Dani Rodrik: "O Brasil precisa identificar quais reformas vão produzir o maior impacto" (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 26 de setembro de 2013 às 07h05.
São Paulo - O economista Dani Rodrik, que foi professor de economia durante 24 anos na Universidade Harvard até trocá-la, em julho, pelo Instituto de Estudos Avançados, com sede em Princeton, costuma dizer, com humor, que é um filho da política de substituição de importações.
Seu pai tinha uma fábrica na Turquia e, graças a barreiras comerciais, prosperou. Com a fortuna que acumulou, mandou o filho estudar nos Estados Unidos, de onde nunca mais voltou.
Ao longo de boa parte de sua carreira acadêmica, o autor de The Globalization Paradox (“O paradoxo da globalização”, numa tradução livre) dedicou-se a desvendar os mistérios do crescimento econômico — em outras palavras, por que alguns países se desenvolvem mais do que outros.
Foi com esse foco que se tornou um dos economistas mais influentes do mundo. Hoje um defensor da abertura comercial, Rodrik vai participar do EXAME Fórum, no dia 30 de setembro, em São Paulo.
EXAME - Economistas debatem há décadas sobre os fatores que fazem um país se desenvolver. O que aprendemos com todo esse debate?
Dani Rodrik - Aprendemos algumas grandes verdades, mas também aprendemos sobre a necessidade de ser humildes. Digo isso porque é preciso ter cuidado antes de fazer generalizações. O desenvolvimento de longo prazo requer boa governança, estabilidade macroeconômica, investimento em capital humano, iniciativas em favor do livre mercado, abertura comercial e programas sociais que combatam a exclusão.
Todas as sociedades de sucesso compartilham esses recursos. Mas não faz muito sentido dizer para os países em desenvolvimento que eles vão ficar ricos como a Suécia uma vez que tenham instituições como as suecas. A questão é como chegar lá. Onde um governo investe seu capital político e seus recursos administrativos? Em consertar o sistema legal ou no sistema educacional? Ele deve investir em infraestrutura ou reformar as leis trabalhistas?
A resposta para essas questões não pode ser: “Faça tudo acima”. Nenhum governo consegue fazer tudo de uma vez. É preciso identificar quais reformas produzem maior impacto.
EXAME - O Brasil entrou para o clube dos países de renda média há mais de 40 anos e não saiu dele até hoje. Há uma armadilha da renda média?
Dani Rodrik - É comum vermos uma diminuição do crescimento com o passar do tempo. Nos primeiros anos de um processo de industrialização, os países dão grandes saltos em produtividade e crescem com a migração de seus agricultores para as cidades. Isso acontece mesmo sem investimentos significativos em capital humano e no fortalecimento das instituições.
Foi dessa forma que o Brasil cresceu nas décadas de 60 e 70. O mesmo aconteceu com Coreia do Sul e Taiwan. Mas, em algum momento, esse processo perde fôlego. Ou por falta de tecnologia ou em razão do aumento da competição externa. Uma vez que um país alcance o status de renda média, o crescimento se torna mais difícil.
A partir desse ponto, é preciso investir em capital humano e em todo tipo de capacidade institucional: governança, lei e regulação. Isso é custoso, exige tempo e não produz um benefício econômico rápido. Esse parece ter sido o caso do Brasil. Dito isso, não podemos descartar a hipótese de que a desaceleração tenha sido causada por outras questões, como falhas nas políticas econômicas adotadas.
EXAME - A produtividade brasileira caiu no ano passado depois de anos de crescimento baixo. Como o governo pode reverter essa tendência? Qual o papel do setor privado nesse processo?
Dani Rodrik - Em primeiro lugar, é preciso dizer que não podemos dar muita atenção a flutuações ocasionais. Quando falamos em produtividade, devemos considerar uma perspectiva de médio e longo prazo. Na última década, o PIB per capita do Brasil cresceu perto de 3% ao ano.
É um bom ritmo, principalmente se puder ser mantido na próxima década ou mais. É importante evitar muita dependência do capital volátil, o que gera incertezas e flutuações na taxa de câmbio e é especialmente prejudicial para a indústria de transformação. Além disso, a política fiscal precisa ser mais apertada durante os anos de boom e deixar espaço para algum relaxamento durante as recessões.
Acredito no diálogo contínuo entre o governo e o setor privado. O Brasil tem uma tradição de políticas industriais pragmáticas. Isso é bom e deve continuar. Por outro lado, não tenho certeza se há mecanismos para avaliar sistematicamente a política industrial — empréstimos baratos via BNDES ou requisitos de conteúdo local — e garantir que os erros não sejam prolongados e os projetos ineficientes sejam desativados.
EXAME - Investir em infraestrutura é uma forma de aumentar a produtividade. No longo prazo, quão importante é isso para o crescimento?
Dani Rodrik - A infraestrutura é crítica e, claro, o Brasil está devendo nesse quesito. Tão importante quanto o volume global de investimento, porém, é a eficiência com que os recursos são utilizados. Nesse ponto, o Brasil tem tido alguma melhoria, mas há espaço para mais.
EXAME - Quais são os melhores exemplos de países que conseguiram aumentar a produtividade rapidamente nas últimas décadas?
Dani Rodrik - Manter exportações de produtos industrializados em alta parece chave para sustentar o crescimento econômico acelerado. Esse é o segredo por trás do rápido avanço de países como Coreia do Sul e Taiwan, que conseguiram escapar da chamada “armadilha da renda média” e se desenvolveram. Mas, mesmo nesses países, há um limite para esse processo.
Na Coreia do Sul, a industrialização atingiu seu auge no fim da década de 80, com o emprego industrial chegando perto de 30% do total. Desde então, a Coreia do Sul vem se desindustrializando, o que pode ser percebido na composição do emprego. O crescimento coreano ao longo da última década tem sido pouco acima do brasileiro.
A má sorte do Brasil — se é que podemos chamar assim — é que começou a desindustrialização mais cedo do que a Coreia do Sul. E isso explica boa parte da diferença entre os níveis de renda dos dois países. Infelizmente, é muito difícil reverter a perda agora.
EXAME - Mesmo com o trabalhador chinês cada vez mais caro, a China continua a ser um competidor formidável para qualquer país que queira desenvolver a indústria. Existe um futuro para o setor industrial dos países emergentes, como o Brasil?
Dani Rodrik - É muito difícil ressuscitar a indústria como um motor de crescimento uma vez que se tenha começado um processo de desindustrialização. Na melhor das hipóteses, é possível retardar esse movimento, e há bons argumentos para que o Brasil tente fazer isso — com melhores políticas de taxa de câmbio que promovam a produção e com políticas industriais sólidas.
É preciso, porém, ser realista. O emprego industrial pode até se estabilizar por um tempo — como proporção do emprego total —, mas a reindustrialização não é uma opção realista. As indústrias que sobreviverão serão as altamente produtivas e de capital intensivo. São aquelas focadas em qualidade e produtividade. E, infelizmente, não vão empregar muita gente.
A maior parte da força de trabalho seguirá sendo empregada no setor de serviços. Por isso, é absolutamente essencial melhorar a produtividade desse setor por meio do investimento em capital humano e do aperfeiçoamento das instituições públicas. Isso não vai gerar um crescimento deslumbrante, mas vai garantir uma taxa de 3% de forma sustentável.
Nesse sentido, o exemplo de Hong Kong é interessante. Sei que se trata de uma cidade-estado e de um lugar que se beneficia da ligação com a economia chinesa, mas continua sendo um bom exemplo de transição bem-sucedida.
EXAME - Logo após a crise de 2008, alguns economistas falaram que os emergentes tinham se descolado do mundo rico. Agora que os emergentes estão desacelerando, falam em uma nova dependência. O que vai impulsionar a economia mundial?
Dani Rodrik - A dissociação completa entre as economias ricas e as emergentes foi um sonho. Nunca aconteceu. Era uma miragem criada pela disponibilidade de financiamento barato e pelos preços elevados das commodities. Dito isso, estou certo de que os países emergentes continuarão a crescer um pouco mais rapidamente do que os países avançados na próxima década.
Isso deve ocorrer por dois motivos principais. As taxas de crescimento das economias ricas não devem retornar aos níveis pré-crise, e os fundamentos econômicos hoje são muito mais fortes no mundo emergente do que tradicionalmente eram. Assim, o peso do mundo em desenvolvimento na economia mundial vai inevitavelmente aumentar.
As nações emergentes se tornarão mais dependentes de sua própria dinâmica e menos do que acontece na Europa ou nos Estados Unidos. Mas isso ainda é um processo bastante lento. Os eventos no mundo rico — especialmente políticas monetárias e financeiras — continuarão a ter efeitos de primeira ordem no mundo inteiro.