Loja da Casas Bahia em São Paulo: redução de 40% nos gastos com pessoal ajudou a erguer o lucro da companhia (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2013 às 13h59.
São Paulo - Para a família Klein, fundadora da Casas Bahia, o último mês de novembro foi traumático. Naquele mês, a rede de eletroeletrônicos fundada em 1952 pelo patriarca, Samuel, passou, definitivamente, para o domínio do Grupo Pão de Açúcar.
Em 2010, as duas empresas se uniram, criando a Viavarejo — que, ao juntar as marcas Casas Bahia e Ponto Frio, tornou-se, disparado, a maior empresa do setor no país. No acordo entre o dois lados, os Klein mantiveram a gestão da empresa por três anos.
O período acabou em novembro, quando o Pão de Açúcar assumiu o comando e decidiu não renovar o contrato do então presidente, Raphael Klein, neto de Samuel.
A empresa vinha de pelo menos dois anos de resultados decepcionantes — e gente ligada à família Klein espalhava que, nas mãos do Pão de Açúcar, a coisa só pioraria. Passados seis meses, é possível concluir: deixar a gestão da empresa que fundou foi o melhor negócio que a família Klein poderia ter feito.
De lá para cá, os resultados da Viavarejo deram um salto. Em abril, a empresa anunciou que teve o melhor primeiro trimestre desde a sua criação. Na comparação com o mesmo período do ano passado, o lucro foi multiplicado por 6.
A fase está tão boa que mudou os rumos de uma negociação que se arrasta há pelo menos um ano. Nesse tempo todo, os Klein se mostraram interessados em comprar a participação de 53% do Pão de Açúcar na Viavarejo.
Como o negócio vinha de mal a pior, com margens baixíssimas, era apenas questão de fazer a oferta certa aos franceses do Casino, controlador do Pão de Açúcar. Mas o tempo foi passando, e nada.
Ou seja, ficava claro que nenhum dos envolvidos no negócio tinha muita convicção a respeito do futuro da Viavarejo — no mundo todo, o comércio de eletroeletrônicos sofre com a concorrência da internet. Mas, ao longo dos últimos seis meses, a empresa que valia muito pouco se transformou numa joia.
Pelos cálculos de bancos de investimento consultados pelos sócios, a Viavarejo poderia valer na bolsa até 12,6 bilhões de reais, dez vezes mais do que a concorrente Magazine Luiza.
Diante disso, o Casino relutou em aceitar os cerca de 3 bilhões oferecidos pelos Klein para comprar sua participação — e, com o negócio valendo tanto, a família decidiu, então, vender cerca de um terço de suas ações numa oferta pública.
No dia 15 de maio, comunicaram a Bradesco, Santander e JP Morgan, os bancos que financiariam a aquisição, que as negociações estavam encerradas. Tendo em vista o preço definido para a Viavarejo, disseram, eles preferem botar o dinheiro no bolso quanto antes.
O que faz a Viavarejo valer tanto hoje? Não é sem certa dose de maldade que executivos ligados ao Pão de Açúcar atribuem a transformação à saída dos Klein. Em novembro, Antonio Ramatis, até então vice-presidente do Pão de Açúcar, assumiu a presidência da Viavarejo.
Para Ramatis, aquela não era apenas uma tarefa, mas uma espécie de teste — não é segredo para ninguém que ele está sendo treinado para assumir o comando do Pão de Açúcar numa eventual sucessão do atual presidente, Enéas Pestana. Ramatis começou uma reforma geral para cortar despesas, algo que nunca tinha sido prioridade dos Klein.
No comitê que controla as despesas da companhia, criado três meses antes de sua chegada, determinou que quaisquer gastos extras passassem pela aprovação do diretor financeiro — do uso de papel nas reuniões do conselho às bebidas na geladeira da diretoria.
Num determinado momento, chegou a faltar papel higiênico nos banheiros. Para enxugar gastos com funcionários, Ramatis parou de repor quem pedia demissão.
Apenas no primeiro trimestre do ano, isso resultou numa economia de 51 milhões de reais. Os investimentos em propaganda caíram 16 milhões de reais na comparação entre os trimestres. Nas negociações com fornecedores, o novo presidente fez valer a força de ser o maior comprador de geladeiras e fogões do país.
Conseguiu estender o prazo de pagamento aos fabricantes e ampliar em 50% as verbas recebidas da indústria para promover seus produtos nas lojas — dessa forma, a empresa ganhou 140 milhões de reais no trimestre.
Com essas medidas, o caixa da empresa, que era de 775 milhões de reais um ano atrás, passou para 2,4 bilhões hoje — o que abriu espaço para ganhos financeiros. Com essas mudanças, o lucro foi multiplicado por 6 no primeiro trimestre. A empresa espera ganhar 600 milhões de reais no ano, o dobro do ano passado.
Auditoria
O bom momento do negócio pode ser também a melhor oportunidade para resolver as pendengas entre os sócios, que não param de brigar praticamente desde o dia seguinte à assinatura do negócio. Resolver, nesse caso, seria cada um ir para um lado.
Com a venda proposta de 53 milhões de ações e a oferta de novas ações que precisa ser feita junto com ela, os Klein devem ficar com uma participação acionária abaixo de 29%. Com isso, perderiam até o direito de manter Michael, pai de Raphael, como presidente do conselho de administração da Viavarejo. No fim das contas, o Pão de Açúcar reinaria absoluto.
As brigas entre Pão de Açúcar e os Klein estavam prestes a atingir uma espécie de clímax. Na reunião do conselho de administração marcada para o dia 23 de maio, será apresentado um relatório da empresa de auditoria KPMG — contratada há um ano para identificar problemas no balanço das companhias em 2010.
Naquele ano, os Klein pediram mudanças no acordo de acionistas assinado em dezembro de 2009. Entre a primeira assinatura e o acordo final, a empresa ficou numa espécie de limbo. A KPMG foi contratada justamente para entender o que aconteceu naquele período e definir se algum dos lados precisa fazer um novo aporte de dinheiro.
O levantamento encontrou uma série de problemas. Foram identificados contingências com dívidas trabalhistas não previstas nos balanços e estoques que não existiam na prática. Segundo a auditoria, a diferença entre o que estava previsto e a realidade ficou entre 100 milhões e 200 milhões de reais.
Há valores a ser pagos de ambos os lados, mas o maior ressarcimento terá de ser feito pela família Klein — de 50 milhões a 100 milhões de reais.
A auditoria também apontou que 73 000 notas fiscais de produtos vendidos pela Casas Bahia sumiram. O dinheiro entrou no caixa, mas o imposto não foi pago, o que deve resultar numa dívida com a Receita Federal de até 30 milhões de reais.
Guardado em segredo até agora, o levantamento da KPMG será apresentado pela primeira vez. Na reunião do conselho de administração será decidido, então, que atitude deverá ser tomada.
Uma ideia em estudo é fazer uma denúncia espontânea à Receita e pagar os impostos devidos. É impossível saber se o relatório da KPMG resultará num novo embate entre os sócios. Agora, os dois lados têm muito a perder expondo a empresa. Nada como a perspectiva de alguns bilhões de reais no bolso para deixar os tempos de briga para trás.