Revista Exame

O Brasil do próximo presidente

A compreensão de que o país está a meio caminho do desenvolvimento é o primeiro - e mais importante - passo para que o sucessor de Lula seja bem-sucedido

O Brasil do próximo presidente (Divulgação/EXAME.com)

O Brasil do próximo presidente (Divulgação/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Em qualquer lugar do mundo, campanhas eleitorais são propensas à exacerbação dos sentimentos - para o bem e para o mal. É natural e esperado que governistas dourem a realidade e que oposicionistas a turvem. Ante tal choque retórico, o eleitor pode pesar
prós e contras e tomar sua decisão sobre os rumos da nação, seja premiando o governante com um apoio renovado, seja propiciando a alternância no poder. E assim caminham as democracias. Não se trata de dizer que os eleitores estejam sempre certos - não faltam exemplos de escolhas que se mostraram desastrosas. Mas cabem as palavras de Winston Churchill, o grande líder inglês: "Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos".

O Brasil de 2010, porém, parece seguir um script um pouco diferente do usual. Nesta campanha, ninguém ousou enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, protegido pela popularidade recorde e por indicadores econômicos de corar líderes do mundo desenvolvido. Até mesmo o principal candidato da oposição, o tucano José Serra, usou imagens de Lula em seu programa eleitoral, numa duvidosa estratégia de tentar, também ele, surfar a onda pró-governo. Resultou uma campanha algo desidratada, sem um real debate do que foram os últimos oito anos e do que precisamos fazer a partir de agora. É uma pena. O governo Lula não é, obviamente, o desastre anunciado por muitos analistas antes de sua posse, ainda em 2003. Também está longe da perfeição cantada em prosa e verso por petistas e pelo próprio presidente. Com todas as limitações do momento eleitoral, um debate sobre quanto avançamos e o que ficou por fazer seria extremamente bem-vindo. É essa discussão que EXAME pretende fomentar ao convidar alguns dos mais preparados analistas da cena brasileira para discorrer sobre o Brasil de hoje, o país que o sucessor de Lula herdará.


O panorama traçado por eles mostra um quadro menos róseo. Na economia, não há dúvidas quanto ao bom momento. Vivemos o 16º ano de estabilidade monetária. Embora muito longe do patamar chinês, o Brasil apresenta hoje um crescimento sustentável em torno de 4% a 5% - qualquer número acima disso, como a cifra de 7% esperada para 2010, parece ter fôlego curto. A média de crescimento do PIB e da renda dos anos Lula é significativamente superior à dos anos Fernando Henrique Cardoso, e esse impulso terminou por redefinir a pirâmide social. Somos, pela primeira vez, uma sociedade em que a classe média se aproxima do sentido matemático do termo - até recentemente ela era um pequeno contingente esmagado entre meia dúzia de milionários e milhões de miseráveis. O lado mais brilhante do legado de Lula referese ao surgimento de um mercado doméstico poderoso, que tem servido de alicerce para as empresas instaladas no país. Políticas sociais bem definidas compõem o arcabouço do estado de bem-estar social montado desde a Constituição de 1988. O que se vê hoje na economia do país não é mérito exclusivo de Lula. Ele próprio herdou um plano de estabilidade que está na base de todo o crescimento. Seu maior feito foi proteger a estabilidade e deixar que a economia prosperasse. Não é pouco.

O brilho do governo vai sumindo quando se olham as mudanças requeridas na estrutura econômica. Se queremos manter as conquistas, reformas são urgentes - e é aí que surgem as maiores oportunidades para seu sucessor (esta  edição foi concluída no dia 27 de setembro, antes da eleição). O ímpeto reformista de Lula ficou restrito aos primeiros anos, com a agenda microeconômica que está por trás, por exemplo, do boom imobiliário e do aumento do crédito. Desde então, o governo preferiu não mexer em qualquer vespeiro. Liderar, porém, não é seguir o consenso. É, antes de tudo, criar o consenso. Se, para pavimentar o crescimento futuro for preciso incomodar, paciência - é o ônus que todo estadista deve estar disposto a arcar. O atual governo é pródigo em autoelogio. Mas, para um observador atento, fica claro que o Brasil não chegou ao desenvolvimento. Estamos, sim, no meio de um longo caminho. Perdemos muito tempo, um pecado mortal num país com uma das mais bizarras leis trabalhistas do mundo, uma estrutura tributária enlouquecedora, uma burocracia que sufoca a energia empreendedora, um saneamento de padrão quase africano, uma infraestrutura logística subdesenvolvida, uma educação de péssima qualidade - e a lista segue.

O próximo presidente deveria também encarar a missão de recompor alguns limites que andaram se perdendo nos últimos tempos. Nas democracias, líderes partidários e governantes têm papéis diferentes. Instituições de Estado não devem servir a agrupamentos políticos. Estado e governo não podem se confundir. Órgãos de imprensa trabalham não para o governo, mas para o cidadão. Os poderes são e devem permanecer independentes. Como lembrou Churchill, não há alternativa que valha a pena fora da democracia. Fortalecê-la talvez seja a missão primeira do novo ocupante do Planalto.

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