Bolsa de Nova York: a companhia já montou um plano de negócios para operar aqui, batizado de Projeto Zico (Spencer Platt/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 20 de julho de 2012 às 06h00.
São Paulo - Na noite de 23 de outubro de 2007, Manoel Felix Cintra Neto, na época presidente da BM&F, telefonou para John Thain, então presidente da bolsa de Nova York (Nyse), o maior mercado de ações do mundo.
Os dois negociavam havia meses uma parceria que previa o fornecimento de tecnologia para os brasileiros — e Cintra Neto queria ser o primeiro a dizer a ele que o acordo não ia ser fechado. Uma concorrente da Nyse, a bolsa de derivativos americana CME, havia feito uma proposta mais vantajosa para a BM&F e o comunicado seria divulgado horas mais tarde.
Thain disse um seco “estou decepcionado” e bateu o telefone. Cinco anos depois, a bolsa de Nova York volta a se aproximar do Brasil — mas, dessa vez, não é para se associar à BM&F Bovespa. A Nyse chega para concorrer.
EXAME apurou que a companhia já elaborou um plano de negócios — batizado internamente de Projeto Zico, em referência ao ex-jogador do Flamengo e da seleção brasileira considerado pelos americanos um exemplo de talento e seriedade —, que está sendo discutido com a Comissão de Valores Mobiliários e com o Banco Central e deve ser apresentado publicamente em agosto.
O Brasil é um dos poucos países em que há só uma bolsa. Em mercados de porte parecido, como Austrália e Espanha, existem pelo menos dois mercados paralelos. Nos Estados Unidos, onde há muito mais empresas abertas, funcionam 13 bolsas e 20 plataformas eletrônicas de negociação de ações.
É esse filão tecnológico que a Nyse quer atacar aqui. A empresa planeja atuar em parceria com a provedora de tecnologia financeira brasileira Americas Trading Group (ATG) para permitir que as próprias corretoras fechem as ordens de compra e venda de ações de seus clientes, sem que isso passe pela BM&F Bovespa.
Para os investidores, a vantagem desse serviço é a rapidez. Grandes fundos que fazem a gestão de suas carteiras por meio de computadores, comprando e vendendo ações milhares de vezes por minuto para ganhar com pequenas variações de preço, só conseguem bons retornos se forem capazes de executar suas ordens com muita agilidade.
Portanto, caso a Nyse se instale mesmo no Brasil, as empresas continuarão a ser listadas na Bovespa — mas haveria mais uma forma de negociar ações no Brasil.
A Nyse é a maior, mas não é a única bolsa estrangeira de olho no mercado brasileiro. Nos últimos dois anos, as também americanas Bats e DirectEdge anunciaram que pretendem atuar aqui. Além delas, uma extinta bolsa brasileira, a Bovesba, que funcionou de 1924 a 2000 na Bahia, planeja reativar suas operações.
Pessoas próximas à instituição dizem que está sendo costurada uma associação com a bolsa de Londres (a Bovesba admite que negocia com um sócio estrangeiro, mas não diz qual). Procuradas, ATG e Nyse não comentaram o assunto.
Os estrangeiros querem se aproveitar da insatisfação de corretores e grandes investidores com a BM&F Bovespa. A maior queixa diz respeito à tecnologia. Em 26 de junho, a plataforma de negociação de ações ficou fora do ar por
4 horas, algo que a própria bolsa considera inaceitável (ela multa corretoras que tenham problemas por mais de 84 minutos durante um mês). Além disso, a bolsa cobra mais caro de corretoras que realizam muitas ordens de compra e venda por minuto — o que não ocorre em nenhum outro lugar —, porque isso congestiona seus sistemas.
“É verdade que temos problemas, mas eles serão resolvidos até o fim do ano, quando entrará no ar um novo sistema desenvolvido em parceria com a CME”, diz Edemir Pinto, presidente da BM&F Bovespa. Outra reclamação é sobre os preços cobrados dos investidores.
Um estudo da consultoria britânica Oxera, encomendado pela CVM, mostra que o mercado brasileiro é um dos mais caros do mundo: as taxas são até 27 vezes maiores que as cobradas pela Nyse.
Com base no que ocorreu em outros países, a empresa americana de análise de ações Equity Research Desk estima que o aumento da concorrência reduziria os preços 50%. Edemir Pinto contesta os números e diz que o estudo da Oxera não considera os diferentes serviços que são oferecidos pelas bolsas.
Em busca de um sistema
Hoje, o que chama a atenção das bolsas de fora não é o tamanho do mercado brasileiro: há apenas 372 empresas abertas (na Índia, por exemplo, são mais de 5 000) e as receitas geradas pela compra e venda de ações somam meio bilhão de reais por ano. Mas esse é um segmento extremamente rentável.
A margem Ebitda (relação entre a geração de caixa e a receita líquida) da BM&F Bovespa em 2011 foi de 62%, a segunda maior entre as companhias do Ibovespa. Com sua plataforma de negociação, a Nyse espera atrair grandes investidores que não operam no Brasil — o que, em tese, poderia aumentar o tamanho do mercado local.
Abocanhar uma fatia desse bolo, porém, deve dar trabalho. O principal entrave é a forma como as novas bolsas vão concluir as compras e as vendas de ações: uma vez que as ordens são dadas pelos investidores, é preciso ativar um processo de checagem para garantir que a operação seja concluída (a compensação, no jargão do setor).
Hoje, só a BM&F Bovespa tem um sistema que faz isso, e ela não pretende colocá-lo à disposição da concorrência — nem mesmo se os rivais pagarem para isso. Montar um sistema próprio é caro e pode levar anos. Outra opção, em estudo pela Nyse, é batalhar com a CVM a liberação de um mecanismo já usado internamente pelas corretoras para controlar suas ordens.
Um escritório de advocacia, o JL Rodrigues, foi contratado para ajudar nas negociações. Quem investe nas ações da BM&F Bovespa não parece preocupado com a possibilidade de aumento da concorrência: os papéis estão indo melhor que a média do mercado.
Há quase um ano e meio, a bolsa brasileira vive sob a ameaça da entrada de um concorrente, mas seus acionistas não parecem estar nem aí. A Nyse espera que seu Projeto Zico seja encarado de forma diferente.