Nova York nos anos 50: a década foi marcada pela redução da pobreza e pelo avanço da classe média americana (Douglas Grundy/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 17 de agosto de 2012 às 18h26.
São Paulo - As três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial são consideradas a era de ouro dos Estados Unidos. No período, o PIB cresceu, em média, quase 4% ao ano e a desigualdade caiu. Em 1950, quando 44% da população mundial não sabia ler e apenas 8% tinha concluído o ensino médio, só 2% dos americanos eram analfabetos e 37% tinham o ensino fundamental completo.
Com a população mais bem-educada do mundo, a produtividade da indústria americana expandiu num ritmo inigualável, distribuindo a riqueza então recém-conquistada. Essas décadas de bonança reforçaram o mito do sonho americano — a poderosa ideia de que talento e trabalho duro levam a uma vida melhor.
Na vida real, porém, as coisas não são tão simples. Mesmo antes da atual crise econômica, o sonho americano já não era uma descrição acurada da realidade americana. Nas últimas quatro décadas, a renda da classe média se manteve quase inalterada. Não é de hoje que, estatisticamente, a chance de um americano pobre melhorar de vida é menor que a da maior parte dos europeus.
Larry Katz, professor de economia da Universidade Harvard, costuma comparar a situação social americana à de um edifício. Os apartamentos da cobertura estão cada vez maiores e ocupando mais e mais andares. Os apartamentos do meio estão mais espremidos, os do térreo têm 1 metro de água no chão e o elevador não funciona mais.
O economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, diz em seu novo livro, The Price of Inequality, ou “O preço da desigualdade”, numa tradução livre, que nos últimos 30 anos 90% da população americana viu seus salários avançar 15%, enquanto o 1% mais rico teve sua renda expandida 150%.
Economistas de várias linhas usam diferentes explicações para essa situação, mas nenhum nega que a terra das oportunidades tem cada vez menos oportunidades. Para Paul Krugman, ganhador do Nobel de Economia em 2008 e um expoente entre os neo-keynesianos, os culpados são os governos republicanos, que desde Ronald Reagan enfraqueceram os sindicatos, e o sistema de impostos progressivo.
Vem da Universidade de Chicago, famosa por nunca ter oferecido um único almoço grátis a quem quer que seja, a última contribuição a este debate. O ponto de vista é, obviamente, quase oposto ao de Krugman.
Para o economista italiano Luigi Zingales, professor de empreendedorismo da escola de negócios da Universidade de Chicago, a “estagnação da renda média” é um fenômeno que começou antes da chegada de Reagan ao poder, mas que piorou muito com o governo de Barack Obama.
É de Zingales o recém-lançado A Capitalism for the People: Recapturing the Lost Genius of American Prosperity (numa tradução livre, “Um capitalismo para o povo: a recuperação da genialidade da prosperidade americana”).
Na obra, Zingales argumenta que os Estados Unidos estão se transformando num capitalismo de compadres, em que algumas empresas são eleitas pelo governo como as preferidas — alguém aí lembrou do BNDES e sua política de “campeões nacionais”?
Em 1988, Zingales emigrou da Itália para os Estados Unidos na tentativa de escapar de um sistema que ele julgava ser fundamentalmente injusto. “A Itália inventou o termo nepotismo e aperfeiçoou o conceito de apadrinhamento — e os dois continuam existindo por lá.
Você só é promovido com base em quem você conhece”, diz. Na sua opinião, os Estados Unidos estariam sofrendo uma espécie de “italianização”. O país estaria deixando de ser uma nação de empreendedores para se transformar em um lugar onde todos buscam benesses do governo.
Em tempos de crise ocidental e ascensão asiática, o capitalismo de Estado ganha força em todo o mundo. Por isso, é reconfortante saber que o debate continua aberto no país que é sinônimo de capitalismo.
Se a moda hoje é relativizar a força do Ocidente, Zingales oferece a defesa puro-sangue do mercado. Foi a falta de crença no capitalismo que nos trouxe tantos problemas — e é o capitalismo que pode nos salvar.