Revista Exame

"Não basta a polícia, falta o estado"

Em meio a novos arrastões, José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio responsável pela criação das UPPs, afirma que o trabalho ainda está no início

Beltrame: “Não trabalho para a Copa nem para a Olimpíada, mas para o Estado e o cidadão” (Fernando Lemos/Veja Rio)

Beltrame: “Não trabalho para a Copa nem para a Olimpíada, mas para o Estado e o cidadão” (Fernando Lemos/Veja Rio)

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Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 15h10.

"Secretário, sou sua fã!” A frase foi dirigida a José Mariano Beltrame, secretário estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro, ao final de sua participação no EXAME Fórum — A Hora do Rio de Janeiro. A cena foi protagonizada por uma executiva que assistiu ao debate.

Nos últimos quatro anos, o gaúcho José Mariano Beltrame, formado em direito e administração pública, conquistou a simpatia de parte da população fluminense — feito que, entre policiais, provavelmente só foi alcançado pelo personagem Capitão Nascimento, dos filmes Tropa de Elite 1 e 2.

A simpatia pelo secretário se deve à esperança da população de assistir a uma redução perene, ainda que lenta, na violência do Rio, o que foi iniciado com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Em dois anos, elas chegaram a 12 complexos de favelas. Obviamente as UPPs não acabaram, nem acabarão tão cedo, com a violência no Rio, que vive nova onda de arrastões, iniciada há dez dias. Beltrame deu a seguinte entrevista a EXAME.

EXAME - Quem está ganhando em termos econômicos com a instalação das UPPs?

Beltrame - Todos nós ganhamos, mas é mais visível o ganho de quem tem imóvel dentro ou é vizinho das áreas pacificadas. Tenho um policial que começou a trabalhar no Batam (uma das favelas que ganharam UPP) e pensou em comprar uma casa ali para morar mais perto do trabalho. Mas esperou para ver o que aconteceria. Quando decidiu, não pôde mais comprar por causa da valorização. Também ganham os comerciantes das áreas pacificadas, que estão formalizando seus negócios.

Como isso vem acontecendo?

Beltrame - A chegada e a permanência da polícia são somente o primeiro passo. A Secretaria de Desenvolvimento Social vem em seguida, com convênios, por exemplo, com o Sebrae, que auxilia os empreendedores locais no processo de formalização. Assim, eles podem comprar direto de fornecedores, coisa que não fariam se não existissem juridicamente. O objetivo da UPP é um só e muito claro: acabar com os muros dos territórios impostos pela força das armas. Se você entra numa área dominada pelo tráfi co ou pela milícia tem de prestar contas de seu ir e vir a alguém armado. Eles cobram para deixar o caminhão de gás entrar, cobram da empresa que instala TV por assinatura. É o que chamam de pedágio. É inadmissível que o cidadão tenha de prestar contas a uma pessoa armada, que não é servidor do Estado.


O senhor já disse que o plano é implantar 40 UPPs até 2014, ano da Copa. Isso é sufi ciente para reduzir a violência da cidade?

Beltrame - É o planejado. Nossa meta é baixar o índice de 39 homicídios por 100 000 habitantes, número de 2007, quando entramos, para 20 por 100 000, o que ainda é alto. Mas não dá para esperar que a criminalidade no Rio seja a mesma de uma cidade europeia. É preciso entender também que 40 UPPs beneficiarão 135 comunidades. No Rio, há 900 complexos de favelas. Só o do Alemão tem 18 comunidades.

O plano estratégico do senhor é para 2014 porque é o final do próximo mandato ou por causa da Copa do Mundo?

Beltrame - É coincidência. Não trabalho para a Copa, não trabalho para a Olimpíada. Trabalho para o Estado e para o cidadão. Se ajeitarmos a cidade, poderemos receber qualquer tipo de evento.

Por que só agora essa solução das UPPs foi posta em prática?

Beltrame - Não sei. Mas não inventamos nada. Os estudiosos, a polícia, os políticos, os “ólogos” sabiam que a solução era retomar o território dominado pelas armas. Todo mundo sabe que, quando se prende ou mata um trafi cante, ele é substituído imediatamente. Mesmo de dentro da cadeia eles continuam comandando. O que se tem de fazer é entrar no território que eles controlam e acabar com o domínio. Primeiro, tem de ir a polícia. Depois, tem de entrar todo o Estado.

O que, além das UPPs, compõe a política de segurança pública atual?

Beltrame - O sucesso da UPP foi tão grande que ofuscou outro trabalho importantíssimo que está sendo feito para o asfalto, as Regiões Integradas de Segurança Pública. Dividimos o estado e a cidade do Rio de Janeiro em quadrantes e estabelecemos metas de redução de crimes para cada um. A competência da Polícia Militar e da Polícia Civil também foi redefinida, de modo que todo mês eu consiga sabatinar o delegado da Civil e o comandante da PM juntos.


Quais são os indicadores que o senhor monitora?

Beltrame - Homicídio, roubo e furto de veículo, roubo a pedestre e latrocínio. A gente só está fazendo o que a iniciativa privada faz há muito tempo, que é buscar resultado. E, a cada semestre, quem atinge as metas ganha bônus — do soldado ao comandante, do in ves tigador ao delegado. Quem chega à me ta ganha 500 reais, quem a excede 10% leva 750 e quem passa 20% ganha 1 500. Em julho, fechamos com 9 000 policiais contemplados, de um total de 40 000.

O senhor recomenda instrumentos de gestão no setor público?
 
Beltrame - Sem dúvida. Estudei direito e administração pública e posso dizer que o serviço público parece até que foi feito para não funcionar. A lei de licitação parte do princípio de que todo administrador público é ladrão. Por que tu achas que estou pedindo auxílio da iniciativa privada no projeto de UPP? Porque, se eu licitar o que preciso para instalar contêineres com cozinha, banheiro e dormitório nas bases das UPPs e dar um pouco de conforto aos policiais, vou deixá-los no tempo por seis, oito meses.

O que está por trás da onda de arrastões dos últimos dias?

Beltrame - O Rio de Janeiro tem de 180 a 200 ocorrências e denúncias por dia. É responsabilidade de minha secretaria diminuir a sensação de insegurança da população. Só que não vamos resolver tudo de um dia para o outro. Estamos baixando a violência, mas vamos continuar a conviver com ela. É importante que se saiba que não vamos mudar uma política por causa de episódios isolados, por pressão da mídia negativa. Temos um plano e acreditamos nele.
 

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