Sem segredos: Dilma sabe que, mesmo com toda a sua revolta e sua indignação, não vai tirar o sono de Obama (REUTERS/Grigory Dukor)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2013 às 19h15.
São Paulo - A espionagem é uma prática realmente lamentável. sempre foi. Em épocas de mais decoro na vida pública, pelo menos na vida pública que o público conseguia ver, podia ser considerada uma infração grave ao código de honradez das pessoas de bem.
Ficou célebre, por exemplo, a definição que se fazia na Inglaterra da rainha Victoria, ou até em tempos menos remotos, sobre essa atividade embaçada e executada sempre nas sombras: “Um cavalheiro não lê a correspondência de outras pessoas”.
Hoje, quando um número cada vez maior de servidores públicos respeitados, pais de família e quites com todos os seus deveres de cidadão, se dedica freneticamente a fazer precisamente isso em sua carreira profissional, a marca da maldade continua presente. Espionar continua sendo uma coisa muito feia — mas tornou-se um dever de segurança nacional para governos de todo o mundo, e o único pecado real que existe na área é ser pego espionando.
Isso, sem dúvida, é algo a ser evitado por causa dos aborrecimentos, das discussões inúteis e da perda de tempo com notas oficiais ocasionadas pela descoberta de atos de espionagem — mas não é motivo para impedir o prosseguimento da tarefa. Ao contrário, numa época de avanços tecnológicos que permitem informar-se sobre a vida alheia como nunca antes na história, são cada vez mais tentadores os incentivos para esse tipo de conduta.
Na verdade, quanto mais acesso um país tem às tecnologias de ponta, mais seu governo se dedica à espionagem — dentro do entendimento geral de que saber mais é um meio essencial para defender-se melhor. Os Estados Unidos, nisso, levam a medalha de ouro. Desde que se tornaram uma potência mundial, sempre espionaram outros países; agora, com todos os instrumentos tecnológicos a seu dispor, espionam mais.
Os americanos, naturalmente, não iriam abrir uma exceção para o Brasil — não porque tenhamos algum valor estratégico especial, mas porque a doutrina de segurança nacional atualmente adotada pelos Estados Unidos estabelece que seu principal inimigo é o terrorismo espalhado pelo mundo afora.
Como vivemos num mundo onde “tudo se conecta”, o Brasil deve se conectar a alguma coisa e, portanto, acabou entrando na lista dos possíveis suspeitos pelo simples fato de que todos, sem exceção, são vistos pelos serviços de informação americanos como possíveis suspeitos.
Mas continua valendo a velha regra de que fica chato ser pego — e os Estados Unidos foram pegos, agora há pouco, interceptando e-mails de cidadãos brasileiros, no Brasil, e comunicações da presidente Dilma Rousseff. Muito som e fúria por parte do governo brasileiro, é claro, e muita verbiagem ensaboada do governo americano, como também seria inevitável.
Fora isso, porém, o que se pode fazer na prática? A presidente mostrou-se “revoltada”, “indignada” etc., mas isso, caso tenha realmente acontecido, só pode incomodar quem estiver por perto dela; aos americanos, positivamente, não vai incomodar em nada. Houve uma tentativa do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de pedir numa viagem aos Estados Unidos que o governo americano limitasse suas operações de “escuta” no Brasil.
Ouviu, naturalmente, a única coisa que poderia ter ouvido: que essas atividades, feitas a partir dos Estados Unidos, são perfeitamente legais perante a legislação americana e, portanto, não havia motivo algum para modificá-las. As agências de espionagem americanas, por lei, são proibidas de espionar os cidadãos americanos; enquanto não fizerem isso, estão limpas.
Fala-se muito sobre uma possível suspensão da viagem que Dilma deve fazer aos Estados Unidos; não se vê, francamente, nenhum americano ou brasileiro perdendo o sono por causa disso. Que mais o Brasil poderia fazer? Recusar-se a aceitar dólares em pagamento às exportações? Romper relações diplomáticas? Invadir a Flórida?
A única reação racional seria aplicar esforços tecnológicos sérios para proteger melhor nossas comunicações. Todo o resto equivale a três vezes nada.