uma arte.   

Acompanhe tudo sobre:BiocombustíveisCarrosCarros elétricosCarros híbridosCombustíveisEtanolIndústriaVeículos

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon