Lucia Hauptman, da Porto Seguro; Denise Pavarina, da BM&F Bovespa e da Vale; e Claudia Elisa, da Arezzo (da esq. para a dir.): entre as poucas executivas que ocupam assentos em conselhos de empresas no país (Germano Luders/Exame)
Renata Vieira
Publicado em 31 de março de 2017 às 05h55.
Última atualização em 31 de março de 2017 às 09h25.
São Paulo — Ao tomar posse como primeiro-ministro do Canadá, há menos de dois anos, o liberal Justin Trudeau atraiu olhares do mundo inteiro. Não apenas por ter derrotado o conservador Stephen Harper, que estava há dez anos no poder. Quando anunciou a formação de seu gabinete ministerial, Trudeau entrou para a história como o primeiro a compor o governo de maneira igualitária do ponto de vista de gênero. Dos 30 ministérios, metade é chefiada por mulheres. Ao ser indagado sobre as razões para promover a diversidade na administração pública, a resposta do premiê foi simples: “Porque estamos em 2015”. Apesar de pioneiro, Trudeau não é uma voz isolada no Canadá.
O setor financeiro do país também se posicionou nesse debate. Há cinco anos, a bolsa de valores de Toronto instituiu um código de governança para as corporações de capital aberto. Ele preconiza algumas diretrizes para as companhias, como a de estabelecer metas progressivas de igualdade de gêneros para conselhos de administração. Se não as cumprem, são obrigadas a explicar o porquê publicamente, ainda que não sofram uma punição formal. “Como nenhuma empresa quer se assumir retrógrada, o jeito é correr e bater as metas”, diz Edilson Camara, líder da consultoria de contratação de altos executivos Egon Zehnder no Canadá.
A medida produziu efeito. Entre 2014 e 2016, o percentual de mulheres nos conselhos de administração das 53 maiores empresas listadas na bolsa canadense saltou de 18% para 25%. É o que mostra uma pesquisa realizada pela Egon Zehnder, que analisou dados de 1 491 empresas de capital aberto em 44 países. Mas quem lidera essa corrida são os países europeus. Eles são nove entre os dez que mais aumentaram a participação das mulheres nos conselhos em 2016, lista que inclui também o Chile.
No Brasil, o cenário é muito desigual e tem avançado a passos lentíssimos: as mulheres compõem cerca de 7% dos conselhos — número que cresceu apenas 1% de 2014 para cá. Se desconsideradas as herdeiras das empresas, esse percentual é muito menor: só 3%. Com isso, o Brasil está na lanterna, ao lado de países como Argentina e Emirados Árabes, nos quais metade dos conselhos não tem sequer uma mulher. “Temos empresas atentas ao tema no país, mas elas são a minoria”, afirma Ângela Pêgas, sócia da Egon Zehnder no Brasil.
O que, em grande parte, explica o bom desempenho da Europa no tema são as conhecidas — e polêmicas — políticas de cotas. Elas estabelecem que, para corrigir a disparidade histórica entre gêneros nas empresas de maneira mais rápida, entre 20% e 40% dos assentos dos conselhos devem ser destinados a mulheres. A lógica é a de que uma maior demanda pela presença feminina nos conselhos deflagraria uma onda de promoções de mulheres em toda a estrutura executiva das empresas. Na Espanha, onde uma lei sobre o tema foi estabelecida em 2007 — e reforçada por um código de governança lançado pela comissão do mercado de valores do país em 2015 —, elas ocupam hoje mais de 20% dos assentos, o dobro do registrado em 2010.
Por aqui, tudo indica que essa discussão vai longe. Foi só no dia 8 de março que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou um projeto de lei sobre o tema, embora estivesse na pauta desde 2010. Ele cria uma cota de 30% para mulheres nos conselhos de administração de empresas estatais e de economia mista até 2022. “A cota nos dá o senso de urgência necessário nesse assunto”, afirma Heloisa Bedicks, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. A proposta está agora em tramitação na Câmara.
Na seara privada não há unanimidade sobre o assunto. Um dos argumentos contra as cotas é que, se não forem implementadas com muito critério, podem suscitar questionamentos quanto à competência das mulheres que venham a integrar os conselhos. Mas, se as cotas ainda semeiam dúvidas, é ponto pacífico que outras medidas de promoção da igualdade precisam ser implementadas — e rápido. “O debate é importantíssimo, mas há de se ter clareza de que as cotas, isoladamente, não resolvem o problema”, afirma Regina Madalozzo, pesquisadora do Insper.
A população feminina é maior do que a masculina no Brasil e tem mais anos de educação formal. As mulheres, porém, só são maioria nas posições mais baixas da hierarquia corporativa. Mesmo nos primeiros níveis de gerência, elas ocupam apenas um terço das chefias, e no quadro executivo somam pouco mais de 13% das diretorias. As mulheres fotografadas para esta reportagem são exceções. Elas ocupam hoje assentos em conselhos de administração de grandes empresas do país.
Denise Pavarina, de 53 anos, é diretora executiva do braço de investimentos do banco Bradesco, conselheira da BM&F Bovespa há dois anos e, desde meados de março, a primeira mulher a integrar o conselho da mineradora Vale. Lucia Hauptman, de 50 anos, é presidente da Prada Assessoria, voltada para investimentos, e conselheira da seguradora Porto Seguro há dois anos. Claudia Elisa, de 48 anos, que até janeiro comandou a operação brasileira da rede de varejo francesa Fnac, está no conselho da companhia de calçados Arezzo desde 2013.
Para chegar à instância mais alta de governança de uma companhia, essas executivas superaram obstáculos comuns a muitas mulheres no mundo corporativo. Elas conseguiram dar visibilidade ao próprio trabalho e criaram amplas redes de contatos profissionais. Isso é crucial porque o modus operandi de composição dos conselhos, em sua maioria, não está pautado por processos formais de recrutamento, mas por indicações de outros conselheiros, que são homens. Conclusão: “Há um momento em que, além de estudo e preparação, a mulher precisa se fazer muito bem conhecida por seus pares para avançar”, afirma Denise, do Bradesco.
Não que as executivas tenham uma inabilidade inata para propagandear seus feitos e fazer networking. É que alguns estereótipos sobre o papel das mulheres no casamento e na maternidade, sobretudo nos países latinos, exercem mais pressão sobre elas — e tornam o tempo para essas atividades mais escasso. “Não se cobra do homem a mesma dedicação à família que se cobra das mulheres”, diz André Freire, sócio da empresa de recrutamento de altos executivos Exec. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostram que as brasileiras trabalham, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana por causa da jornada doméstica. “Só dei conta do desafio porque tive a participação de meu marido e o apoio de funcionários para cuidar das crianças”, diz Claudia, conselheira da Arezzo, que tem três filhos.
Para ajudar as executivas a lidar com esse dilema, algumas companhias começam a flexibilizar horários para aquelas que têm filhos pequenos e a criar mecanismos para que elas galguem degraus na hierarquia — sem ter de abdicar da vida pessoal. A fabricante de material elétrico Schneider Electric começou a dar às executivas que querem ser mães a opção de participar de encontros remotos, semanalmente, com seus chefes e subordinados durante a licença-maternidade, que lá é de seis meses. A ideia é que, aos poucos, elas possam se reconectar com a rotina da empresa. “Não adianta atrair mais mulheres se não formos capazes de retê-las”, afirma Tania Cosentino, presidente da Schneider Electric para a América do Sul.
Mas práticas como essa são raras nas empresas. Um estudo feito pelo Instituto Ethos com as 500 maiores empresas do Brasil mostra que só 11% delas têm políticas afirmativas para as mulheres. Estudos revelam que, quanto mais diversa for uma empresa do ponto de vista do gênero, melhor pode ser seu desempenho. Um levantamento do instituto americano de pesquisas econômicas Peterson Institute feito com 22 000 companhias globais em 2016 revelou o seguinte: as empresas que têm até 30% de participação feminina dos níveis de diretoria em diante registraram um aumento médio de receita 15% maior do que as demais. Essa correlação vem guiando o pensamento de alguns conselheiros.
E isso é bom, uma vez que eles estão à frente de 95% dos conselhos em todo o mundo. Álvaro de Souza, presidente do conselho do banco Santander, é um dos partidários da causa, e está em busca de uma terceira executiva para o grupo de nove conselheiros que chefia. “A noção do conselho como um clube de amigos está ficando para trás”, afirma Souza, que também está no conselho da cervejaria Ambev. “A ideia de que a diversidade é um fator de sucesso está cada vez mais clara.” Se ele estiver certo, a luta das mulheres deve se tornar mais fácil daqui para a frente.