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Na jugular

São raros os momentos em que o investidor consegue ter grande convicção. Estamos diante de uma chance única de investimento agora?

 (Mirage C/Getty Images)

(Mirage C/Getty Images)

Publicado em 14 de junho de 2023 às 06h00.

Vivo sempre naquela dialética insuportável entre “só se vive uma vez” e “vamos dar uma segurada”. Nos últimos meses, o embate entre tese e antítese ganhou contornos de dramaturgia. O consenso de mercado vem associando a expectativa por uma recessão nos Estados Unidos ao teatro do absurdo de Samuel Beckett. Ao temer um pouso forçado da economia americana, ficamos Esperando Godot, naquela ansiedade eterna de Vladimir e Estragon pela chegada do personagem que nunca vem.

A expectativa tem razão de existir. Passamos por um vigoroso processo de alta das taxas de juro. Ao longo da história, momentos em que o Fed apertou o torniquete monetário nessa intensidade e velocidade foram acompanhados de uma recessão nos Estados Unidos. Desta vez, seria diferente? O fato objetivo, no entanto, é que a atividade nos EUA, sobretudo seu mercado de trabalho, demonstra muita força, com enorme capacidade de apanhar e seguir em frente.

O receio, ainda presente, era de estarmos, na rea­lidade, diante de outra peça de teatro: Pedro e o Lobo. A tal recessão foi anunciada algumas vezes e, até aqui, nada de aparecer de verdade. O risco é abaixarmos a guarda. Quando ela vier de fato, estaremos todos descrentes e despreparados. O desemprego e a inflação de serviços costumam ser as últimas variáveis a reagir. Quando a coisa fica feia até aí, pode ser tarde demais. O Fed percebe o problema só no momento em que a recessão já está instalada.

Depois de vários meses em que mantivemos uma postura cautelosa em nossas recomendações a clientes, adotamos uma posição mais arrojada neste início de junho, aumentando o peso das ações brasileiras nos portfólios sugeridos.

Há uma conversa famosa de George Soros com o gestor Stanley Druckenmiller, descrita na biografia do megainvestidor, em que o primeiro pergunta ao segundo: “Qual é o tamanho da posição?”. Druckenmiller estava bastante convicto e montara uma posição bastante grande. Constrangido com a pergunta, responde com certo receio de ter exagerado: “Um bilhão de dólares”. Soros rebate: “Se você está realmente convicto, dobre a exposição”.

Druckenmiller acabou conhecido depois, entre outras coisas, por suas grandes posições no mercado, em momentos de grande convicção. Costuma insistir: o ato de investir não é sobre estar certo ou errado, e sim sobre quanto de dinheiro você perde quando está errado, e quanto de dinheiro você ganha quando está certo. O tamanho da posição importa.

O mercado é bastante eficiente, em geral. Serão raros os momentos em que o investidor conseguirá ter grande convicção. Quando essas poucas chances aparecem, ele precisa ir na jugular. Estamos diante de uma delas agora.

O último Relatório de Emprego dos EUA, divulgado no início de junho, pintou um quadro bastante positivo, diminuindo as apostas numa recessão iminente ou, ainda que ela venha a ocorrer mais à frente, pode ser uma recessão rápida e pouco intensa, um choque com o qual poderíamos lidar. Ao mesmo tempo, abrandaram as preocupações com as pressões inflacionárias.

A economia americana segue criando empregos, mostrando sinais de aquecimento, sem despertar temores de uma espiral preços-salário muito intensa, permitindo uma interrupção do ciclo de alta da taxa básica de juro na próxima reunião do Fed. Com o Banco Central americano fazendo uma pausa em seu aperto monetário enquanto outros BCs, como o europeu, continuam subindo seu juro básico, aumenta a probabilidade de um dólar mais fraco à frente, o que costuma sinalizar bom comportamento dos mercados emergentes.

Nem só de elementos externos se alimenta o otimismo conjuntural. De maneira surpreendente, o PIB brasileiro cresceu 1,9% no primeiro trimestre de 2023. As projeções apontavam para apenas 1%. A performance do começo do ano traz um carregamento estatístico de 2,4% para 2023 — se não crescermos mais nada ao longo do ano, essa será a expansão de 2023.

Ao mesmo tempo, a inflação dá sinais de arrefecimento. O IPCA-15 mostrou inflexão importante nos dados de serviços e em seus núcleos, abrindo caminho para o Copom iniciar o ciclo de cortes da taxa Selic, potencialmente já em agosto, com uma redução de até 50 pontos-base. As expectativas de inflação também estão caindo e não seria surpresa vê-las abaixo de 5% para este ano e de 4% para 2024.

É um novo paradigma se formando. Temíamos uma inflação de 7%, com crescimento abaixo de 1% e riscos não desprezíveis de retrocessos nas reformas estruturantes aprovadas nos últimos anos e na política econômica em geral. Aprovamos um arcabouço fiscal que confere trajetória não explosiva à dívida pública e podemos encaminhar uma reforma tributária, capaz de nos trazer ganhos de produtividade como há muito tempo não observamos. O Congresso brasileiro riscou uma faixa no chão e deixou claro que retrocessos, reestatizações e revisões de reformas recentes não serão admitidos.

Estamos possivelmente no exato momento da virada, com o mercado revisando suas estimativas e investidores institucionais começando a comprar bolsa — pela primeira vez em 12 meses, houve saldo líquido positivo entre compra e venda de ações dessa categoria em maio, no valor de 2 bilhões de reais. A posição técnica ainda é muito boa, porque quase ninguém montou posição relevante em ações brasileiras até agora. Estão quase todos underweight (abaixo da média).

Nos últimos sete ciclos de afrouxamento monetário, o mercado, ex-ante, subestimou os cortes da Selic em 150 pontos-base. Se a história serve de guia, podemos caminhar para um juro básico em torno de 8% ao ano. Isso mudaria bastante o jogo em termos de valuation e alocação de recursos.

Uma carteira de ações de empresas cíclicas domésticas rendeu, na média, 35% ao longo dos últimos ciclos de queda da Selic, enquanto o CDI avançou, também na média, 11% no mesmo intervalo. Os movimentos costumam ser mais rápidos, intensos e erráticos do que nosso desejo por controle gostaria de supor. Infelizmente, a maior parte das pessoas físicas vai comprar ações quando o Ibovespa estiver em 130.000 pontos e com a Selic em queda. Torço para que você pertença à minoria.  

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