Bandeira da Alemanha (Miguel Villagran/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 25 de junho de 2012 às 12h02.
Depois de um inverno mais rigoroso que o habitual, muitos berlinenses aproveitaram a Páscoa para tirar as primeiras folgas do ano com tempo bom. No país, o feriado começa na Sexta-Feira Santa e só acaba depois da Ostermontag, a segunda de Páscoa, mas muita gente tira a semana toda para descansar: são os primeiros dias da primavera. </p>
Nas ruas da capital alemã não era incomum encontrar gente de bermuda e camiseta, apesar de os termômetros mal encostarem nos 15 graus. No Tiergarten, um grande parque na região centro-oeste de Berlim, os mais corajosos se esparramavam na grama de sunga ou biquíni.
Junto com o sol chegou uma boa notícia para a maior potência econômica da Europa: os números do desemprego de março ficaram abaixo das previsões mais otimistas. A taxa é de 7,5%, ante a média de 10% dos 27 países que compõem a União Europeia. A produção industrial também atingiu os níveis mais altos desde agosto de 2007, o melhor resultado da região.
Para um país cuja atividade econômica encolheu 5% no ano passado, uma das mais duras recessões causadas pela crise financeira global, os dados são encorajadores. Mas não podem ser considerados exatamente uma surpresa.
É fácil recorrer ao clichê de que a economia alemã é uma máquina precisa e vigorosa, mas atormentada pelos mesmos males de seus vizinhos europeus: falta de dinamismo, burocracia estatal, caríssimas políticas de bem-estar social, uma população cada vez mais velha e um modelo industrial incompatível com o ritmo da inovação do século 21.
A verdade, entretanto, tem mais sutilezas. A Alemanha segue inabalada em sua condição de motor econômico da Europa graças a uma política de flexibilização das leis trabalhistas, um setor exportador poderoso e uma disposição de inovar que pode não dar origem a empresas ágeis e charmosas como Google ou Apple - mas que já colocou o país entre os líderes mundiais em energias renováveis, setor que promete empurrar a economia do país adiante nas próximas décadas.
Os sinais do poderio alemão estão por toda parte, principalmente no setor de exportações, responsável por 40% do crescimento do produto interno bruto do país entre 2004 e 2008. A crise que varreu o globo no ano passado teve um forte impacto na economia do país.
As exportações alemãs ainda ficaram muito à frente das importações, e o saldo positivo foi de 136 bilhões de euros, ou 324 bilhões de reais. Mas, em relação ao ano anterior, a balança comercial teve a maior queda desde o início do acompanhamento dos números, no meio do século passado, e a China tomou da Alemanha o título de maior vendedora do mundo.
Para Henning Klodt, diretor do Instituto Kiel para a Economia Mundial, importante centro de estudos econômicos, isso não significa exatamente um problema. "Temos de aceitar a realidade. Os chineses estão determinados a enriquecer, e eles cedo ou tarde vão alcançar os países desenvolvidos", diz Klodt.
"Mas as fábricas chinesas precisam de máquinas sofisticadas para produzir, e essa é uma especialidade alemã." Mesmo que os países desenvolvidos comprem menos, afirma o economista, a expectativa é que o mundo emergente continue comprando carros, químicos e máquinas pesadas, apenas para mencionar três produtos alemães de exportação por excelência.
Apesar do otimismo em relação ao futuro, o fato é que no ano passado o setor exportador sofreu uma retração importante. Mas os empregos foram mantidos. O fenômeno desafia a racionalidade econômica e é chamado por muitos especialistas de pequeno milagre. A explicação, porém, não tem nada de sobrenatural.
A imagem dos poderosos sindicatos alemães brigando por mais salários e menos horas de trabalho pode estar viva na cabeça de muita gente, assim como as rígidas leis que protegem os empregos.
Mas, diferentemente do que ocorre na vizinha França, o outro pilar da União Europeia, empregados e empregadores alemães têm operado numa harmonia que vai de encontro às imagens preconcebidas sobre a situação trabalhista europeia.
"A ideia de rigidez cabe muito bem no imaginário das pessoas, mas a verdade é que existe hoje uma grande flexibilidade tanto por parte dos trabalhadores como por parte das companhias alemãs", diz Gustav Horn, um dos diretores do Instituto Hans Böckler, um think tank ligado a uma das maiores centrais sindicais do país. "Especialmente durante o ano passado, houve muitos acordos para a redução das jornadas, sem demissões."
Também foram criados esquemas de créditos: as horas não trabalhadas nos períodos de crise podem ser repostas quando houver nova aceleração. Os sindicatos sabem que as exportações são essenciais para o país e estão sujeitas a ciclos econômicos. Parte da conta das jornadas reduzidas é paga pelo governo graças a um programa batizado de Kurzarbeit.
As empresas recebem subsídio oficial para manter os níveis de emprego. Para além da ajuda governamental, existe uma preocupação mais importante: mão de obra qualificada.
"As companhias sabem que perder pessoas é um problema cada vez mais grave. Demitir pode ser uma boa solução de curto prazo, mas quem garante que essas pessoas poderão ser repostas no futuro?", pergunta Horn. "Ainda nesta década, muitas companhias vão sofrer com a falta de pessoal qualificado."
Apesar das pressões econômicas, a fabricante de carros BMW manteve seu programa de contratação anual de 1 000 estagiários - com os olhos na disputa de talentos que se anuncia.
Em alemão, o termo que descreve esse entendimento entre empresas e trabalhadores é "Mitbestimmung", que pode ser traduzido como "decisões compartilhadas". Os economistas ouvidos por EXAME foram unânimes em apontar o dedo acusador para a especulação, em especial para o modelo americano de capitalismo financeiro.
Os alemães querem acreditar que seu sucesso recente é a prova da superioridade da receita de consenso e produção, no lugar de embates e serviços. Mas, novamente, a realidade não pode ser mostrada somente em preto ou branco. Os superávits comerciais da Alemanha só existem porque muitos dos colegas de euro, como a bola da vez Grécia, estão atolados em déficits terríveis.
No passado, essas economias tinham a opção de desvalorizar sua moeda para tentar diminuir a distância de competitividade que separava suas indústrias das concorrentes alemãs. Agora, obviamente, essa possibilidade não existe mais.
Ninguém tira dos alemães os méritos do sucesso econômico da última década, especialmente quando se coloca na conta a reintegração da porção oriental do país. O que muitos se perguntam é se parte desse êxito não foi alcançada à custa dos companheiros de moeda única.
A crise grega trouxe esse desequilíbrio para o primeiro plano. Em fins de março, a ministra francesa das Finanças, Christine Lagarde, com uma franqueza raramente vista nos círculos diplomáticos internacionais, disse com todas as letras que a política alemã deveria estimular o consumo interno.
O presidente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, também francês, ecoou o sentimento e afirmou que as grandes potências exportadoras do mundo, China e Alemanha, deveriam ajustar sua balança comercial para melhorar as desigualdades econômicas globais.
A primeiraministra alemã, Angela Merkel, rapidamente respondeu afastando a ideia. "Não vamos abrir mão de nossas forças", disse ela diante dos parlamentares reunidos no Reichstag, em Berlim. Para Merkel, não faz sentido que um país competitivo tenha de se adaptar a quem "anda devagar", numa referência clara aos países envididados da zona do euro.
"Precisamos é que outros europeus realizem reformas como as que fizemos", disse Gunther Öttinger, representante do país na Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, em referência às medidas tomadas pelo governo anterior, do social-democrata Gerhard Schröder.
Dentro da Alemanha, a frugalidade é uma questão vista com outros olhos. Sabe-se que o consumo interno é essencial para que a economia do país possa voltar a crescer de forma significativa. Mas uma preocupação explica a poupança. A fatia da população acima dos 65 anos (idade de aposentadoria) vai passar dos atuais 16,4% para 21,6% dentro de dez anos.
"O problema é conhecido há pelo menos 30 anos, mas até hoje muito pouco foi feito", diz o economista Henning Klodt. "E você sabe como são os políticos na hora de cortar benefícios." Enquanto as autoridades não agem, as empresas estão buscando suas próprias soluções.
Na fábrica da BMW em Dingolfing, no sul do país, a expectativa é que a idade média dos trabalhadores suba de 39 para 47 anos até 2017. Simplesmente seguir contratando jovens não é uma opção, uma vez que a competição pela força de trabalho promete ser cada vez mais intensa.
A empresa montou, então, uma linha de produção piloto simulando esse cenário futuro. Observando o ritmo de trabalho da equipe envelhecida e colhendo as observações dos próprios trabalhadores, foram realizadas 70 adaptações, desde mudanças ergonômicas até a instalação de cadeiras para que algumas tarefas pudessem ser realizadas com o funcionário sentado.
A produtividade aumentou 7% e se equiparou à dos mais jovens. A experiência vai ser reproduzida em outras unidades da BMW no mundo. Não é a resposta definitiva para a bomba- relógio demográfica - mas é uma solução criativa para um problema real que afeta as empresas do país.
Inovações como essa são a regra na economia alemã: mais produtividade, mais qualidade - e pouca visibilidade. Das gigantes de renome internacional, como Siemens e Bosch, às centenas de Mittelstand, como são conhecidas as indústrias familiares baseadas em engenharia de precisão, as companhias do país são prodigiosas em melhorias incrementais.
Poucos esperam que surja na Alemanha uma empresa que provoque ruptura nos modelos de negócios ou em tecnologias existentes. Aplicar essa descrição a toda a economia do país, porém, é um erro. O modelo de inovação baseado em capital de risco e mercados públicos sofreu um duro golpe com o estouro da bolha da internet.
Apesar disso, o apetite existe. "Existe um fluxo constante de companhias inovadoras no país, não tenha dúvida", diz o britânico Simon Scholes, um dos diretores da First Berlin, empresa de análise de companhias alemãs de base tecnológica. "É claro que não há nada parecido com um Vale do Silício. Mas o ímpeto inovador definitivamente está aqui."
Existem iniciativas nos setores de software e em biotecnologia, mas a grande aposta do país é a combinação de duas características essencialmente alemãs: engenharia e ambientalismo.
O governo alemão vem oferecendo incentivos a tecnologias verdes há muitos anos. De longe o que surtiu mais efeito foi a taxa de compra de energia. Em resumo, o sistema garante que as elétricas comprem a energia gerada de forma limpa por um preço fixo por 20 anos.
A Alemanha não é um país ensolarado, mas, graças ao incentivo oficial, o país tornou-se um dos líderes mundiais em células e paineis solares. Fundada há 13 anos em uma garagem no bairro de Kreuzberg, tradicional reduto de imigrantes turcos, a Solon ocupa hoje uma enorme instalação na região sudoeste da capital e tem filiais na Áustria, na Itália, na Suíça e nos Estados Unidos.
A empresa chegou a ter receitas de 815 milhões de euros em 2008. No ano passado, por causa da crise mundial, as vendas caíram para 354 milhões de euros - mas o entusiasmo pelo negócio da energia renovável permanece inabalado no país. A consultoria Roland Berger estimou que, em 2020, 1 milhão de novos empregos possam ser criados no país somente nas empresas de tecnologia verde.
A questão é que não são só os alemães os interessados nessa oportunidade. Incentivados pelo governo, que também busca de forma agressiva substituir a energia suja do carvão por fontes limpas, os competidores chineses vêm ganhando terreno - oferecendo preços muito mais baixos, naturalmente.
"Nosso objetivo é manter a liderança em qualidade, não em preço", diz Stefan Säuberlich, presidente da Solon. "É claro que a competição chinesa é importante, mas acreditamos estar um passo adiante da concorrência."
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É difícil não notar a ironia: o país da Autobahn e dos luxuosos bebedores de gasolina Mercedes-Benz e BMW quer agora ganhar um novo impulso com a tecnologia verde. A Alemanha quer continuar sendo o motor econômico da Europa - e agora, de preferência, limpo.