Revista Exame

O Alibaba no topo do mundo

O conglomerado online chinês está prestes a estrear na bolsa de Nova York num IPO que tem tudo para bater recordes e colocar o nome de seu criador, Jack Ma, na lista dos maiores gênios da internet


	Jack Ma, presidente do conselho da Alibaba
 (Bloomberg)

Jack Ma, presidente do conselho da Alibaba (Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 20 de setembro de 2014 às 08h00.

São Paulo - Em algum momento nas próximas semanas, o chinês Jack Ma vai tocar o sino de abertura de Wall Street para comemorar a estreia do Alibaba, sua empresa de comércio eletrônico, na bolsa de Nova York. O evento deve ser a maior oferta inicial de ações, ou IPO, da história. Será a confirmação da entrada de Ma num clube do qual ele provavelmente não deveria fazer parte.

O Google nasceu de um projeto acadêmico de dois estudantes de Stanford, a universidade-símbolo do Vale do Silício. A Amazon foi criada por um gestor de fundos superdotado que enxergou o futuro do comércio eletrônico. O Facebook foi idealizado por um adolescente que, como Bill Gates, abandonou Harvard para se dedicar à sua empresa.

A história de Ma é diferente. Ele só entrou na universidade depois de prestar o vestibular três vezes — para cursar inglês. Nasceu e foi criado na China, a meio mundo de distância da cultura empreendedora responsável pela revolução da internet, e nunca escreveu nem uma linha sequer de programação de software.

Mas o portal de negócios entre companhias que ele fundou se transformou na maior empresa de comércio eletrônico do mundo em mercadorias negociadas. Os braços que compõem o conglomerado Alibaba dominam completamente o e-commerce na China, um país que tem mais usuários de internet (618 milhões) do que qualquer país tem de habitantes, com exceção da Índia.

­Isso explica a fome dos investidores por um pedaço da empresa. A estimativa mais aceita é que o Alibaba levante 20 bilhões de dólares no IPO. De acordo com a faixa de preço estabelecida para a oferta inicial, o valor de mercado da empresa é de cerca de 150 bilhões de dólares, mas esse número pode aumentar com a valorização das ações.

Os números recordes são um sinal da genialidade e da tenacidade de Ma — e também um presságio do novo jogo de forças na economia digital.

O Alibaba nasceu em 1999 no apartamento de um quarto de Ma em Hangzhou — cidade de 2,4 milhões de habitantes no leste da China — e, nos últimos 15 anos, tomou proporções descomunais. Eis alguns números:

• Os três principais sites do grupo destinados ao consumidor final registraram 248 bilhões de dólares em transações em 2013, mais do que a soma dos volumes negociados por Amazon e eBay;

• A China tem 302 milhões de consumidores online. O Alibaba conta com 231 milhões de clientes ativos, número maior do que a população brasileira;

• A melhor data para o varejo online na China é novembro, quando se comemora o Dia dos Solteiros. Em 2013, o Alibaba registrou 5,75 bilhões de dólares em vendas nesse dia. Na Cyber Monday de 2013, dia de maior movimentação do e-commerce americano, as vendas foram de 2,29 bilhões;

• A margem de lucro do Alibaba é muito maior do que a de empresas como Amazon e eBay.

A maneira mais simples de entender o Alibaba é considerá-lo um grande intermediário — um intermediário puro-sangue. Um varejista como a americana Amazon, ou as brasileiras B2W e o site do Magazine Luiza, compra as mercadorias da indústria e as revende para os consumidores. Esse arranjo tradicional responde por 76% das vendas online nos Estados Unidos.

Na China, apenas 10% das vendas pela internet seguem esse modelo. A imensa maioria das transações online envolve um mediador para unir comprador e vendedor — e esse papel, quase sempre, cabe a uma das empresas que compõem o conglomerado de Ma. As receitas do grupo, de cerca de 7 bilhões de dólares, são pequenas diante dos quase 300 bilhões de dólares movimentados no e-commerce chinês.

Mas o faturamento corresponde apenas às comissões e aos serviços pagos pelos vendedores que negociam nos sites. O número que impressiona é outro: o Alibaba é o intermediário de 80% das vendas online da China.

Outra diferença fundamental do Alibaba é sua estrutura aparentemente caótica. As empresas ocidentais têm um único site em seu país de origem, com filiais (muitas vezes idênticas) espalhadas pelo mundo. Sob o guarda-chuva do Alibaba, há diversos sites com marcas e modelos de negócios diferentes. Os maiores deles — e também os maiores geradores de receita — são voltados para o consumidor final.

O principal é o Taobao, versão chinesa do eBay. O site foi lançado em 2003, quando o eBay entrou na China com a aquisição do site de leilões Each.net e 200 milhões de dólares reservados para a invasão do mercado. “O eBay pode ser um tubarão no oceano, mas eu sou um crocodilo no rio Yang-tsé”, disse Ma na época.

“Se lutarmos no oceano, vamos perder, mas, se lutarmos no rio, vamos ganhar.” O Alibaba, até então um site de negócios entre companhias, tinha acabado de se tornar lucrativo, mas Ma decidiu apostar tudo no confronto lançando um site para ligar pequenas empresas a seus clientes.

O Taobao decidiu não cobrar comissão dos vendedores por três anos (o desconto seria renovado por outros três) e investiu na criação de um site mais em sintonia com os desejos dos consumidores do país. “Foi uma jogada de vida ou morte”, diz Porter Erisman, um americano que trabalhou diretamente com Ma nos primeiros anos do Alibaba e produziu um documentário batizado de O Crocodilo do Yang-tsé.

O crocodilo jantou o tubarão: três anos depois, o eBay abandonaria a China humilhado. O caminho para a dominação do Alibaba estava desimpedido.

De uma só vez, Ma afastou a ameaça externa e criou uma massa crítica imbatível de compradores e vendedores. Esses dois elementos deram a Ma uma vantagem crucial para quem faz negócios na internet: o efeito de rede. Quem vende quer estar onde estão os compradores, e quem compra quer estar onde estão os vendedores.

Outro movimento decisivo na trajetória do Alibaba foi o lançamento de um serviço de pagamentos “com características chinesas”. O Alipay resolveu o problema da falta de confiança, uma questão fundamental no nascente comércio eletrônico do país. O Alipay só repassa o dinheiro aos vendedores depois de uma confirmação do comprador.

“Foi um lance genial de Ma”, diz Frank Lavin, ex-subsecretário de Comércio Internacional do governo americano e fundador da Export Now, consultoria que ajuda companhias estrangeiras a vender para os chineses por intermédio do Alibaba. “Os chineses não usam cartão de crédito, mas o Alipay cumpre esse papel.”

O efeito de rede também explica por que o Alibaba tem margens de lucro tão altas. Com centenas de milhões de produtos à venda, os vendedores estão dispostos a pagar por anúncios para destacar seus produtos e por serviços de design para tornar suas lojas virtuais mais atraentes.

Outra vantagem de ter acesso às duas pontas das transações online é que o Alibaba não precisa investir em marketing nos mecanismos de busca, como os varejistas online ocidentais. Pelo contrário: os robôs do Baidu, maior empresa de buscas da China, não conseguem fazer pesquisas dentro dos sites do Alibaba. “Um chinês que vai às compras pela internet acaba fazendo suas buscas diretamente no Taobao ou no Tmall”, diz Lavin. “É uma das vantagens de ser um quase monopólio.”

Que o digam nomes como Adidas, Samsung, Apple, Disney e Nike — todas essas marcas abriram lojas próprias dentro do shopping virtual Tmall, lançado por Ma em 2008 como uma plataforma para que marcas de renome pudessem vender diretamente para os chineses. Rapidamente, o Tmall tornou-se o segundo maior negócio do grupo.

Em troca de 5% das vendas, as marcas têm acesso aos 231 milhões de consumidores do grupo Alibaba — muitos deles com conta cadastrada no Alipay —, prontos para comprar.

“Muitas marcas também têm seus sites independentes, mas ficar fora do Tmall simplesmente não é uma opção”, diz Ernie Diaz, fundador da consultoria Web Presence in China, empresa que, como diz o nome, ajuda marcas internacionais a acessar o mercado online que logo deverá passar os Estados Unidos e se tornar o maior do mundo.

“Os chineses confiam no Tmall. Se você quiser operar na China só com um site independente, vai ter de se preocupar com a infraestrutura, com tráfego para seu site. No Tmall, isso vem no pacote.”

O que vem pela frente

Não existe uma explicação única que dê conta do sucesso imenso do Alibaba no comércio eletrônico, mas uma das mais mencionadas por analistas e observadores tem a ver com o timing e com o estágio de desenvolvimento da economia chinesa quando Ma entrou em cena.

“Em um país como os Estados Unidos, o varejo já estava desenvolvido, e o comércio eletrônico foi uma extensão disso”, diz Julia Q. Zhu, fundadora da consultoria Observer Solutions, especializada no mercado chinês de internet.

“Na China, a situação era muito diferente. Não havia grandes redes do varejo tradicional.” Sair na frente acabou sendo uma vantagem importante, ainda mais em um mercado gigantesco como o chinês, com sua classe média de 500 milhões de pessoas. É justamente isso o que está à venda nesse IPO, um mercado online que cresce 120% ao ano desde 2003, segundo a consultoria McKinsey.

Depois da abertura de capital, a expansão internacional é uma das áreas que devem demandar a atenção de Ma. O Alibaba está presente no Brasil com o site Aliexpress. A empresa não divulga números da operação brasileira, mas sua presença já se fez sentir.

“A China já é responsável pelo maior volume de compras online feitas pelos brasileiros no exterior”, diz Alberto de Mello Mattos, responsável pelo departamento internacional dos Correios.

O Alibaba tem 2 milhões de clientes brasileiros cadastrados, segundo Mattos, e a ideia é que os negócios tenham mão dupla: em julho, a estatal assinou um memorando de entendimentos com o Alibaba para facilitar as vendas de empresas brasileiras nos sites chineses do grupo.

Nem todo mundo reconhece — pelo menos, não publicamente —, mas o Alibaba já está tirando o sono de muita gente no Brasil. O Mercado Livre, líder do segmento de intermediação no país, diz ter as mesmas vantagens que o grupo de Ma tem na China. Conta com o sistema de pagamentos MercadoPago, semelhante ao Alipay, e um modelo de lojas próprias para marcas, como o Tmall.

“Estamos no mercado há 15 anos e temos 100 milhões de usuários cadastrados”, diz Stelleo Tolda, presidente do Mercado Livre. Mas a maior vantagem do Aliexpress é o acesso direto à fábrica do mundo — e, nesse ponto, as empresas brasileiras não têm como competir.

Ainda que o maior mercado online da América Latina ganhe mais atenção do Alibaba, o dinheiro do IPO terá como principal destino os Estados Unidos. Nos últimos meses, a empresa investiu centenas de milhões de dólares em startups. Foram 250 milhões no serviço de caronas Lyft (concorrente do Uber) e 120 milhões na Kabam, uma produtora de jogos — só para mencionar dois exemplos.

Ma também está dando os primeiros passos — cautelosos — no varejo online americano. O recém-lançado 11 Main é uma loja de alto padrão que vende produtos selecionados aos americanos.

Mesmo com todo esse entusiasmo nos Estados Unidos, espera-se que pelo menos parte do que for levantado no IPO também seja usada para defender a posição do conglomerado no mercado chinês. Um dos grandes rivais do Alibaba na China é o grupo Tencent, que até o IPO do Alibaba manterá o título de empresa asiática de internet com o maior valor de mercado.

O Tencent é dono da rede social mais popular da China, o serviço de mensagens instantâneas WeChat. “O Tencent usa seus serviços de comunicação para desviar o tráfego do Alibaba e levá-lo para as próprias plataformas”, diz Bill Fan, analista do banco de investimento China Securities Co. Ainda não se sabe medir ao certo a influência das redes sociais nos hábitos de consumo, mas essa é uma potencial fragilidade do Alibaba.

Seguindo o roteiro obrigatório de todo empreendedor digital, Ma não costuma falar publicamente de ­suas possíveis fraquezas. Diz que sua missão é mudar o mundo. Na China, pelo menos, ele está cumprindo seu objetivo. Segundo uma estimativa da Escola de Ciências Sociais da Universidade Tsinghua, 10 milhões de pessoas têm empregos ligados a empresas que negociam nas plataformas Alibaba.

Estima-se ainda que 20 pequenas cidades no interior da China dependam do site. “O Alibaba não é só um trabalho. É um sonho, uma grande causa”, disse Ma na comemoração dos dez anos do ­Taobao, no ano passado. “Que os investidores de Wall Street nos xinguem se quiserem. Vamos continuar seguindo nosso princípio de clientes em primeiro lugar, funcionários em segundo e investidores em terceiro.”

Com o domínio de um dos maiores mercados de internet do mundo e uma abertura de capital histórica à vista, a preocupação de Ma é só boa retórica: ele não deve ser xingado por nenhum investidor. Pelo contrário: o que todos querem é nadar com o crocodilo no Yang-tsé.

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