Revista Exame

Grupo Malwee: Não tão “fast”

Roupa é para durar. Com essa frase na cabeça, Guilherme Weege, CEO do Grupo Malwee, posiciona a empresa para o consumidor do futuro

Guilherme Weege: para CEO da Malwee, consumidor será mais exigente e menos ansioso por coleções descartáveis (Taba Benedicto/Estadão Conteúdo)

Guilherme Weege: para CEO da Malwee, consumidor será mais exigente e menos ansioso por coleções descartáveis (Taba Benedicto/Estadão Conteúdo)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 4 de junho de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h44.

Em um ano normal, a catarinense Malwee fabrica e vende cerca de 30 milhões de peças de vestuário. Nos últimos dois meses, produziu mais de 40 milhões de máscaras e 10 milhões de jalecos médicos. Para Guilherme Weege, CEO da companhia, esse aumento de produção provoca sentimentos conflitantes. Por um lado, ele sabe que o momento, para a sociedade, é de muita tristeza e dificuldade. Por outro, encontra conforto no fato de estar ajudando as pessoas a se protegerem e seus clientes a não sucumbirem diante das enormes dificuldades provocadas pela quarentena, especialmente os pequenos comerciantes. O fato é que a pandemia trouxe um sentido de urgência para a atuação empresarial e deve acelerar algumas mudanças em curso no mercado.

A mais relevante das transformações será a do consumidor. Para Weege, o fast fashion, modelo de atuação baseado na mudança constante de coleções e na compra desenfreada de novas peças de roupas, não faz mais tanto sentido, apesar de ser um caso inegável de sucesso financeiro. Afinal, segundo pesquisas, mais de 70% do que as pessoas têm no guarda-roupa não é utilizado num período de um ano.

A indústria da moda, confrontada com certas contradições, como essa, terá de rever o modo de agir e pensar. A começar pela produção. No próximo mês, a Malwee apresentará ao mercado sua nova aquisição: uma máquina que reduz o consumo de água na lavagem de jeans de 100 para 2 litros. São escolhas assim que, na visão do CEO, vão determinar o sucesso ou o fracasso das empresas no pós-pandemia. Pelo aplicativo Meets, Weege falou com a EXAME.

Qual foi sua reação inicial à pandemia e como a Malwee está lidando com a crise?

Quando a pandemia chegou, nos preocupamos bastante. Pensamos que era a hora de segurar e fechar a torneira. Mas a primeira reação foi buscar uma aproximação com nossos valores. Temos fornecedores, clientes e funcionários que estão com a gente há 30 ou 50 anos. Mantemos relações duradouras. Nesse sentido, realizei um levantamento de tudo o que a gente fez pela comunidade nos últimos anos. Para minha surpresa, superamos 200 milhões de reais em doações diretas.

Não estou falando de impostos e salários, falo de ajuda a hospitais, escolas, centros esportivos etc. Há um livro de que gosto muito, de um ex-professor, cujos três primeiros capítulos eu procuro reler todos os anos. Ele fala que, quando a situação está difícil, o melhor é voltar o foco para nossos valores [Weege se refere ao livro O Que Perguntar ao Espelho, de Robert Kaplan, professor na Harvard Business School]. A pandemia é o momento de separar as empresas que atuam de forma responsável das que apenas fazem marketing.

costureira

Linha de produção adaptada para a pandemia: a Malwee passou a fabricar máscaras e jalecos para hospitais (Malwee/Divulgação)

Na prática, o que essa postura provocou em termos de estratégia?

Fizemos três escolhas principais. Primeiro, cuidar das pessoas para que elas tenham saúde e segurança, e manter o máximo possível de empregos. A segunda escolha foi a de ser o porto seguro dos nossos clientes. Contamos com  quase 30.000 lojas vendendo nossos produtos no Brasil inteiro. Preciso priorizar o pequeno empresário que está com as portas fechadas e terá dificuldade. E a terceira escolha é a sociedade. O que fizemos foi montar uma plataforma de iniciativas sociais e econômicas para atingir esses três pilares.

O senhor pode detalhar essas iniciativas?

Quando falo de sociedade, são duas frentes: doações e geração de renda. Chegamos a 20 milhões de reais em doações, em dinheiro e produtos. Doamos respiradores, álcool em gel, jalecos, máscaras e outros produtos. Em seguida, evoluímos para a doação de roupas a comunidades carentes. Foram mais de 200.000 peças.

Mas depois comecei a ver notícias de demissões em massa em empresas, do nosso lado, em Santa Catarina e no Ceará. Então, filantropia, apenas, não seria suficiente. Surgiu a ideia de fazer kits para costureiras. Passamos a vender as máscaras cortadas e com elástico, por menos de 1 real, e conectamos costureiras de todo o país.

Elas conseguem produzir, em média, 300 unidades por dia e vendem localmente, por 4 ou 5 reais. Fomos atrás de parceiros, que compraram os kits da gente e subsidiaram para as costureiras. Também doamos uma parte. Já chegamos a 5 milhões de kits distribuídos e, hoje, nosso site está vendendo cerca de 50.000 kits por dia. Isso é geração de renda. Diferentemente de outras crises, como a de 2008, quando as empresas grandes sofreram mais, esta é a crise do pequeno negócio. O dinheiro não está chegando na ponta.

A empresa também passou a produzir máscaras e jalecos para hospitais em larga escala. Como se deu essa mudança de produção?

Comecei a conectar as empresas que queriam comprar máscaras para seus funcionários com as empresas que buscavam revender esses produtos e também com os produtores. Tivemos de aumentar substancialmente nossa capacidade produtiva. Contratamos, no últimos 45 dias, mais de 4.000 pessoas. Mesmo assim, não conseguimos fazer tudo isso dentro de casa. Conectamos 260 empresas. Foi uma operação de guerra. Até concorrentes nossos entraram nesse esforço oferecendo sua capacidade ociosa.

Quantas máscaras e aventais foram produzidos?

Já produzimos cerca de 40 milhões de máscaras e 11 milhões de aventais para hospitais. Num ano normal, produzimos 30 milhões de peças de vestuário. Fizemos 50 milhões em dois meses. São peças menos complexas, mas os números são grandes.

A Malwee mudou por causa da pandemia ou essa postura de olhar para o impacto na sociedade vinha de antes?

A pandemia nos trouxe uma urgência. Mas não fizemos nada além de nos aproximar de nossos valores. Algumas fiações fornecem para a Malwee há 50 anos. Às vezes falta fio no mercado. Não para a Malwee. Quando meu concorrente está sem fio, eu empresto. Porque, para mim, não falta. Existe alguma coisa que foi feita, ao longo destas décadas, que solidificou as relações. Em momentos de crise, precisamos refazer essas conexões. É uma engrenagem. Se me falta caixa e deixo de pagar o fornecedor, a engrenagem trava.

Quando o mercado reabrir e eu puder voltar a vender, minha cadeia estará toda lesada. Em momentos assim, temos duas escolhas: parar e reclamar ou ser criativos. Não vamos reconstruir o Brasil pensando no lucro. É preciso ter mais consciência e movimentar o ecossistema. Lutar pela sobrevivência, mas não apenas a nossa. Não é uma postura minha. Já estava enraizada na empresa. No fundo, são escolhas que a gente faz. Quando vou comprar uma máquina, por exemplo, posso pagar um pouco mais caro para economizar água ou não me preocupar com isso. Essa decisão depende de nossos valores.

Consegue identificar por que essas relações são tão duradouras?

A Malwee foi fundada há 52 anos, como um pequeno comércio de vestuário. Naquela época, havia poucos fornecedores no mercado. Meu pai e meu avô faziam compras para o Natal e só recebiam em janeiro. Não podiam reclamar, pois o fornecedor deixaria de fornecer e o negócio acabaria. Diante desse cenário, decidiram construir a empresa com base em certos valores.

Primeiro, seria próxima dos clientes. Segundo, faria roupas para durar. Não queremos produzir coisas descartáveis. Por último, essa ideia de durabilidade combina com relacionamentos longevos. Pequenas ações na política comercial, por exemplo, fazem a diferença. Quando a capacidade produtiva está no máximo, no lançamento das novas coleções, a prioridade é para aquele cliente que já comprou de mim ao longo do ano. Nossa estratégia é construída visando ao longo prazo.

O setor de vestuários é um dos mais poluentes e tem uma cadeia complexa do ponto de vista das relações trabalhistas. Como a Malwee lida com esse cenário, considerando o posicionamento mais responsável?

Tenho buscado demonstrar, em minhas palestras para o mercado, quão feio é o setor que a gente trabalha. É difícil falar isso, mas é verdade. Nosso setor é responsável por 20% da poluição dos rios no mundo, 23% dos químicos produzidos no planeta são consumidos pela indústria têxtil, que também é responsável por 10% das emissões globais de carbono, perdendo apenas para o setor petroquímico.

As roupas representam mais de 5% do lixo em aterros e lixões, o equivalente a um caminhão sendo despejado por segundo. Enquanto o brasileiro trabalha 44 horas por semana, na indústria têxtil a média global é de 96 horas. Nós buscamos ser diferentes. Nossas roupas consomem 20% menos água do que a média. Mas acredito que a saída esteja no consumidor. Quando ele mudar de atitude e começar a questionar, a indústria vai mudar rapidinho.

De que forma o consumidor deveria mudar?

Aproximadamente 70% do que temos no guarda-roupa não usamos ao longo do ano. A média de uso de uma roupa, antes de ser descartada, é de sete vezes. Antes do surgimento do fast fashion, essa média era de 20 vezes. Estamos comprando produtos incentivados por marketing e por um sentimento de urgência e queremos roupas cada vez mais baratas. Para isso, só baixando a qualidade. Precisamos refletir sobre o que estamos fazendo.

A questão é que a maior varejista de vestuário do mundo, a espanhola Zara, é o maior ícone do fast fashion. É um caso de sucesso muito forte…

O senso de propósito e de responsabilidade nas novas gerações também é muito forte. Eu não enxergo as empresas mudando por propósito. Estamos tentando fazer isso há décadas. Mas o consumidor vai mudar. Nos mercados desenvolvidos, 40% das pessoas de 18 a 20 anos analisam o valor de revenda na hora de comprar um vestuário. Minha geração faz isso com os carros; os jovens, com a roupa.

E o que determina o valor de revenda é a durabilidade. Daqui a dois anos, o mercado de segunda mão ultrapassará em faturamento o mercado global de fast fashion. Parece distante, mas o consumidor está mudando. A questão é como ele vai enxergar as empresas.

Como a pandemia se relaciona com a questão ambiental e com as mudanças nos padrões de consumo? O mundo caminha para o chamado capitalismo de stakeholder?

O capitalismo de impacto, ou de stakeholder, nada mais é do que unir o negócio ao propósito. Eu não posso deixar de ter produtos atuais, mas tenho de fazer isso conectado ao mundo que a gente enxerga, que é um mundo mais sustentável. Temos de ser transparentes em relação a isso. Não quero ser, sozinho, o mais sustentável do mundo.

Estamos entre as 20 empresas de moda mais transparentes do mundo. Isso significa que tenho todos os meus fornecedores divulgados no site. É uma decisão difícil, pois há o risco de perder segredos industriais. E o resultado de tomar essa decisão é uma necessidade de se conectar ao propósito. Assinamos um pacto, recentemente, que pede que os governos considerem a sustentabilidade como um dos pilares para a retomada econômica. A pandemia vai acelerar esse processo e separar o que é marketing do que é verdade.

Diante dessas mudanças no modo de produção e nos padrões de consumo, o mercado passará por um processo de destruição criativa, e as empresas que não estiverem atualizadas vão sucumbir?

Espero que não seja por meio da destruição das companhias. Espero que haja uma conscientização coletiva do que é o certo a fazer. Porém, na prática, certamente haverá uma seleção natural de empresas. É o normal do capitalismo. Vamos sair desta com menos concorrentes, infelizmente, e com consumidores mais conscientes.

Desfile de moda: um dos desafios da indústria de confecções é reduzir seu impacto socioambiental | Joshua Blanchard/Getty Images

Olhando para a cadeia da indústria têxtil e para as rupturas globais no comércio provocadas pela pandemia, especialmente em relação à China, como o setor é afetado no Brasil?

Muda só o aspecto econômico. Com o dólar atual, todos os varejistas vão reduzir as importações. Não faz mais sentido econômico. Sempre existe queda de braço entre varejista e produtor. A associação dos produtores quer que o varejista compre mais do Brasil, mas ele fala que o país não tem capacidade, por isso deve importar. Mas, no fundo, quem manda é o dólar. Nesse sentido, a indústria têxtil deve acelerar.

Qual será o impacto da quarentena no faturamento?

Neste ano devemos bater o que estava projetado. Teremos uma queda relevante de receita por causa do fechamento do comércio, de 25%. Mas a produção de máscaras e aventais deve compensar essa redução. O cenário traz uma mistura de sentimentos. É um momento muito triste para a sociedade. Ao mesmo tempo, fico feliz em ajudar clientes e fornecedores a passar pela pandemia.

E para o próximo ano, qual é a expectativa?

Estamos no meio da construção da estratégia para 2021. Consideramos uma expectativa de 15% a 20% de perda em relação à meta do ano se a gente não ganhar mercado. Esse é o soco no estômago. A questão é o que fazer para terminar o ano no zero ou no 5, pelo menos. A primeira ação já tomamos, que é olhar para o cliente. Não vamos escapar da perda de renda, mas podemos pensar diferente.

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