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A energia elétrica é o calcanhar de aquiles de Dilma

O setor elétrico, área da economia que a presidente mais conhece e que está sob seu comando há 11 anos, vive uma de suas fases mais inseguras. Má notícia para a candidata Dilma Rousseff

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Da Redação

Publicado em 27 de março de 2014 às 20h01.

São Paulo - Passar por um racionamento de energia é um golpe duro para qualquer presidente, em qualquer lugar do planeta. Para Dilma Rousseff — que neste ano tem pela frente uma eleição e, antes disso, uma Copa do Mundo, evento que colocará o Brasil sob os olhos do mundo inteiro —, um racionamento seria ainda mais danoso.

Embora seja impossível prever o impacto de um corte forçado no consumo de eletricidade, o que ocorreu em 2001, ano do racionamento decretado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, ajuda a dar uma ideia.

Um relatório do banco JP Morgan mostra que, naquele ano, o mercado brasileiro de ações caiu 70% e o crescimento do produto interno bruto desacelerou para 1,3%, ante os 4,3% de 2000. Desta vez, fora as implicações econômicas, um racionamento provocaria um desgaste adicional à imagem da presidente.

Dilma é considerada especialista no setor energético. Comandou a área por oito anos no governo gaúcho antes de assumir o Ministério de Minas e Energia em 2003, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na prática, ela dá a última palavra no setor há 11 anos, o que joga ainda mais responsabilidade sobre seus ombros.

O risco de um racionamento de energia é apenas a parte mais visível dos problemas que se acumulam na área energética nos últimos anos — e que não se restringem ao setor elétrico, como veremos adiante. Hoje, ninguém pode prever se haverá racionamento ou não.

O que se sabe, porém, é que a probabilidade de ele ocorrer está aumentando e, pior, passou do limite de 5% que os especialistas consideram aceitável. Em fevereiro, a probabilidade era de 18,5%, segundo relatório da PSR, empresa que desenvolve soft­wares para a operação do sistema elétrico de países escandinavos e do sistema de distribuição da Costa Leste americana.

Ou seja, estamos expostos a um risco muito acima do aceitável. Seria vital, agora, diagnosticar as falhas e corrigi-las. No entanto, o governo nega todos os problemas. Quando tocou no assunto, colocou a culpa na conta de São Pedro: a causa dos 11 apagões ocorridos no governo Dilma foi atribuída a raios e queimadas.

É verdade que o Brasil está passando por uma das piores estiagens da história. Com isso, os reservatórios das hidrelétricas, as maiores geradoras de energia no país, caíram ao nível mais baixo desde 2001. Para complicar, o calorão deste ano aumentou o uso de aparelhos de ar-condicionado e ventiladores, elevando o consumo de eletricidade em casas e escritórios.

Em janeiro, o volume demandado de energia foi 12% acima do mesmo mês em 2013. Ocorre que nem a seca nem o aumento do consumo deveriam pegar o governo de surpresa. Os sistemas elétricos são — ou deveriam ser — dimensionados para aguentar esse tipo de evento extremo. As vulnerabilidades do setor, atestam os analistas, são estruturais.


Uma dessas deficiências é o esvaziamento mais abrupto dos reservatórios de água das hidrelétricas, que vem ocorrendo nos últimos anos. Tudo indica que esse esvaziamento é causado por uma combinação de fatores. A perda de eficiência das hidrelétricas é um deles.

Com o passar do tempo, os equipamentos se desgastam e as usinas começam a precisar de mais água para gerar energia. Qual a perda de eficiência? Difícil estimar. O próprio Operador Nacional do Sistema (ONS), órgão que administra todo o setor elétrico, está com seus programas de controle desatualizados, o que distorce os cálculos oficiais de energia disponível.

As usinas deveriam ter medidores do nível de água, mas, apesar de a Agência Nacional de Energia Elétrica recomendar a instalação dos equipamentos, nada foi feito até agora. O ONS também precisaria atualizar estudos de topografia do fundo dos reservatórios. Ao esconder assoreamentos, as informações antigas levam o governo a traçar previsões mais otimistas do que a realidade.

A perda de capacidade de armazenagem de água, aliás, tende a aumentar por causa do modelo das novas hidrelétricas, construídas praticamente sem represas para reduzir o impacto ambiental. Para completar a encrenca, os atrasos na construção de usinas e linhas de transmissão têm feito com que a oferta de energia cresça menos do que a demanda.

No ano passado, a oferta de energia cresceu 40% menos do que o previsto. Atualmente, 71% das linhas de transmissão em construção estão com mais de 13 meses de atraso.

Ficou pior

A soma desses problemas já formaria uma situação suficientemente complexa de administrar. Mas o governo conseguiu complicar ainda mais o xadrez ao baixar a Medida Provisória 579, em setembro de 2012. A intenção era boa: reduzir o preço da energia, em média, em 20% a partir de 2013.

A MP propôs a renovação antecipada da concessão das geradoras e transmissoras de energia, cujos contratos venceriam até 2017. A negociação da antecipação era bem-vista, pois liberaria as concessionárias para fechar novos contratos de longo prazo com as distribuidoras, o último elo da cadeia. A execução, porém, se revelou desastrosa.

“O governo quis baixar a tarifa, mas mexeu no lugar errado ao cortar apenas a remuneração das empresas, em vez de reduzir impostos”, afirma o consultor Roberto D’Araújo, do Instituto Ilumina, um centro de estudos do setor. Concessionárias que não pertencem ao governo federal, como a estatal mineira Cemig, a paranaense Copel e a paulista Cesp, chiaram alegando que perderiam receita e ficariam sem o retorno de investimentos feitos.

Os valores de indenização oferecidos por Brasília a essas empresas estão sendo contestados na Justiça. Só a diferença entre o que o governo quer pagar pelos investimentos feitos na usina Três Irmãos e o que a Cesp, sua proprietária, quer receber é de 2 bilhões de reais.


As concessionárias do governo federal aceitaram as condições, mas suas ações desabaram com os prejuízos bilionários causados pela medida provisória. As geradoras que não obedeceram ao Planalto também tiveram fortes perdas. Ironicamente, estão faturando alto no momento.

As medidas adotadas para baixar a conta de luz na marra provocaram sério desarranjo no setor. Como três grandes geradoras (Cemig, Copel e Cesp) não renovaram a concessão, não houve energia suficiente para o governo fazer os leilões com contratos de longo prazo para todas as distribuidoras. O efeito disso foi péssimo para todos.

Isso porque a energia negociada em contratos de longo prazo é geralmente bem mais barata do que a comprada no mercado livre. Com os sinais de alta no consumo e de baixa nos reservatórios sendo dados desde 2012, o preço no mercado livre disparou. No ano passado, distribuidoras que tinham contratos de pouco mais de 100 reais o megawatt passaram a pagar 400 reais no mercado livre.

Neste ano, o preço já atingiu 822 reais. “O governo tentou inverter a lei de oferta e demanda ao baixar o preço da energia num momento em que o consumo subia e a oferta não acompanhava”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. A tentação de segurar preços para controlar a inflação e agradar ao consumidor não é uma novidade nos governos Dilma e Lula.

A manobra é usada com o preço dos combustíveis há anos. A defasagem do preço da gasolina e do diesel em relação à cotação internacional é hoje de 15%. Por isso, a Petrobras perdeu 4,5 bilhões de dólares só em 2013. A política de controle de preço dos combustíveis também prejudicou os produtores de etanol e desmantelou o setor, que já foi chamado de Arábia Saudita verde.

Com a oferta de energia ficando aquém da demanda, a tendência seria de aumento nas tarifas. Mas, para evitar a alta para o consumidor final, o Tesouro tem arcado com a diferença de preço. No ano passado, essa conta foi de 15 bilhões de reais. A estimativa é que neste ano sejam necessários outros 24,5 bilhões, um peso e tanto para quem terá de cortar 44 bilhões para fazer superávit primário.

“A série de mudanças recentes tornou o setor elétrico novamente dependente de dinheiro do governo, um tremendo retrocesso para o país”, afirma Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. “O governo escolheu o caminho do improviso, o que numa área complexa como essa só poderia resultar em erros grosseiros.”

A insegurança dos apagões é o preço que a economia do país vai pagando por essas escolhas. Preço que, se São Pedro não ajudar, poderá ser alto também para a candidata Dilma Rousseff.

Com reportagem de Alexandre Rodrigues e Daniel Barros

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