Tereza Cristina: “Com a diminuição do risco no campo, o setor financeiro seria estimulado a emprestar para o agronegócio” (Ueslei Marcelino/Reuters)
André Jankavski
Publicado em 14 de março de 2019 às 05h55.
Última atualização em 14 de março de 2019 às 18h24.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias (DEM-MS), assumiu o principal cargo de um setor que está acostumado a trazer boas notícias para o país. Porém, em um momento de déficit fiscal, a agricultura também tem sido chamada para fazer sua parte e abrir mão de subsídios. Não sem o protesto de empresários e produtores e até mesmo da própria ministra. “O Brasil fornece pouquíssimos subsídios à agricultura. Nosso problema é a falta de dinheiro”, diz Tereza Cristina. Agora, sua missão à frente da pasta é negociar com o Ministério da Economia formas de amenizar o impacto dos cortes na agricultura. Mas ela promete brigar para ter outros tipos de apoio, como as subvenções ao seguro rural: a meta é sair dos atuais 440 milhões de reais para 2 bilhões nos próximos dois anos. Confira a entrevista que concedeu a EXAME.
O Brasil é um país que dá muito subsídio à agricultura?
Ao contrário. O Brasil fornece pouquíssimos subsídios ao setor. É uma balela dizer que damos muitas subvenções. Concorrentes nossos dão muito mais apoio do que nós. Estamos bem abaixo da União Europeia, dos Estados Unidos e da Rússia, entre outros. Nosso problema, de fato, é a falta de dinheiro. Nossa agricultura cresceu muito, assim como a área produtiva é grande. Hoje, no entanto, faltam recursos e juros que sejam compatíveis com o setor. No ano passado, o governo gastou 10 bilhões de reais para equalizar a taxa de crédito ao produtor ao juro oficial de 6,5% ao ano. E essa equalização foi feita porque é um dinheiro que precisa ser pago pelo governo, que assume a responsabilidade de colocar os valores a preço de mercado.
Há discussões sobre o aumento das subvenções ao seguro rural. Como está esse debate?
O seguro rural é uma das ideias que estamos discutindo com o Ministério da Economia. O aumento da subvenção aos seguros é algo que está sendo bem-visto pelas duas pastas. Dessa maneira, conseguiremos atender a uma base muito maior de agricultores. Neste ano, por exemplo, tivemos seca no Paraná e em Mato Grosso do Sul, e houve um desastre no Rio Grande do Sul, com cheias no arroz. Dar um seguro a esses produtores, com um prêmio menor, é algo que ajuda o setor agrícola brasileiro.
O seguro pode, então, ser uma alternativa à falta de financiamento subsidiado?
Trata-se de uma saída para compensar a falta de juro menor que atenderia o setor produtivo. Na safra atual, a verba do seguro foi de 440 milhões de reais e gostaríamos de aumentar. Minha esperança é que o valor chegue a 1 bilhão de reais já na safra de 2019/2020. Isso seria um gol do ministério junto com o governo do presidente Jair Bolsonaro. Seria uma saída muito mais moderna. Além disso, os bancos teriam mais disposição para emprestar dinheiro para o setor. O problema de emprestar dinheiro para a agricultura é que é um empréstimo de risco. Com a diminuição do risco, o setor financeiro seria estimulado a emprestar mais para o agronegócio.
Qual é o máximo a que o governo pode chegar na subvenção ao seguro?
Nos próximos dois anos, queremos chegar a 2 bilhões de reais de subvenção ao seguro. Essa é uma boa meta.
Os agricultores também reclamam da perda de subsídios à energia usada no campo. Como o ministério está atuando nessa questão?
O subsídio ao setor elétrico não pode acabar de uma hora para a outra. Pedimos ao governo, que decidiu retirar a legislação, dar maior previsibilidade às mudanças. O decreto que foi feito no fim de 2018 já traria uma perda enorme para este ano e o produtor não contava com esse aumento da conta em seu planejamento. Então, solicitamos que a lei seja implementada nos próximos cinco anos. Nós precisamos dar um tempo para os produtores se organizarem para poder, até mesmo, fazer uma mudança no sistema de energia que adotam. Uma opção, por exemplo, seria investir em energia solar nas propriedades.
Como essas mudanças vão afetar os ganhos do setor?
Não temos um número, mas é certo que vão impactar muito. Cada vez mais o ganho da lavoura está encolhendo. Por isso, caso um produtor tenha um ano ruim, ele ficará sem gordura para o próximo ano. Trata-se de uma atividade muito intensa em capital e muito rápida. Com a margem de lucro cada vez menor, o produtor terá cada vez mais risco em sua atividade. Hoje, a tabela de frete criada após a greve dos caminhoneiros afetou a rentabilidade de várias culturas, como as de soja, milho e algodão.
Há alguma discussão com o BNDES para conseguir juros mais baixos para a agricultura?
Existe muita conversa do agronegócio com o BNDES. É o setor que está dando certo no Brasil e não podemos matar a galinha dos ovos de ouro. Isso não quer dizer, no entanto, deixar de modernizar e de encontrar alternativas. Mas hoje temos um problema e precisamos desse gradualismo para os grandes produtores, que são os que mais vão sofrer com a falta de recursos. As taxas de mercado ainda estão muito altas, assim como os spreads bancários. Não é justo deixar todo o risco em cima dos produtores rurais.
Mas há previsão de quando as mudanças no setor vão ocorrer?
Tudo é muito rápido, pois precisamos entregar o próximo Plano Safra no dia 1º de julho. Até lá, todas as regras precisarão estar prontas. Nossas equipes estão conversando e adiantando essa conversa porque o produtor precisa de previsibilidade. Quando ele ouve falar que pode haver alguma mudança, ele fica inseguro. O agricultor começa a comprar o insumo agora, antes do plano. O que estamos discutindo é o volume de crédito. No ano passado, foram 220 bilhões de reais no Plano Safra, sendo 30 bilhões para a agricultura familiar. Esse volume, no mínimo, precisará ser mantido.
A pauta ideológica de parte do governo, em alguns momentos, entra em conflito com a parte econômica. Como isso está afetando o agronegócio, ainda mais em meio a uma guerra comercial?
Qualquer novidade entre os Estados Unidos e a China traz preocupação para o Brasil. Porém, temos um mercado aberto com a China e estamos voltando a ter uma aproximação na relação com os Estados Unidos, que tinha ficado fria durante um período. Mas sabemos que o setor comercial brasileiro precisa encontrar seus mercados. Os americanos vão procurar os deles. O que pudermos compor com eles, trabalharemos juntos. Quando isso não acontecer, disputaremos palmo a palmo. O Brasil tem tamanho e volume para isso.