Lula e Fernando Henrique: quatro mandatos que mudaram a cara do país (Antônio Milena/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.
Quando o assunto é Brasil, o economista americano Albert Fishlow já era um otimista antes de o otimismo entrar na moda. Em março de 2009, a crise pegava fogo, os empresários adiavam investimentos e os bancos privados não queriam emprestar dinheiro para ninguém. O Brasil parecia, como, de resto, o mundo inteiro, estar no centro do furacão. Tirando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua “marolinha”, não era fácil encontrar alguém que vislumbrasse um cenário otimista. Fishlow não conseguia enxergar qual era o problema. “Crescer mais devagar será bom para o país”, disse.
Sete anos antes, apesar do dólar nas alturas com a eleição do então candidato Lula, lá estava o professor americano com um ar de tranquilidade prevendo que haveria continuidade da política econômica do governo FHC. “Lula se comprometeu com o acordo (feito com o FMI). Vejo muito mais a continuidade do que uma revolução.” Um pouco antes, a Argentina estava quebrada e o contágio do Brasil era dado como certo por especialistas. “O Brasil está longe de se tornar uma Argentina.” No recém-lançado O Novo Brasil, Fishlow, professor emérito da Universidade Columbia, em Nova York, explica as razões de seu otimismo — e aponta os caminhos para que a notável transformação econômica das últimas duas décadas não se perca num precipitado clima de já ganhou.
Ainda é pouco
É intrigante notar que, nos episódios descritos acima e em muitos outros, o americano Fishlow tenha demonstrado mais confiança no Brasil do que os nossos analistas. Olhar o país de fora certamente ajudou. Quando começou a se interessar pelo Brasil, 45 anos atrás, Fishlow conheceu um país que ainda engatinhava em sua industrialização, começava a se urbanizar e, principalmente, mergulhava no arbítrio. O ponto de partida de sua análise é a redemocratização — o início da Nova República é descrito como um período em que o país se encontrava em pandarecos, arrasado pela inflação e sem apoio externo algum. Nossa relação com os Estados Unidos, lembra ele, era tão ruim que, numa visita oficial a Washington, José Sarney não conseguiu mais que um punhado de minutos de audiência com Ronald Reagan. Não foi muito diferente na era Collor, também dominada por inflação alta e inúmeras denúncias de corrupção.
Fishlow aponta, no período Sarney-Collor, alguns pilares que seriam fundamentais para o que viria a seguir. A Constituição de 1988, com todos os seus problemas, ajudou a descentralizar a economia, dando autonomia a estados e municípios. E Collor, como se sabe, iniciou a abertura comercial que tiraria a proteção a setores econômicos carcomidos. Mas é no período seguinte — dominado pelos quatro mandatos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula — que o Brasil mudou de patamar. O autor coloca os êxitos e as falhas de Fernando Henrique e de Lula no mesmo patamar. “Dois presidentes, com perspectivas políticas e prioridades distintas, produziram continuidade econômica coerente.”
Entre os aplausos a FHC, destaque para a evolução na educação pública, que “recebeu forte ímpeto”, o processo de privatização, que “reestruturou o Brasil”, e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Para Lula, elogios ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ao Bolsa Família, que “propiciou retornos impressionantes”, e à Lei de Falências. Chegou-se, assim, a um país que cresce, um mercado de capitais que floresce, com empresas que competem no exterior e uma economia em que temores de calote ou viradas nas regras do jogo parecem tão impossíveis quanto a volta dos generais ao poder.
Fishlow é o primeiro a dizer que ainda é pouco. Os problemas são amplamente conhecidos, e o pior que pode acontecer é uma contaminação geral pela ideia de que o país já deu certo. Em entrevista a EXAME, Fishlow diz que a presidente Dilma Rousseff deveria aproveitar o início do mandato para aprovar a reforma da Previdência. “Isso tem ligação direta com o problema fiscal do país, pois o déficit da Previdência explica a existência de uma das maiores cargas de impostos do mundo.” Desafios conhecidos, como aumentar a taxa de investimento, incrementar nossa infraestrutura precária ou criar um sistema de saúde civilizado, não podem ficar escondidos sob a euforia de uma onda de crescimento. Em meio a um debate sobre reforma tributária na página 279, quase no crepúsculo da obra, Fishlow crava: “Tentar reduzir as dimensões do setor público brasileiro é uma batalha perdida”. Até o otimismo de Albert Fishlow tem limites.