Rumo certo: com escolhas como a de Henrique Meirelles para o Banco Central, o governo Lula ganhou credibilidade (Renato Araujo/AGÊNCIA BRASIL)
Da Redação
Publicado em 22 de outubro de 2014 às 17h00.
São Paulo - Pouco antes das eleições que o colocaram pela primeira vez na presidência da República, em 2002, o ex-presidente Lula divulgou um documento que até hoje é considerado por muita gente boa um instrumento decisivo para sua vitória nas urnas: a “Carta aos Brasileiros” — uma relação de compromissos do candidato com a manutenção de pontos-chave da política econômica do governo anterior, o respeito aos contratos e a adesão a princípios básicos das sociedades capitalistas.
O manifesto de Lula acabaria ganhando renome na vida política brasileira. Mostrou uma clara opção pela racionalidade, garantiu que as conquistas essenciais do governo Fernando Henrique não seriam eliminadas para satisfazer quimeras ideológicas e revelou a todos que tanto Lula quanto o PT eram capazes de admitir equívocos em seu pensamento econômico e de mudar de posição para corrigir o rumo.
Junto a esses sinais tranquilizadores, o candidato revelou uma percepção essencial: a de que ele, seu partido e as forças que os apoiavam eram uma minoria na sociedade brasileira em matéria de propostas para gerir a economia nacional. Deu certo para Lula, que acabou eleito. Deu certo para o Brasil, que ficou na direção correta.
A candidata de Lula nesta eleição que agora chega ao fim, a presidente Dilma Rousseff, não julgou necessário fazer a própria “Carta aos Brasileiros”. Ao contrário: tenta reeleger-se com a bandeira da imobilidade, em cima da fé cega de que está absolutamente com a razão em todas as questões possíveis e imaginárias da economia, ou de qualquer outra área.
Os resultados concretos de seus quatro anos de governo são uma tristeza. A economia cresce abaixo de 1%, as contas internas estão em desordem, as contas externas vão mal, a indústria tem um desempenho infame, não há sinais de controle efetivo da inflação, a capacidade de competição e a produtividade agonizam.
Há uma clara impotência do governo em remover as travas da economia, e uma generalizada submissão à burocracia, à inépcia da máquina pública e a outras travas ao desenvolvimento. Do ponto de vista estratégico, bem, não há estratégia.
O governo Dilma tem sido incapaz de definir objetivos coerentes, não mostra competência para organizar metas e desestimula os investimentos com uma constante exibição de preconceitos quanto às liberdades econômicas, hostilidade à iniciativa privada e tendências a um estatismo obsoleto, tolo e primitivo.
Lula, no momento decisivo, apresentou um conjunto de estímulos para o futuro. Dilma não tem o que dizer nem sobre o presente. Mais do que tudo, o ex-presidente teve a excelente ideia de efetivamente cumprir os compromissos que assumiu na “Carta aos Brasileiros”.
Colocou Antonio Palocci no Ministério da Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central. Faziam parte de seu ministério Roberto Rodrigues, Luiz Furlan e Márcio Thomaz Bastos. Deixou no segundo escalão gestores talentosos e sem compromisso com ideologias sagradas a seu partido — curiosas do ponto de vista arqueológico, talvez, mas inúteis no mundo real de hoje.
Estava aí a verdadeira governabilidade — foi a escolha de nomes como esses, muito mais do que a entrega da administração às gangues partidárias da “base aliada”, que realmente pôs e manteve seu governo de pé. Resultados? O Plano Real foi mantido em tudo o que tinha de essencial. Nenhuma privatização foi desfeita.
O Banco Central teve autonomia para defender a moeda. Os programas sociais do governo Fernando Henrique, que já beneficiavam 5 milhões de pessoas em janeiro de 2003, foram adotados na íntegra — em lugar do folclórico “Fome Zero”, rapidamente sepultado quando levantamentos oficiais demonstraram que o problema do Brasil era o excesso de obesos, e não de famintos.
Dilma nem sequer cogita que possa ter ocorrido alguma coisa errada na economia nestes últimos quatro anos. Azar dos brasileiros. Precisam de uma “Carta” como a de 2002. Só receberam da presidente, até agora, um “nada a declarar”.