Revista Exame

Na crise do zika, ao menos nossa ciência vai bem

Para Rino Rappuoli, um dos mais influentes cientistas na área de vacinas, os pesquisadores brasileiros têm agido com precisão e rapidez

Rino Rappuoli: “Em situações de emergência, como a do vírus zika, a vacina não é a solução” (Andre Valentim/EXAME)

Rino Rappuoli: “Em situações de emergência, como a do vírus zika, a vacina não é a solução” (Andre Valentim/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 9 de maio de 2016 às 05h56.

São Paulo — O cientista italiano Rino Rappuoli, especializado em biologia molecular, trabalha há mais de 40 anos na criação de vacinas para doenças como meningite, difteria e gripe. Considerado uma das cinco pessoas mais influentes em sua área, Rappuoli é cientista-chefe do laboratório farmacêutico britânico GSK, um dos seis maiores do mundo.

Em entrevista a EXAME, Rappuoli afirma que a ciência brasileira ganhou novo status internacional com as pesquisas que aumentaram o conhecimento sobre o vírus zika, que causa microcefalia. “A recente visibilidade gerou interesse de pesquisadores pelo Brasil e estimulou a colaboração com institutos estrangeiros”, diz Rappuoli.

Exame - Como o senhor avalia a resposta do Brasil à epidemia do vírus zika?

Rappuoli - As autoridades brasileiras da área de saúde fizeram bem em reconhecer a doença logo no início. Os cientistas brasileiros, em especial, têm feito um trabalho fantástico. Eles estão identificando, com precisão, as principais características do vírus e seus efeitos. Tudo isso com rapidez. Isso aumentou a visibilidade da ciência brasileira.

Exame - Já é possível notar uma mudança prática?

Rappuoli - A recente visibilidade gerou interesse de pesquisadores pelo Brasil e estimulou a colaboração com institutos estrangeiros. Esse é o começo de um processo que pode elevar a ciência brasileira a outro nível.

Exame - Diversos grupos estão buscando uma vacina para o vírus zika. A vacina é a melhor solução?

Rappuoli - Em situações de emergência como essa, não. Leva-se de dez a 15 anos para criar uma vacina. É possível reduzir o tempo com mais investimentos, mas nunca levará menos de cinco anos para desenvolver e licenciar uma nova vacina.

Vírus do mesmo gênero que o zika se espalham rapidamente, e a maior parte das pessoas se torna imune. É possível que, em cinco anos, a vacina contra o zika não seja mais necessária. Você corre, corre, corre e ainda chega atrasado.

Exame - É possível evitar que novas doenças peguem todos de surpresa?

Rappuoli - Esse é o grande dilema. Deixamos de priorizar a prevenção e a pesquisa sobre vacinas. Quando há uma emergência, todos querem uma solução em 15 dias. Mas, no caso das vacinas, esse trabalho tem de começar dez anos antes.

Exame - Por que a prevenção fica em segundo plano?

Rappuoli - É uma questão financeira. O desenvolvimento de uma vacina custa bilhões de dólares para uma empresa farmacêutica. Portanto, faz mais sentido investir na pesquisa de remédios para o tratamento de doenças como o câncer.

Exame - Há solução?

Rappuoli - Uma solução é criar uma aliança global entre diferentes países para elaborar um plano de prevenção. Essa aliança poderia identificar as doenças que podem emergir no futuro e garantir que sejam feitos investimentos em pesquisa. Assim estaremos mais preparados.

Exame - Não é um exagero dizer que o surto de zika poderia ter sido previsto há dez anos?

Rappuoli - Se há dez anos tivéssemos feito uma lista de ameaças potenciais, o zika provavelmente estaria nela. O surto de ebola e, agora, o de zika mostram que há razões suficientes para que essas medidas sejam tomadas. Não é sustentável sempre agir de forma reativa. Alguma coisa vai ter de mudar.

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