Vitória na justiça: em 2009, campestinos (sem-terra paraguaios) invadiram as terras do paranaense Alderí de Maia. Os invasores só foram retirados pela polícia 2 meses depois, após briga na justiça
Da Redação
Publicado em 28 de fevereiro de 2011 às 08h33.
Osol brilhou para o Paraguai em 2010. Mas só no momento certo, porque também choveu bastante quando era de chuva que o país precisava. E foi assim, com o clima ajudando e o preço da soja na bolsa de Chicago batendo 14,5 dólares — um dos mais altos da história —, que a economia paraguaia viveu o maior crescimento das últimas três décadas: 14,5%. Mais uma vez, é graças a brasileiros que os paraguaios encheram os bolsos.
Primeiro veio a construção da usina de Itaipu, nos anos 70 e 80. Depois, a explosão do comércio na fronteira, no início dos 90. Agora é a vez dos “brasiguaios”, brasileiros radicados no Paraguai há 30 anos que dominam 90% da produção de soja do lado de lá do rio Paraná. Graças a eles, no ano passado o país colheu uma safra recorde de 7,2 milhões de toneladas, responsável por metade do crescimento paraguaio. A julgar pelas previsões do governo local, de analistas privados e até do Usda, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, 2011 pode ser ainda melhor. A expectativa é de novo recorde de produção — fala-se em 8 milhões de toneladas de soja.
Os humores estão particularmente positivos pela rápida reversão econômica. Em 2009, o Paraguai viveu a maior seca dos últimos 20 anos. Assim, a agricultura e a pecuária saíram de uma queda de 17% para um crescimento inédito de 32% em 2010. “O ano foi fantástico para todos os brasiguaios”, diz Jaime Bonsallo, filho do brasileiro Clemente Bonsallo.
Jaime nasceu no Paraguai e começa a comandar as fazendas herdadas do pai. “Dá para ver que todos estão com máquina nova no campo e carro novo na garagem”, diz. Em 2010, a venda de máquinas agrícolas bateu com folga o recorde histórico, indicando um crescimento de 72% em relação a 2009. A importação de carros também foi a maior da história, com aumento de 66% em relação ao ano anterior.
Em outros tempos, a bonança rapidamente levava os campesinos, os sem-terra paraguaios, a promover invasões na região do Alto Paraná. O próprio presidente Fernando Lugo se elegeu prometendo “expulsar os brasileiros que exploram a terra paraguaia”, mas esses tempos parecem ter chegado ao fim. Alderí de Maia, paranaense radicado desde 1981 em Hernandería, cidade vizinha de Ciudad del Este, teve sua fazenda invadida em julho de 2009. “Muitos amigos brigaram meses na Justiça para reaver suas terras. Outros pagaram duas vezes pelo mesmo terreno. Comigo foi tudo muito rápido — recorri à Justiça e um mandado de segurança fez a polícia expulsar o acampamento”, diz Maia. Lugo parece ter mudado de ideia — ou simplesmente se rendeu ao pragmatismo — e hoje diz que os brasiguaios são importantes para o crescimento da economia. Seu governo passou a impedir que terras produtivas sejam invadidas.
Diversificação
Não faria mesmo sentido que fosse diferente. Nos anos 70 e 80, os brasileiros começaram a cruzar a fronteira em busca das terras férteis, mas intocadas e “no meio do nada”. As propriedades da margem esquerda do rio Paraná valiam até 10% das fazendas do lado brasileiro, e o ditador Alfredo Stroessner facilitou a entrada dos colonos para desenvolver a agricultura. Dos estimados 700 000 gaúchos, catarinenses e paranaenses que atravessaram a fronteira, apenas metade permanece no país até hoje. “Os brasileiros que ficaram merecem respeito, porque chegamos aqui e só encontramos mato. Nunca tivemos nenhuma ajuda, nunca tivemos crédito facilitado, subsídio, nada. Quem se fez, se fez sozinho”, diz o paranaense Tranquilo Favero, maior produtor de soja do país, com mais de 50 000 hectares plantados, e há 20 anos naturalizado paraguaio. Os brasileiros introduziram não só a soja no país como também técnicas modernas de plantio, mecanização e transgênicos na agricultura — os paraguaios se ocupam mais da produção de gado e leite.
Agora, o Paraguai busca aproveitar o bom momento para impulsionar a indústria e diversificar a economia. A indústria e a construção cresceram 8,3% no ano passado, um recorde no país. O setor de serviços também deu um salto recorde de 8,9%. “Ainda temos muito a fazer para acabar com a dependência das commodities, mas estamos no caminho certo”, disse a EXAME Dionísio Borda, ministro da Fazenda. “Há um sentimento geral de que a coisa está engrenando.” Tradicionalmente voltada para exportação, a economia paraguaia começa a seduzir empresas que olham para o mercado interno.
“A eleição do presidente Lugo foi um pouco como a eleição de Lula: uma vez no poder, houve uma mudança de discurso, não aconteceu nenhuma revolução e o empresariado e os investidores passaram a sentir mais confiança”, diz Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda brasileiro e ex-secretário-geral da Unctad, órgão das Nações Unidas para o fomento do comércio e do desenvolvimento internacional. Gravitando em volta dos campos, a ADM, a Bunge e a Dreyffus estão entrando no país para processar toda a soja até 2014, e assim adicionar valor ao produto que hoje é exportado in natura.
“Só um terço da soja é processado aqui, e fica caro exportar a produção para ser beneficiada na Argentina. Nossa ideia é cortar custos com logística e agregar valor ao grão no próprio Paraguai, que ainda tem muito potencial de crescimento agrícola”, diz John Grossmann, presidente da ADM Paraguai. Além de processar 1,2 milhão de toneladas por ano, a ADM vai erguer a primeira fábrica de fertilizantes em larga escala do país, com capacidade de produção de 920 000 toneladas anuais. “O mercado interno tem toda a capacidade de absorver nossa produção, não pensamos em exportar”, afirma Grossmann.
Como parte de um plano de usar mais a energia que lhe cabe da Usina de Itaipu — 95% da qual é exportada para o Brasil —, o Paraguai também está dando incentivos para atrair indústrias eletrointensivas. Assim, a construção civil vai ganhar um empurrão com o maior investimento privado da história paraguaia: a Camargo Corrêa está investindo 105 milhões de dólares em uma fábrica com capacidade para produzir 400 000 toneladas de cimento por ano em Villa Hayes, a 40 quilômetros da capital, Assunção. “O mercado de cimento vem crescendo ano a ano, e só não cresce mais porque é restrito pela oferta.
É só andar por Assunção que você vê uma porção de obras paradas por falta de matéria-prima”, diz José Édison Barros Franco, presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa Cimentos. Também atrás de energia barata, a Rio Tinto está em fase final de negociações com o governo Lugo para investir cerca de 3,5 bilhões de dólares em uma fábrica de alumínio. Além disso, foram feitos investimentos de 201 milhões de dólares por meio do regime de maquila, um sistema pelo qual as indústrias exportadoras ficam isentas de taxas de importação de máquinas e bens de capital.
A baixa carga tributária, aliás, talvez seja o maior atrativo do Paraguai em termos econômicos. Ela atinge apenas 12,5% do PIB — para efeito de comparação, no Brasil essa cifra fica na casa dos 37%. “Ninguém quer ter como sócio o governo federal, e o Paraguai consegue um investimento estrangeiro direto de 18% do PIB, ante os 4% vistos no Brasil, graças a essa vantagem”, diz o economista Wagner Enis Weber, diretor do Instituto de Estudos Econômicos e Sociais do Paraná-Paraguai. No entanto, a baixa carga de impostos — aliada à alta informalidade da economia, estimada entre 25% e 55% do PIB oficial por diferentes institutos de pesquisa — deixa o governo sem caixa para fazer os investimentos públicos necessários em infraestrutura e serviços públicos.
“Um país não é viável com a nossa carga de impostos. Nosso objetivo é, até o fim do governo, aumentar essa carga para 15%, tendo como meta chegar a 18% em um prazo de dez anos”, diz o ministro Borda. Não vai ser fácil. O país é o único das Américas que não tem imposto de renda pessoal, e o projeto de lei que pretende instituir o tributo já foi recusado cinco vezes no Congresso desde 2004. Para Borda, os congressistas têm medo de declarar seus bens e assim revelar a origem de sua riqueza.
Para o rei da soja Tranquilo Favero, o motivo é outro: “Teria orgulho em pagar mais impostos para ajudar no desenvolvimento do país que adotei para viver. Realmente precisamos melhorar muito a infraestrutura. Mas o Paraguai é pequeno, tomamos conhecimento das coisas com muita facilidade, e sabemos que o dinheiro invariavelmente é desviado antes de virar estrada, ferrovia ou escola”. Como se vê, não são só os brasiguaios que aproximam Brasil e Paraguai.